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Revogar infringentes é último golpe de um julgamento de exceção

No desespero por condenar petistas, os ministros que defenderam a revogação dos embargos infringentes entraram em contradição consigo mesmos e negaram 300 anos de tradição humanista de proteção do indivíduo contra o afã justiceiro do Estado.

10 comentários
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No desespero por condenar petistas a todo custo, os ministros que defenderam a revogação dos embargos infringentes entraram em contradição consigo mesmos e negaram não apenas o Regimento Interno do STF como mais de 300 anos de tradição humanista de proteção do indivíduo contra o afã justiceiro do Estado.

É o caso de lhes opor uma citação latina: Allegans contraria non est audiendus.

Aquele que dá declarações contraditórias não merece ser ouvido.

Barroso e Lewandowski disseram que reuniram, em seus votos escritos, dezenas de exemplos em que ministros antigos e atuais defenderam os infringentes na fundamentação de seus votos, em casos de ação penal.

Ontem mencionei o voto de Luiz Fux num caso de ação penal originária. Numa pesquisa rápida no site do STF, encontrei inúmeras decisões de Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes em que mencionam positivamente os embargos infringentes e aceitam a vigência do Regimento Interno. Algumas decisões, embora referentes a processo civil ou processo penal militar, servem para nos dar uma ideia da presença constante da figura do embargo infringente na gramática jurídica do Supremo e nas decisões de todos os ministros. Entretanto, como bem aconselhou um leitor, deixemos exemplos e detalhes para os técnicos da lei.

A estranheza contra embargos infringentes, demonstrada na sessão desta quinta por alguns egrégios ministros, foi absolutamente simulada.

Não há, em debates anteriores do STF realizados após a entrada em vigor da lei atual, qualquer declaração sobre a extinção dos embargos infringentes, seja em processos civis seja em ações penais.

A decisão de revogá-los é mais uma característica da excepcionalidade deste julgamento. Antes dele, jamais se mencionou essa possibilidade, tanto que os réus prepararam suas estratégias de defesa, desde o início, contando com os embargos infringentes. Revogá-los no meio de um processo corresponderá a casuísmo lamentável, um ato de arbítrio, mais um na série que vimos no julgamento desta Ação Penal.

A performance de Gilmar Mendes nesta quinta-feira, gritando descontroladamente, mostra que o ódio político, partidário e ideológico, misturado a uma submissão covarde à mídia, produziu uma degradação moral completa de alguns juízes do STF. Quanta diferença entre o ódio acaciano e hipócrita de Gilmar versus a apaixonada defesa de valores humanistas de Lewandowski! Entre o sarcasmo chauvinista e a empáfia irritante de Mello versus a elegância severa e modesta de Barroso!

Para piorar, Mendes e Mello insinuaram maliciosamente que mudanças de interpretação de ações em curso, feitas por ministros recém-indicados, poderiam dar espaço à manipulação política. É uma acusação infame, além de incrivelmente arrogante, porque pode se dar justamente o contrário. Novos integrantes podem construir uma interpretação mais justa de uma Ação Penal. É para isso que os colegiados são móveis, e a vitaliciedade do cargo não é total. O ministro tem que se retirar do STF aos 70 anos, abrindo espaço para substitutos. A democracia implica em busca do pluralismo e valorização da alternância do poder; a entrada de novos membros, portanto, oxigena a justiça e a aproxima do zeitgeist (espírito do tempo).

****

A resposta de Carmen Lúcia foi dada por Tânia Rangel, professora de Direito no FGV, em artigo do Globo publicado no mesmo dia. O Globo se tornou uma espécie de manual de emergência para ministros em apuros. Rangel observou que não existe a figura do embargo infringente no Supremo Tribunal de Justiça e portanto não deveria haver no STF. Mas isso foi uma pegadinha encontrada às pressas para ludibriar a opinião pública. O STF é único, por ser o último dos últimos dos tribunais e, portanto, onde o indivíduo deve gozar de todas as garantias contra o arbítrio do Estado.  Os próprios ministros que votaram contra os infringentes insistiram na excepcionalidade do STF, e no “privilégio” dos réus, por serem julgados numa instância tão “superior”. Privilégio de ser queimado vivo, sob os holofotes da Globonews…

Se existe uma diferença entre STF e STJ, esta só pode ser resolvida pelo Congresso Nacional, não por nenhuma interpretação criativa de ministros. E se esta houvesse, teria que privilegiar a instância máxima, o STF, e a regra mais próxima ao espírito humanista que norteia a Carta Magna.

E se os ministros acham que isso lhes dará mais trabalho, então que ampliem o horário das sessões, conforme sugeriu Lewandowski. As liberdades civis não podem pagar pela preguiça de meia dúzia de juízes.

Nesta sexta-feira, a mídia amanheceu repleta de clichês contra o “excesso de recursos” nos processos penais. Joaquim Falcão, que pratica uma espécie de mervalismo jurídico, se apressou a brandir um apressado populismo antirrecursal.

