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A falácia do desencanto

Toda hora ouço a ladainha sobre o desencanto com a política. Eu sempre desconfio dessas asserções empíricas, transbordantes de preconceito, onde se nota mais o desejo do analista do que uma avaliação franca sobre a realidade.

3 comentários
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(William Turner)

Toda hora ouço a ladainha sobre o desencanto com a política.  Eu sempre desconfio dessas asserções empíricas, transbordantes de preconceito, onde se nota mais o desejo do analista do que uma avaliação franca sobre a realidade. Ora, eu também observo a meu redor. De fato, não vejo as pessoas entusiasmadas com política, mas do pouco que eu conheço de outros países, esta é uma realidade mundial.

O cidadão contemporâneo é muito ocupado, e a luta pela sobrevivência é dura para todo mundo. Mesmo os ricos tem de ralar muito, se querem continuar ricos. O nosso bem estar material é um tanto volátil e ninguém pode dar mole. Então eu acho que uma visão blasé da política é condição normal, e até certo ponto saudável. Se não há tempo para nos informar a contento, é melhor mesmo não se empolgar muito. É sempre grotesco quando vemos um sujeito empolgado com o que não conhece.

No entanto, as estatísticas eleitorais não mostram nenhum crescimento substancial das abstenções. Ao contrário, passamos de cifras de abstenção superiores a 20% ao final dos anos 90, para uma média de 15% nas últimas 3 eleições, índice que, suponho, deve ser um dos mais baixos do planeta.

Temos que considerar, além disso, que o aumento do poder aquisitivo, somado à queda no desemprego e ao maior dinamismo no mercado de trabalho, tendem a facilitar o abstencionismo. O sujeito arruma um emprego (na construção civil, por exemplo) em outra cidade, e aí não vota. Ou então viaja durante as eleições. O valor relativo da multa por não votar tem declinado na proporção com a renda do trabalhador. O fato de não votar, nesses casos, não supõe exatamente “desencanto”. O eleitor não vota porque está trabalhando em outra cidade, ou simplesmente porque está satisfeito com a situação e opta por um voto “branco”.  O voto é obrigatório mas a legislação é bastante condescendente em relação às penalidades pelo não-comparecimento. A justificativa para a abstenção é gratuita e, no caso do eleitor não poder ou esquecer de fazê-lo, a multa é irrisória.

Não quero dizer que não exista insatisfação ou desencanto no Brasil. A insatisfação política é uma das características mais nobres e marcantes do ser humano. Não significa um desencanto em particular com as instituições brasileiras, como supõe a análise tomada de complexo vira-lata.  Viver é perigoso, é complicado mesmo, e o processo de amadurecimento de qualquer ser humano pressupõe uma passagem dolorosa e necessária por decepções, recuos, derrotas. Há sempre, em qualquer época, e em qualquer país, um percentual altíssimo de depressivos, e curiosamente os países mais desenvolvidos figuram no topo dos rankings de suicídio…

Nossa democracia ainda é cheia de problemas, e a vida no Brasil é dura como em qualquer país com situação econômica similar, mas não vejo dados concretos que me permitam concordar com esses analistas que ano a ano prevêem o crescimento do desencanto do brasileiro com a política. Para mim, este é mais um capítulo da guerrinha dos meios de comunicação contra as instituições políticas nacionais.

Por fim, vale salientar que o tamanho do eleitorado brasileiro tem crescido a uma taxa impressionante. Passamos de 106 milhões em 1998 para 138,5 milhões de eleitores aptos a votar em 2012.

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Érico Cordeiro (@ricocordeiro)

13/10/2012 - 09h33

A falácia do desencanto – http://t.co/GP75u7h9

Sergio de Sersank

11/10/2012 - 23h18

Muito boa a abordagem.
Abraço!

migueldorosario (@migueldorosario)

11/10/2012 - 22h01

A falácia do desencanto http://t.co/jMoyNYAf


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