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A geopolítica e o mal

  Embora arriscando-me a abusar de vossa paciência, gostaria de prosseguir no tema que gerou tanta polêmica no blog: os atentados terroristas em Paris. Faço-o não por amor fútil à polêmica pela polêmica, mas porque ele me levará, após alguns esclarecimentos, a debater uma questão que me vem aguilhoando a cachola: existe o mal em […]

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Paris-1968 (1)


 

Embora arriscando-me a abusar de vossa paciência, gostaria de prosseguir no tema que gerou tanta polêmica no blog: os atentados terroristas em Paris.

Faço-o não por amor fútil à polêmica pela polêmica, mas porque ele me levará, após alguns esclarecimentos, a debater uma questão que me vem aguilhoando a cachola: existe o mal em geopolítica?

Por trás da opressão colonial, do imperialismo, da exploração econômica, das guerras, existem forças conscientes do mal que provocam?

Não é uma questão boba porque, sem que disso tenhamos consciência, influencia fortemente a maneira como analisamos os fatos políticos.

Em relação ao caso específico dos atentados terroristas de Paris, tem tudo a ver. Sobre isso discorreremos daqui a pouco.

Antes, combinemos algumas regras para um debate saudável.

Se não é possível que seja uma conversa bem humorada, em virtude das cores sombrias, às vezes sanguinolentas, do tema discutido, que seja ao menos bem disposto e tranquilo.

Muitos leitores discordaram da minha abordagem do caso Charlie Hebdo. Normal. Quiçá estejam eles certos, e eu errado.

Existe a hipótese também (remota, se assim o desejarem, ou mesmo remotíssima) de a razão estar comigo.

Pode ser que eu tenha razão em alguns pontos, e os que discordam, em outros.

Alguns leitores preferiram enxergar o debate como uma liça vulgar ou, pior, como um comício sindical no qual ganha quem obtêm maior quantidade de votos. Isso é eleição. Um debate segue outra lógica. Pode se dar – e isso acontece com frequência – que a minoria tenha razão.

Raramente fatos políticos complexos podem ser compreendidos sem que dele tenhamos uma visão abrangente e dialética.

Dialética, esta é a palavra sagrada, este é o conceito chave.

A dialética pressupõe que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo.

Para não ficarmos no diletantismo, digamos que a França, por exemplo, seja um grande bastião dos direitos humanos, por suas leis sociais, trabalhistas e penais; e ao mesmo tempo não o seja, por sua conivência com as agressões ocidentais a países do oriente médio.

A questão árabe-muçulmana na França também serve de exemplo. Inúmeros comentaristas fizeram asserções sobre a situação dos árabes na França. Que eles seriam massacrados, explorados, humilhados diariamente.

Há um pouco de exagero nisso. Ou, se preferirem, há uma situação dialética.

Vamos entrar em acordo que os 6 ou 7 milhões de muçulmanos na França (e para simplificar, uso os termos árabe e muçulmano como sinônimos) sofrem algum tipo de discriminação.

Mas é preciso convir também que há um outro lado, que não invalida a asserção acima. Todos esses árabes, em virtude de ideologia laica do Estado, gozam exatamente dos mesmos direitos que os franceses brancos e cristãos. Suas crianças frequentam boas escolas públicas, seus jovens têm acesso à universidade e aos empregos públicos. Os serviços de saúde são granjeados a todos os franceses, sem distinção de credo ou raça.

Se você entrar no George Pompidou, talvez a maior biblioteca pública do mundo, e uma biblioteca feita especialmente para jovens, com serviços de audiovisual, revistas e música, com espaços de alimentação e lazer, você encontrará uma quantidade enorme de jovens árabes e negros.

Os serviços públicos de transporte também não fazem distinção. Os árabes que trabalham nos grandes centros urbanos podem voltar às suas casas utilizando-se de transportes confortáveis e rápidos.

Essas condições têm permitido que um número crescente de árabes se tornem figuras destacadas da cultura francesa: há cineastas, escritores, músicos e intelectuais árabes em profusão.

Também seria injusto, com os próprios árabes, tratá-los apenas como uma massa de pobres e oprimidos. Os árabes têm ampliado rapidamente a sua participação na economia francesa. Há uma quantidade enorme de árabes se enriquecendo ou se consolidando como uma classe média próspera e pujante. Eu mesmo conheci vários. Os pequenos mercados de Paris estão quase todos em mãos árabes, o que significa que há um processo de ascensão social concreto junto aos imigrantes e seus descendentes.

A situação dos árabes, na França, me parece, neste sentido, bem melhor do que, por exemplo, os negros no Brasil, que perfazem um percentual bem maior, em nosso país, do que os árabes lá.

Um comentarista citou uma pesquisa que informava ser o desemprego entre os árabes (20%) quase o dobro da média na França (10%). Digamos que isso seja verdade. No Brasil, regiões pobres, como a baixada fluminense, também registram desemprego bem superior à média nacional. É um fato infelizmente corriqueiro: comunidades mais pobres sofrem desemprego maior, por conta de déficit na especialização profissional de seus moradores.