Esses recursos, que agora a mídia resolve demonizar e revogar, estão presentes há séculos na legislação brasileira, tanto na letra da lei como em seu espírito. Trata-se de uma remanescência iluminista e por isso moderna, preocupada em preservar o indivíduo contra possíveis abusos e erros do poder público, e livrá-lo da sanha linchatória de grupos econômicos ou políticos com influência sobre a justiça.

De qualquer forma, nenhuma mudança na tradição jurídica brasileira pode ser protagonizada pelo STF. Se estão incomodados, os ministros devem provocar o parlamento, porque só ele pode corrigir excessos, ausências e contradições constitucionais. Os juízes não podem inovar em matéria penal, sobretudo ao final de um processo, quando os cidadãos acusados pelo Estado tem a última chance de lutar por seus direitos. Mormente se é um processo de forte conteúdo político, polêmico, que merece ser debatido até as últimas consequências.

O que vai fazer bem ao Brasil não é ver Dirceu indo para cadeia, mas a oportunidade de debater, de forma livre, democrática e serena, sem a pressão desesperada e vingadora da grande mídia, os fundamentos e eventuais falhas do processo pelo qual ele foi condenado.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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MD

14/09/2013 - 12h25

Agora nós vamos ver se o Ministro Celso de Mello é corajoso ou covarde.

Marcelo

13/09/2013 - 11h53

As lideranças do PT como José Dirceu e José Genoíno, que estão sendo condenadas hoje pelo STF, fazem parte da construção do PT que hoje está mudando para melhor a vida de milhões de brasileiros. Esse projeto foi construído com base na verdade e coragem frente a muitos obstáculos impostos pela ditatura militar e sua mídia, e mesmo assim frente as diversidades desse período, como o da opinião pública amplamente manipulada pelos que estavam no poder nessa época, essas lideranças se mantiveram fiéis guardiãs do projeto proposto pelo PT que hoje se materializa. Para mim o silêncio do PT em defesa dessas lideranças, onde alguns se dizem republicanos, por oportunismo eleitoral, não passam de covardes, infelizmente o PT hoje paresse um partido de covardes. Não se consolida as mudanças proporcionadas pelo PT com base na covardia, é preciso da coragem de nossas lideranças como José Dirceu e José Genoíno!!!

Maria Luisa

13/09/2013 - 11h15

Esperando o voto de Celso de Mello, acho que de toda forma, esse julgamento – o qual a defesa não teve tam ampla defesa assim (esqueceram dos cochilos de alguns ministros durante as defesas ? Dos deboches aos réus ? Da arrogância com alguns advogados ? Eu não me esquecerei? Jamais veriamos isso num julgamento de Eduardo Azeredo ou qualquer outro politico do PSDB) – esse julgamento ja foi. Dirceu foi condenado ha muito tempo e os outros também. Merval Pereira, vulgo jornalista, até carta de vinho apostou! Meus amigos, isso é uma justiça democratica ? O STF quer, mais que nunca, lavar as mãos e jogar à midia os restos que sobrarem dos réus.

Antonio Luiz

13/09/2013 - 08h27

Onde também estão os “criminosos”, além de Dirceu, Genoíno, João Paulo e etc?

Certamente deles Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e etc saberão.

Se procurarem com isenção poderiam ver que um deles comprou de modo nebuloso apartamento no exterior, para isso abriu empresa fantasma em território americano dando-lhe sede apartamento funcional (público) em Brasília e…está solto e livre de quaisquer suspeições judiciais.

Dizem que um desses bandidos vive em um país fictício com outros colegas de mesma índole, e que lá foram alçados aos mais altos postos da justiça e agora campeiam soltos e obstinados à busca de quaisquer cidadãos que concorrência lhes façam.

Para alegria do Brasil e sua saudável turba, de todos eles estamos livres.

Ignez Regis

13/09/2013 - 00h00

Fica muito claro que o problema dos juízes contrários ao Embargos Infringentes é que eles estão infringindo, cortando e manipulando dispositivos jurídicos. Vale à pena o esforço para aclarar a questão, mas como estão com uma meta traçada: condenação dos réus, então vão fazer tudo o que a mídia golpista e vassala deste país quiser. São meros amestrados, começando com JB.

Andre

12/09/2013 - 22h56

Tá tudo errado. Começa e apaga de novo. Não se aplica código de processo civil e sim código penal

    migueldorosario

    13/09/2013 - 00h34

    Mello: “Não havendo sido alcançada a unanimidade no julgamento (folha 13 à 18), cabíveis são os embargos infringentes de que cogita o artigo 530 do Código de Processo Civil.” Leia o texto.

      joão viramundo

      13/09/2013 - 01h10

      Os embargos infringentes em acórdão não unânime em ação originária ou apelação penal são cabíveis. Mas você ajudaria mais relatando os fatos ou fazendo defesa política. A defesa técnica fica melhor guarnecida com os técnicos habilitados e experientes em direito penal e constitucional.

        migueldorosario

        13/09/2013 - 02h54

        Tem razão, vou me dedicar a isto agora. Até porque é a política que produz as leis às quais os juízes devem obedecer.

        migueldorosario

        13/09/2013 - 05h57

        fiz alguns ajustes no texto e acrescentei uma defesa política, obrigado pelas dicas.


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