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Desindustrialização e outros mitos

Acabo de ler no blog do Azenha trechos de artigo assinado por José Arbex na revista Caros Amigos. O texto traz algumas interpretações da realidade que eu considero equivocadas.

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(José Arbex Jr. Link da foto).

Acabo de ler no blog do Azenha  trechos de artigo assinado por José Arbex na revista Caros Amigos. O texto traz algumas interpretações da realidade que eu considero equivocadas. Abaixo o texto citado. Comento em seguida.

(…) O resultado, mostra um estudo realizado por Osvaldo Coggiola, é que entre 1985 e 2008, a indústria brasileira reduziu em 17% sua participação no PIB (de 33% para 16%). Entre 2004 e 2010, o percentual da indústria na pauta exportadora caiu de 19,4% para 15,8%: a relação manufaturas/exportações totais, que atingiu 60% na década de 1980, hoje se situa em 40%. O superávit comercial de U$ 24 bilhões na área de produtos industriais, em 2005, se transformou em 2010, em um déficit de U$ 36 bilhões. Cerca de 60% das empresas brasileiras estão nas mãos de estrangeiros. As remessas de lucros ao exterior superam os U$ 34 bilhões (74% correspondem a empresas estrangeiras que fizeram investimentos diretos). Nesse quadro de destruição da economia real, há uma limitação objetiva à capacidade de manter a taxa de remuneração do capital nas estratosferas.

Se a desindustrialização tende a diminuir a oferta de empregos mais qualificados, a política de estimular a economia mediante o endividamento é receita certa de catástrofe, como mostrou a crise imobiliária estadunidense. Segundo um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em outubro de 2011, 64% das famílias que vivem nas 27 capitais estavam endividadas (88% em Curitiba e 86% em Florianópolis). No último ano, o valor médio da dívida familiar aumentou em quase 18%: de 1.298 para 1.527 reais. O total da dívida das pessoas físicas chegou a R$ 653 bilhões (em dezembro de 2009, era de R$ 485 bilhões). O que acontecerá quando uma parte significativa das famílias notar que não terá como honrar os compromissos?

As políticas de compensação social mobilizam menos de 0,5% do PIB (cerca de R$ 15 bilhões anuais). Para efeito de comparação: o Brasil gastou, nos últimos anos, em média, mais de R$ 200 bilhões anuais apenas em juros e amortização da dívida pública. Entre 1995 e 2010 (FHC e Lula), os gastos com a dívida somaram mais de R$ 6,8 trilhões (dois PIBs). No final do governo Lula, o Bolsa Família deixou 16,2 milhões de pessoas em situação de miséria absoluta (renda mensal inferior a 40 dólares), mais de 50% dos quais no Nordeste. Dilma lançou o programa Brasil Sem Miséria dirigido a esse setor, dotado de pífios R$ 1,2 bilhão. Se as compensações atenuam a miséria, estão muito longe de resolver qualquer problema real. Os recursos do país que poderiam construir escolas, hospitais e obras de infraestrutura que permitiriam dispensar o Bolsa Família, servem para engordar os cofres do capital financeiro. De fato, a desigualdade e a miséria são perpetuadas, mas maquiadas por um verniz ‘humanista’”.

Em primeiro lugar, rechaço o tom catastrofista do Arbex. Ele me lembra uma palestra horrível que assisti do César Benjamin em meados da década de 90, onde o economista previa tanta desgraça para o Brasil que, ao sair dali, fomos todos para o bar em estado de choque, perplexos e deprimidos. Nada do que Benjamin previu aconteceu. Muito pelo contrário.

Mas falemos do texto do Arbex. Ele erra em falar em “desindustrialização”. É um erro comum, estimulado pelo já mitológico complexo de vira-lata, que também costuma atacar a extrema-esquerda. O declínio percentual da participação da indústria no PIB, dos anos 80 até hoje, não significa desindustrialização, e sim o aumento na participação do setor de serviços na economia, o que é um processo normal, inevitável e salutar em qualquer país desenvolvido ou em desenvolvimento.

Uma equação similar vale para as exportações. As vendas de produtos brasileiros industrializados para o exterior não caiu nas últimas décadas. Não se pode analisar o processo de industrialização através de percentuais de participação. É um erro grosseiro mas irritamente comum. Se eu exporto 1 milhão de dólares em produtos industrializados este ano, e aumento para 2 milhões no ano que vem, as exportações cresceram, certo? Certo. Mas se ao mesmo tempo as exportações de básicos aumentam de 1 milhão para 10 milhões, a participação dos industrializados vai cair fortemente. Foi exatamente isso o que aconteceu. O Brasil viveu um grande boom no setor de primários, com destaque para soja, carnes, açúcar, café e madeiras, além do minério de ferro e petróleo.