Há muitos árabes que ainda não aprenderam corretamente o francês, ou ainda não se especializaram profissionalmente, e tem dificuldade para arrumar trabalho num mercado altamente competitivo. Se são cidadãos franceses, todavia, tem direito ao seguro desemprego e a todos os programas sociais existentes no país, que são muitos.

Detalhe importante: as escolas e os hospitais públicos da França são abertos inclusive aos árabes que ainda vivem em situação ilegal. Não se pede documentos nas emergências de hospitais, e as escolas públicas matriculam qualquer criança residente no país, independente da situação de seus pais.

Voltemos à questão dialética. Isso não justifica a França atacar outro país, nem violar direitos humanos em outra parte do mundo.

Aí entramos na questão da Líbia e Síria, onde a França participou ativamente de ações militares, juntamente com outros países europeus, além do onipresente Tio Sam.

Hoje está claro que a França errou, para dizer o mínimo. Em se tratando de guerras, sabemos que “erro” é um eufemismo meio idiota.

Sem querer justificar o erro, mas dando uma de advogado do diabo, em nome do amor ao debate, como gostam de dizer os advogados, lembramos que a intervenção na Líbia aconteceu em meio a uma enorme comoção internacional provocada pela chamada “primavera árabe”.

A primavera árabe iniciou-se na Tunísia, onde derrubou o ditador, e depois tomou conta do Egito.

O mundo democrático e, em especial os setores progressistas, encantaram-se com o que acharam ser a renovação do que outrora chamávamos de “revolução”.

Uma revolução de verdade, feita pacificamente! Milhões de pessoas nas ruas exigindo mais direitos e mais democracia!

Eu lembro muito bem. A esquerda brasileira prestou um grande apoio político e moral à “revolução” no Egito. Eu mesmo escrevi artigos eufóricos para a Revista Fórum. A Marilena Chauí deu uma conferência para afirmar que se tratava, de fato, de uma revolução.

Então a primavera chegou à Líbia.

Milhares de pessoas saíram às ruas, nas principais cidades líbias, mas sobretudo no norte, com exatamente as mesmas demandas de seus irmãos árabes do Egito: mais direitos políticos, mais democracia, mais liberdade.

Então o ditador (ou presidente, se preferirem) começou a reprimir violentamente os protestos.

O massacre começou.

Reparem bem: até então ainda não desconfiávamos que os serviços secretos ocidentais, em especial os americanos, já tinham começado a instrumentalizar as manifestações da Líbia, com objetivo de derrubar Kadafi, um antigo desafeto do Tio Sam (embora nos últimos tempos, andasse amiguinho de todo mundo).

A imprensa francesa e europeia em geral, incluindo aí seus jornais mais à esquerda, iniciaram uma cobertura com um forte viés anti-kadafi. O espírito editorial que governava essa cobertura e esse viés ainda era a “pureza” popular da primavera árabe.

Eu mesmo, e hoje o confesso com remorso, entrei na onda e assumi uma posição anti-kadafi, inclusive discutindo com algumas figuras. Tempos depois, assumi o erro e hoje me parece cada vez mais claro que a Líbia estava infinitamente melhor com Kadafi do que hoje, um país devastado pelo terrorismo, instabilidade política e miséria social.

Mas naquele momento, Kadafi reprimia violentamente as manifestações.

É uma situação complicada.

Imagina se a Dilma mandasse o exército disparar mísseis sobre bairros inteiros de São Paulo, em virtude de manifestações políticas? Era disso que se acusava Kadafi, com vídeos e reportagens.

A esquerda brasileira entrou numa crise existencial horrorosa em 2013, quando as jornadas de junho tomaram o país. Muita gente, de espírito genuinamente progressista, falava na necessidade de repressão. Os próprios manifestantes pareciam testar os limites da democracia, ao interromper avenidas vitais para a circulação nas grandes cidades, e  quebrarem lojas e prédios públicos.

Bom, o governo Kadafi não hesitou e iniciou uma repressão violentíssima.

A repressão era real, e o sistema de segurança pública líbio tinha métodos assustadores, que os serviços ocidentais de informação e contra-informação trataram de expor ao mundo talvez com exagero.

Falava-se em tipos de tortura terríveis na Líbia. Eu me lembro perfeitamente. As redes sociais diziam que os agentes de Kadafi prendiam manifestantes e os enrolavam em faixas, como múmias, mantendo-o vivos, por semanas a fio. Ou que enterrava pessoas vivas. Havia descrições tenebrosas e detalhistas sobre todo o tipo de torturas.

A opinião pública francesa, inclusive os árabes, inclusive as esquerdas, exigiam que a França participasse das operações “humanitárias” para ajudar os líbios a não serem massacrados por um ditador enlouquecido.

Foi nesse clima que a França resolveu ajudar um pool de países a bombardear as forças de Kadafi.

A mesma coisa aconteceu em relação à Síria.

Hoje sabemos que a situação não foi tão simples. Muita gente foi enganada. Os jovens árabes que pediam democracia foram enganados. A esquerda que acreditava na possibilidade de uma revolução democrática nesses países foi enganada. Inúmeros políticos franceses, incluindo aí os mais honestamente comprometidos com valores humanistas, que manifestaram repúdio à Kadafi e apoiaram uma intervenção “humanitária”, também foram enganados.

Governos democráticos tem um defeito grave. São empurrados pela opinião pública, pelos lobbies privados, pela pressão da mídia.

Bem, o advogado do diabo encerra sua defesa do governo francês.

Não existe inocência em política ou geopolítica.

As intervenções, tanto na Líbia quanto na Síria, não deram certo.

Mas a gente voltará a falar da questão da culpa e do mal em geopolítica mais tarde.

*

Agora eu quero falar sobre religião, respeito ao outro e liberdade de expressão.

Em primeiro lugar, insisto em denunciar uma injustiça. Os críticos do Charlie continuam espalhando algumas inverdades. Num texto publicado no blog do meu amigo Castor, vemos a figura da ministra negra Christiane Taubira, representada como uma macaca num desenho. Ora, ponhamos um fim nisso, de uma ver por todas! O Charlie não era racista! O jornal defendeu a ministra negra de uma acusação de racismo feita por uma política da Frente Nacional. Fez campanha para que a ministra fosse condenada, e o conseguiu. A ministra agradeceu ao jornal, e estava lá, na primeira fila entre os que prestavam homenagem aos desenhistas mortos. Já apresentei os textos e os contextos dessa história neste post.

Outra injustiça é de que o Charlie “perseguia” os muçulmanos, como se fosse um jornal inteiramente voltado a publicar charges contra Maomé. Não é verdade. Eu pesquisei centenas de edições de Charlie Hebdo, a começar pelas mais recentes. Ele publicou apenas raríssimas charges de Maomé, e a única mais pesada, realmente de mau gosto, é aquela em que Maomé aparece de bunda de fora, com uma estrela estampada no meio.

É a única charge de Maomé assim, e foi publicada no miolo da página de um jornal impresso, exclusivo para assinantes. A pose e o estilo escatológico, no entanto, eram marcas do Charlie. Digo “eram” porque a redação foi quase inteiramente dizimada. O Charlie que está nascendo é um outro.

E sim, Charlie fez coisa pior com a religião católica. Na capa.

ScreenHunter_5480 Jan. 20 08.59


Outras charges em que Charlie usa a escatologia do traseiro:

 

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Vários comentaristas rebelaram-se dizendo que Charlie não fazia o mesmo com as figuras sagradas do judaísmo.

Não posso afirmar isso com certeza, pois teria que examinar todos os números de Charlie, e, francamente, já me bastaram as centenas que vi. Mas digamos que realmente eles não tenham feito nada similar com os judeus.

Volto a lembrar, contudo, que os judeus são minoria na França. São 500 ou 600 mil judeus, contra 6 ou 7 milhões de árabes, e mais 50 milhões de católicos. Eles fizeram charges de figuras sagradas católicas e muçulmanas. Para mim, já está de bom tamanho. Mas novamente por amor ao debate, gostaria de dizer algumas palavras sobre o fato de Charlie não ter, supostamente (pode ser que tenham feito e a gente não viu ainda), feito nenhuma charge sobre profetas do judaísmo.

Em primeiro lugar, há uma covardia na asserção. Os caras morreram. Ou seja, se pudessem participar do debate, eles responderiam simplesmente fazendo uma charge de Moisés com a bunda de fora, com um crescente estampado. Eu respondi isso aos leitores, mas eles me disseram que esse argumento era “abstrato” demais, porque nunca poderíamos saber se eles estariam dispostos a isso.

Esse argumento, o da morte deles, é que eu considero o mais forte: como saber que eles não estariam dispostos a fazer uma charge de um profeta judeu?

Como saber se, no mesmo dia em que foram executados, não estariam discutindo exatamente essa ideia numa reunião de pauta?

Mas há um outro.

Há o argumento da história. A França ainda guarda um profundo trauma do antissemitismo cujo apogeu se dá na II Guerra Mundial.

Nunca um muçulmano foi morto em atentado terrorista na França. Os muçulmanos podem sofrer discriminação, mas não são alvos de atentados terroristas. Judeus são mortos e perseguidos na França há séculos.

Na II Guerra, trens lotados de judeus franceses seguiram para os campos de morte nazistas. E, em muitos casos, com apoio da população cristã!

O antissemitismo na França era terrível. E explica em parte o vergonhoso “colaboracionismo” de milhões de franceses com o regime nazista que assolou a Europa durante a II Guerra.

Nunca houve nada similar, em território francês, em relação aos árabes. Os problemas da França com suas colônias não teve nada a ver com um problema de “raça” ou “religião”, mas simplesmente uma divergência política e econômica.