Em termos absolutos, porém, as exportações de industrializados vêm apresentando taxas firmes de crescimento dos anos 80 até hoje, e isto num cenário cada vez mais competitivo, em função da entrada das agressivas indústrias asiáticas, especialmente da China. Além do mais, não podemos esquecer, que alguns produtos considerados primários pela terminologia estatística, possuem hoje alto valor agregado, porque envolvem uma quantitade considerável de fatores industriais, como é o caso dos produtos agrícolas brasileiros. Eles são primários, mas a agricultura brasileira hoje é altamente tecnificada, e a maior parte das máquinas usadas nas lavouras são fabricadas internamente.

Quanto às políticas de compensação social, é uma falácia dizer que gastamos somente R$ 15 bilhões anuais. Tirante as nações mais desenvolvidas, o Brasil é um dos raros países que possuem um sistema de saúde universal e um sistema previdenciário público. São centenas de bilhões de reais por ano gastos em itens como previdência rural, auxílio doença, seguro desemprego, crédito subsidiado à agricultura familiar, bolsa família, bolsas de estudo, etc.

O Ipea divulgou recentemente um estudo sobre os gastos sociais federais. Naturalmente, haverá polêmica sobre o que pode ser englobado ou não dentro da rubrica “políticas de compensação social”. De qualquer forma, não se pode omitir que os gastos sociais federais, segundo o IPEA, atingiram R$ 566 bilhões em 2010, tendo aumentado inclusive em relação ao PIB, conforme se pode ver na tabela abaixo. Seria injusto considerar tal montante um “verniz”.

Quanto ao pagamento de juros, minha opinião é que, de fato, temos um gasto absurdo, mas não acho correto omitir aos leitores a brutal redução nos juros ocorrida nos últimos dez anos, a qual ainda está em curso, haja vista as recentes decisões do Banco Central.

Por fim, o autor fala em recursos para “construir escolas, hospitais e obras de infra-estrutura que poderiam dispensar o bolsa-família”. Ora, não se pode misturar as coisas. Escola é para criança estudar. Hospital é para os doentes se tratarem. E as obras de infra-estrutura geram empregos para quem possui a qualificação necessária. O Bolsa Família tem outra finalidade: dar renda para quem vive em estado de extrema pobreza, sem condições de trabalhar, seja porque precisa cuidar dos filhos, seja porque não tem qualificação profissional.

Os países desenvolvidos tem excelentes escolas e hospitais, e mesmo assim oferecem amplos programas de complementação de renda para os mais pobres, com vistas a não deixar que ninguém deixe de se alimentar adequadamente.

É preciso observar, além disso, que o gasto com juros corresponde a uma engenharia financeira onde o governo também ganha, afinal ele se capitaliza através da venda de títulos públicos, cuja aquisição está disponível para qualquer cidadão. Outra informação que devemos sempre ter em mente, é que, embora o governo esteja, de fato, gastando elevadas quantias para o pagamento de juros, ao menos estamos reduzindo efetivamente a nossa dívida líquida, o que significa que estamos oferecendo às futuras gerações, ou a nós mesmos daqui a alguns anos,  uma situação macro-econômica mais equilibrada.

 

 

Eu acho, por fim, que a reclamação sobre os gastos com juros já se tornou uma espécie de clichê pseudo-esquerdista, uma crítica fácil, quase leviana, já que, num ambiente normalizado, com taxas em queda, eles constituem despesas obrigatórias, que fazem parte do fluxo de caixa normal de qualquer Estado, mesmo o mais pretensamente socialista, como Venezuela ou China. O governo emite títulos públicos, vende-os no mercado, capitalizando-se. É óbvio que terá que pagar por esses papéis. O problema no Brasil, repito, tem sido os juros altos, não o gasto com a dívida, que sempre haverá. Um outro problema grave seria o descontrole da dívida, quando a sua relação com o PIB se deteriora, como vem acontecendo com vários países europeus; felizmente não é o nosso caso.

A energia dispendida nessas críticas poderia ser dirigida, a meu ver, para o grande problema nacional: a baixa qualidade da educação brasileira. Este é um problema que fragiliza profundamente o povo, deixando-o vulnerável a manipulações irresponsáveis conduzidas por setores da mídia, de um lado, e da classe política, de outro.

Link da ilustração da capa.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Carlos

18/11/2011 - 15h45

Comentário perfeito. Fico feliz de estarmos discutindo na esquerda com base em números. Embora eles não sejam tudo, permitem um diálogo, mostram verdades e falsidades. E hoje em dia, convenhamos, eles nos são todos favoráveis.

baixadacarioca

18/11/2011 - 14h12

Vai ver ele tem aulas com a Míriam Leitão e Sardemberg da CBN.

Valdir Fiorini

18/11/2011 - 13h20

Aposto que vou morrer sem nunca ler uma opinião que preste da extrema-esquerda. Eles combateram Allende, combateram os sandinistas, combatem Chávez, Morales, Cristina, Dilma… Só não combatem a direita. Se não existissem, a CIA os criaria.


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