Wolinsky, um dos desenhistas mortos, era um judeu nascido na Síria, filho de um judeu polonês que fugiu do nazismo. Wolinsky tinha 80 anos de idade.

Quando eu lembrei que os judeus formam uma minoria na França, alguns reagiram, indignados, dizendo que são muito ricos.

Em primeiro lugar, não é verdade, evidentemente. A maioria deles é de classe média. Deve haver um porção de pobres. Em segundo lugar, e daí que são ricos? Por acaso eles ficaram ricos explorando árabes? Não. Isso é antissemitismo puro. É o mesmo discurso antissemita de outrora: judeus são ricos, etc, etc.

Também há um monte de árabe rico na França.

O fato de constituírem, de fato, uma minoria, e o histórico de antissemitismo no país, também ajuda a explicar porque há um cuidado maior, na França, em relação a sátiras contra judeus, do que sátiras contra católicos e muçulmanos.

De qualquer forma, não creio que nenhuma sátira anti-judaica motivaria nenhum grupo radical judeu a cometer um atentado contra seus autores.

*

Agora discutamos a questão do “respeito” às religiões.

Todas as religiões devem ser respeitadas. Certo. Ou não?

Durante séculos, a Igreja Católica fez o papel de principal inimiga da liberdade de expressão.

Praticamente todos os humanistas foram perseguidos por causa da Igreja. Alguns foram condenados a fogueira, outros torturados e presos, outros tiveram suas obras censuradas.

Talvez em nenhum país esta censura da religião contra a arte se evidenciou de maneira tão evidente como na França.

Ninguém zombou mais do catolicismo do que Voltaire, o gênio dos gênios, o que lhe valeu algumas temporadas nos porões da Bastille.

Lembro-me de uma crônica genial de Voltaire, sobre um dos episódios mais famosos do Novo Testamento. A expulsão dos vendilhões do templo.

Nunca o termo francês para zombar, “moquer”, obteve um sentido tão brilhante.

Voltaire descreve para nós o extremo ridículo daquela situação. Jesus Cristo, o Redentor, o protetor dos fracos e oprimidos, se aproxima de uma igreja, próxima da qual trabalham dezenas de vendedores de lembrancinhas religiosas. Nada diferente do que vemos em Aparecida e Juazeiro, onde milhares de brasileiros ganham o pão e o leite das crianças vendendo miniaturas e livretinhos.

Não é crível que o comércio de miçangas religiosas daquele templo fosse protagonizados por milionários. É mais que provável que os vendedores fossem pequenos comerciantes, expostos, como todos os pequenos empresários da época, às intempéries políticas, às arbitrariedades dos poderes locais e às vicissitudes gerais da vida num tempo rude.

Pois não é que Jesus começa a chutar as barracas, destruindo todo o material dos comerciantes?

O texto de Voltaire segue num tom de zombaria pura. Ele especula ainda que muito provavelmente Jesus era acompanhado de homens armados, pois que não seria possível cometer uma violência tão gratuita e arbitrária contra tantos pequenos comerciantes, sem que estes não estivessem intimidados e ameaçados pela presença de armas letais.

Não vou cansá-los com mais citações de Rabelais, outro brilhante “moqueur” francês, e que igualmente foi perseguido a vida inteira pelas autoridades eclesiásticas.

O que devemos refletir, nessa questão do respeito às religiões, é o seguinte: essas zombarias contra as religiões não seriam necessárias para desenvolver, nelas, a tolerância às críticas, e, por fim, para que evoluíssem?

Na História, de Heródoto, o autor descreve os costumes religiosos de alguns povos “bárbaros”. Lembro-me de um povo onde o morto era enterrado junto com todas as suas dezenas de amantes.

Em algumas áreas islâmicas radicais, mulheres acusadas de adultério são condenadas a serem mortas via apedrejamento, mesmo que elas provem que há tempos estavam separadas de seus maridos.

Em outras áreas, como se diz estar acontecendo nos territórios dominados pelo Estado Islâmico, há leis que obrigam as famílias a mutilarem o clitóris das meninas, para que elas não sejam, mais tarde, tentadas pelo pecado do prazer sexual.

As zombarias contra uma religião que ainda permite costumes tão agressivos aos direitos humanos não seriam uma necessidade do espírito do tempo, do zeitgeist, de fazê-las se modernizarem?

*

Eu tenho formação católica e já li a Bíblia diversas vezes. É um livro lindo, cheio de mistérios e lições morais. Minha esposa é bastante católica, tanto que casamos numa igreja, e eu tive que me batizar e fazer primeira comunhão.

Não me sinto agredido, contudo, pela charge publicada acima, mostrando Jesus enrabando Deus e sendo enrabado pelo espírito santo, porque entendo que é apenas uma charge, uma zombaria inocente. Jesus não está ali. Maomé não está ali. Ambos são mitos religiosos muito acima de nossas querelas mundanas.

*

Quando discutimos liberdade de expressão, fala-se muito na necessidade de impor limites.

Certo, não existe liberdade absoluta, até porque aí já não seria liberdade, mais um sistema governado pelos mais fortes.

A liberdade só existe quando há leis e há limites.

A liberdade, porém, tem o sentido de uma força que vai até os extremos da lei e dos limites.

As pessoas se esquecem que há infinitas dificuldades para se impor limites à liberdade de expressão.

Por exemplo, quem serão os juízes destes limites?

Quais serão as penas para quem extrapolar estes limites?

Um artista é sempre um sujeito meio doido. Quanto melhor artista, mais doido costuma ser. Ele terá algum tipo de leniência especial para suas liberdades?

E se esta leniência for concedida, então quem julgará quem é artista ou não?

Tenho a impressão que os franceses chegaram a um estágio bastante avançado sobre as liberdades.

A sua justiça não é perfeita, nem eles pretendem que o seja. Os assuntos são debatidos na sociedade e busca-se sempre aperfeiçoar o sistema de liberdades.

O objetivo, porém, é ampliar a liberdade, porque historicamente isso reduzirá o custo político.

Sempre que se tenta impor limites à liberdade, isso custa caro. É preciso contratar juízes, mas a decisão de um juiz será sempre arbitrária. É sempre mais fácil haver a liberdade de expressão.

Não se pode ofender pessoas de carne e osso. Esse é o limite da liberdade de expressão na França. Com exceção, é claro, de figuras públicas, como presidentes da república e executivos proeminentes de concessões públicas. Quer dizer, até mesmo nesses casos, também há limites, embora tênues, a serem decididos pelo arbítrio de um juiz.

Tirando pessoas de carne e osso, pode-se tudo, inclusive blasfemar.

Nem todos os franceses concordam, mas esta é a lei.

Amigos franceses me disseram que também se chocavam com algumas charges do Charlie. Esse era o objetivo, aliás. Mas eles as aceitavam como um direito do jornal à liberdade de expressão.

*

Para encerrar o post, vou iniciar aqui uma teoria que gostaria de discutir com vocês. Uma teoria um tanto perigosa, sobre a geopolítica e o mal.

Não sei se alguém já escreveu sobre isso, mas é interessante especular se é adequado fazer julgamentos morais, quando tratamos de geopolítica.

Me parece sobretudo algo necessário, porque o debate política nunca me pareceu tão impregnado de julgamento moral. As pessoas procuram sempre mocinhos e vilões em toda a parte.

Marx jamais procurou culpar países, nem mesmo governos, pelas desgraças que se abatiam sobre as classes oprimidas. A culpa estaria no sistema como um todo, que engole governos, países e classes, aí incluindo os governos mais poderosos, os países mais ricos e as classes mais instruídas.

Observou-se isso no debate sobre o caso Charlie. Quem são os vilões? São os chargistas? São os terroristas? É a França? É o Islã? É o conceito de liberdade de expressão? É o obscurantismo religioso? São os EUA? A CIA? O sionismo? Os judeus?

O debate causou um mal estar justamente por esse cruzar incessante de dedos apontando para todos os lados.

Por exemplo, muitos apontaram o dedo para a irresponsabilidade dos desenhistas.

Tudo bem, mas até que ponto essas pessoas acham que as intenções dos mesmos eram más? Os desenhistas eram pessoas de má índole? De caráter desprezível? Preconceituosos, canalhas, arrogantes?

A intenção dos desenhistas era humilhar populações “massacradas” das comunidades árabes francesas?

Ou será que eles não eram tão maus assim?

Infelizmente, eles foram mortos, e não poderemos mais conhecê-los. Talvez não fossem as melhores pessoas do mundo, mas talvez fossem pessoas com as quais pudéssemos nos identificar, se entendêssemos seus pontos de vista.

A mesma coisa vale para os terroristas? Ou não?

Lembremos que eles não mataram apenas os 10 jornalistas & chargistas que se encontravam na redação do Charlie. Mataram também, pelas costas, um policial de origem árabe, Ahmed Merabet.

Seremos tão rigorosos com chargistas e tolerantes com assassinos?

Ou talvez isso não tenha nada a ver, dirão alguns de vocês. Não é questão de perdoar ou tolerar, mas compreender a situação. Certo.

Eles são culpados, são monstros, mas precisamos ver o conjunto. Eles vieram de comunidades oprimidas durante séculos.

Ok, posso até concordar com isso, embora fazendo todas as ressalvas que já apresentei acima, contra uma possível demagogia barata em relação à situação dos árabes na França.

O que não consigo concordar é que possamos apresentar os desenhistas do Charlie como os vilões.

O que eu tenho visto, com lamentável frequência, é uma verdadeira mistificação do trabalho do Charlie.

As pessoas não estão escrevendo sobre o Charlie.

Inventou-se um outro Charlie, um Charlie que não existe, um Charlie sionista, que se comprazia em humilhar as comunidades islâmicas da França e do exterior.

Isso não é verdade.

A qualquer momento, as edições completas do Charlie serão publicadas traduzidas no Brasil, essa injustiça será desfeita.

Eu já mostrei que o Charlie assumia uma forte defesa da Palestina, e atacava duramente as posições do UMP e da Frente Nacional, a direita e a extrema-direita, respectivamente, em relação a este assunto.

Voltando a questão do mal, o pensamento vale para a França, e para qualquer país. Faz sentido julgar todo um país, com a sua teia de contradições internas, como se fosse uma entidade moral única?

Se formos julgar a França, levaremos em conta apenas as suas aventuras coloniais? Esqueceremos que seus governos massacraram sobretudo trabalhadores franceses?

Por séculos, a França explorou e massacrou seus camponeses, e depois seus proletários. Ela é culpada por isso também. Napoleão massacrou populações inteiras, em toda a Europa. Igualmente culpada.

Entretanto, e as coisas boas oferecidas pela França ao mundo, as ideias, as leis sociais, a constituição republicana, a arte, a filosofia, serão esquecidas?

Mais tarde, discutiremos os mesmos parâmetros para analisar o papel dos Estados Unidos na história da humanidade.

No entanto, neste sentido, nós, brasileiros, não somos ainda mais culpados? Muito mais que os franceses, que superaram suas misérias há muito tempo, enquanto nós ainda matamos pobres aos milhares, todos os anos?

Não exploramos colônias no exterior, mas não promovemos verdadeiros massacres contra os mais pobres, até hoje?

Nosso governo é de esquerda, como o da França hoje, mas uma esquerda acuada, forçada (sabe-se lá porque) a adotar medidas macro-econômicas conservadoras e impopulares.

Assim como o partido socialista francês é acusado de não ser mais progressista, assim também se acusa o PT no Brasil.

Não mereceríamos, então, um pouco de terrorismo também?

Claro, condenaríamos imediatamente qualquer atentado contra nossos jornalistas, mas será que buscaríamos explicações sociológicas para assassinatos em massa, planejados friamente?

Poderíamos até fazê-lo, como se fez, e com admirável inteligência, em tantos ensaios sobre o cangaço.

Tudo, inclusive o suposto “mal” na política e no banditismo, deve ser analisado, escrutinizado, observado pela ciência política e pela história, sem demasiados julgamentos morais.

Mas seríamos capazes de transformar em vilões os jornalistas assassinados por nosso eventual terrorismo tupiniquim, dizendo que eles, os jornalistas, “exageraram” e que a liberdade de expressão tem limites?

E se os nossos artistas do texto e do desenho não pertencessem a nenhum monopólio, se trabalhassem num jornal pequeno, alternativo, e tivessem um histórico (não um histórico antigo, dos anos 70 e 80, mas contemporâneo) de posições progressistas, socialistas, anarquistas, em prol da classe trabalhadora e contra a extrema-direita, e fossem assassinados por extremistas reacionários de uma religião qualquer, em função de uma charge contra uma figura sagrada daquela religião?

Aceitaríamos que as vítimas fossem vilanizadas porque teriam “exagerado” na liberdade de expressão?

É uma comparação rudimentar, eu sei, mas é o máximo que pude fazer para aproximar realidades e criar um mínimo de empatia dos brasileiros para com as vítimas do atentado em Paris.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Mauro

21/01/2015 - 21h39

O engraçado, Miguel, é que você insiste em dizer que os críticos do CH não o conheciam mas se recusa a responder uma simples pergunta:

A liberdade de expressão pode estar acima do bom senso.
Depois que você responder a essa pergunta acreditarei que isso é um debate, porque não acredito em debate em que você tem resposta seletiva ( vocês jornalistas não acusam outros de terem indignação seletiva?)

    Miguel do Rosário

    21/01/2015 - 21h56

    Pois é, mas quem define o que é o bom senso?

      Vitor

      22/01/2015 - 10h18

      Pois é Miguel… Bom senso é pra lá de relativo! Outro dia estava debatendo isso com uma pessoa que usou o seguinte exemplo:

      “É bom senso não ir na torcida do Corinthians com a camisa do Palmeiras. Se vc for, vai apanhar com certeza”

      Pra mim é bom senso não sair distribuindo pancadas em quem vc nem conhece só pq torce para outro time.

      Tem gente que acha que é bom senso o aborto ser crime, tem gente que acha que é bom senso ser liberado. A mesma coisa com as drogas. Não dá pra confiar no bom senso, especialmente quando estamos falando de culturas diferentes!

      Pra mim é bom senso a mulher ter os mesmos direitos e ser tratada da mesma forma que os homens, em algumas religiões é bom senso que ela é um ser inferior, fazer o que?

        Mauro

        22/01/2015 - 11h18

        É óbvio que não é de bom senso sair distribuindo pancadas em nome de um clube, como não é de bom senso fazer terrorismo.Se o fazem , falta-lhes bom senso.
        Mas se já sabemos que falta bom senso aos frequentadores de torcida organizada e aos terroristas , cabe a nós, que sabemos o que é bom senso , usá-lo e não irmos com camisa de time em torcida organizada adversária, nem provocarmos terroristas.Se não o fazemos , falta-nos bom senso.
        O que determina o bom senso?Os precedentes.
        Se você é capaz de saber que é de bom senso não dar pancadas, também é capaz de saber que não é de bom senso provocar quem não tem bom senso.
        Viu? Não é tão difícil assim! Mas nem todos tem bom senso, fazer o quê?

        Mas o Miguel ainda não respondeu se a liberdade de expressão deve estar acima do bom senso.

          Vitor

          22/01/2015 - 11h57

          Nem falei de torcida organizada… Às vezes um bar basta… E aí? É bom senso ir com camisa de time em um bar ou não? Ou mesmo andar na rua? Me explica tb como vou identificar quem tem bom senso e quem não tem… Fiquei curioso!

          Mauro

          22/01/2015 - 13h15

          Simples,Vitor, quando é previsível e pode-se evitar.

          Mas se você não entendeu ainda , tenho uma pequena lista que você mesmo pode responder:

          É de bom senso:
          Tirar uma soneca deitado na linha do trem?

          Fazer piquenique num campo minado da 2ª Guerra Mundial?

          Atravessar a rua sem olhar para o lado?

          Entrar na jaula de um tigre faminto?

          Assistir a um jogo de futebol com a camisa do clube , no estádio, na torcida organizada do adversário?

          Provocar um urso ferido?

          Entrar no mar revolto sem saber nadar?

          Provocar terroristas?

          Você também pode ler aqui:

          http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/nao-sou-charlie.html

          http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2015/01/nao-sou-charlie.html

          Vitor

          22/01/2015 - 13h55

          Caro Mauro, não vou pedir novamente pra vc responder se é bom senso ver jogo com camisa de time em um bar.
          Vamos fazer assim então… Vc fica com sua opinião que bom senso é sempre absoluto, em qualquer situação e eu fico com a minha que ele pode ser relativo em alguns assuntos…
          Um abraço!

        Mauro

        22/01/2015 - 13h19

        Você precisa ler melhor o seu texto:

        “É bom senso não ir na torcida do Corinthians com a camisa do Palmeiras. Se vc for, vai apanhar com certeza” ‘

          Vitor

          22/01/2015 - 13h51

          E vc precisa entender a diferença entre torcida e torcida organizada…

      Mauro

      22/01/2015 - 10h59

      Ainda não respondeu.
      Continua fugindo do debate , como os reacionários da direita.

Ana Dias

21/01/2015 - 15h18

Miguel,
nunca comentei aqui, mas preciso fazê-lo pois suas análise sobre o atentado ao Charlie tem sido, de longe, as melhores da web.
é horrível assistir a esse segundo atentado ao Charlie – pessoas que, certamente, só o conheceram agora e julgam-no segundo informações distorcidas.
Quem já conhecia o Charlie jamais pensaria que se trata de um jornal “contra as minorias”. Isso é um total absurdo. é um desrespeito à memória dos jornalistas e cartunistas mortos.
A esquerda deveria estar denunciando o oportunismo da direita brasileira, que se veste de “je suis Charlie” na maior cara de pau.
é o que, aliás, faz a Marianne (revista francesa de esquerda) desta semana (você poderia postar a capa deles…)
para finalizar, não sei se viu, mas essa posição do Michel Onfray é muito interessante – polêmica, mas interessante. e o final da matéria se aplica a muito comentarista de esquerda nesses dias – uma islamofilia justificada pelo antissemitismo que, por sua vez, nasce da associação do grande capital aos judeus.

http://www.marianne.net/islam-onfray-il-ne-faut-pas-avoir-peur-du-reel-1421675695.html

Lila

21/01/2015 - 14h41

Só posso dizer uma coisa: a maioria dos leitores não entendiam a CH. Simples assim.
E, Miguel, admiro sua coragem de tentar fazê-los entender. Eu, teria desistido após os primeiros comentários idiotas falando que a CH demonizava o Islã, não criticava o judaísmo, o cristianismo… que era uma revista racista…

    Miguel do Rosário

    21/01/2015 - 15h14

    Não conheciam a charlie. A única coisa q conhecem são 2 charges de maome. Acham q o jornal é só isso.

      Ana Dias

      21/01/2015 - 15h19

      Exato. é como um segundo atentado ao Charlie…

    Mauro

    22/01/2015 - 11h41

    Não é uma questão de entender, mas de concordar!
    Mas vocês não aprofundam o debate, preferem ficar no raso, assim não correm o risco de se afogarem!

Fernando Soares Campos

21/01/2015 - 14h11

Miguel, desculpaí, mas não deu pra ler tudo.
Apesar de você ter combinado “…algumas regras para um debate saudável.
Se não é possível que seja uma conversa bem humorada”, acho que acabou torrando meu saco.
Ainda pretendi comentar este seu segundo cancan do crioulo doido parágrafo por parágrafo, disparate por disparate, mas eu até que faria isso se fosse nos tempos em que você me convidou para ser colaborador do velho e aposentado Oleo do Diabo, cujos barris você trocou por um cafezim em Paris.
Aí, Miguel, você faria como vários outros ciberespaços de “esquerda”, me mandaria pro espaço também. Provavelmente eu não teria chegado aqui, já estaria fora há muito tempo, mas considere a possibilidade de hoje a gente ainda estar fazendo tabela; então, meu caro, seria a sua vez de me servir um cafezinho requentado e eu ter que sair correndo pro banheiro.
Muitos já me isolaram, e o Rui Martins disse dias atrás que eu “não respeitava ninguém”, mas no sentido de que eu “não livrava a cara de ninguém”. Ora, claro que livro, eu não costumo contra-atacar em caso de ser atacado pelas fotocópias mal tiradas, só vou pra cima do original.
Finalmente, o que quero dizer, Miguel, é que, se você continuar nessa linha, “advogado do diabo”, como você assume, o trem não vai te pegar. Talvez você consiga até a devolução da grana paga (ou a ser paga) ao Ali Kamel. Duvido que você um dia venha a “brilhar” como um BBB qualquer, mas não posso esquecer de finado vivaldino Paulo Francis e de “Um homem chamado porcaria”.
Mas Hollywood é dos judeus, nesse caso, só Jeová sabe onde você pode chegar. Contudo, não esqueça que nem todos são sionistas. Portanto, é preciso muito savoir fire, ou um carioquíssimo jogo de cintura; pois, entre a cruz e a espada não é o melhor lugar pra quem não quer ferir-se, pra quem não quer crucificar-se. Jesus que o diga.
Encerro aqui, Miguel, pois considerando que você, nos últimos tempos, não se dignou de responder diretamente uma mensagem minha, creio que estou sendo cricri, acho que esqueci de tomar o meu cimancol, confere?
Tomei agora…

yacov

21/01/2015 - 13h40

O CH não fazia críticas aos semitas,com quem pegava bem leve, e disseminava a demonização dos árabes, servindo de corrente de condução dos interesses capitalistas no oriente, cuja ponta de lança para o roubo da terra e das riquezas e do assassinato dos povos árabes é ISRAEL. O resto é luar de paquetá.

“O BRASIL PARA TODOS não passa na gLOBo – O que passa na gloBO é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

    Miguel

    21/01/2015 - 15h05

    De onde vc tirou a idéia q o charlie “demonizava” os árabes? Isso simplesmente não é verdade.

Gilmar Antunes

21/01/2015 - 13h20

Os ataques ao Charlie Hebddo podem ser de falsa bandeira!!
Vejam este artigo, publicado no blog Castor Filho:
TERÇA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 2015
Paris – mais um ato na Guerra Global ao Terror, o show
11/1/2015, [*] Wayne Madsen, Strategic Culture
“The Curtain Rises on Another Act in the Continual Global War on Terror Play”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os ataques, em Paris, contra a redação e os jornalistas do semanário satírico Charlie Hebdo e num supermercado kosher (vídeos acima) conseguiram, mais uma vez, afastar convenientemente a atenção do mundo para bem longe do torvelinho econômico em que gira a União Europeia e a extrema impopularidade de seus principais líderes nessa infindável “guerra global ao terror”.

(…)
Mais uma vez, os acusados de terem cometido os ataques recentes, os irmãos franco-argelinos Said e Cherif Kouachi, que teriam assassinado 12 pessoas, inclusive o editor-chefe de Charlie Hebdo, e o franco-senegalês Amedy Coulibaly, acusado de ter matado reféns no supermercado eram, todos eles, bem conhecidos da polícia francesa e dos serviços de inteligência. Um dos fregueses do supermercado disse que Coulibaly teria dito que era original do Mali e que apoiava o ISIL e a Palestina. Os nomes dos irmãos Kouachis estavam incluídos, até, na lista norte-americana dos “proibidos de embarcar em avião”.

O fato de que os irmãos Kouachis tenham estado envolvidos no recrutamento e treinamento de jihadistas voluntários para combater na Síria pelo Estado Islâmico do Iraque e Levante, ISIS/ISIL (ing.) e de que tenham também trabalhado no recrutamento de exércitos de jihadistas no Iraque e Iêmen já bastaria para que ambos estivessem em listas de vigilância. Mas, como em caso anterior na França que envolveu supostos terroristas jihadistas que teriam matado pessoas ao acaso, os irmãos Kouachi, como Coulibaly, também bem conhecido da Polícia, foram autorizados a portar armas e outros materiais.

Coulibaly foi convidado, mesmo, do Presidente francês Nicolas Sarkozy em 2009. Coulibaly trabalhava numa fábrica da Coca Cola na periferia pobre de Grigny, arredores de Paris. Coulibaly foi um dos dez operários selecionados para encontrar-se pessoalmente com o Presidente Sarkozy no Palácio do Eliseu, para discutir questões de empregos para jovens. Como faz o serviço secreto dos EUA, a segurança do presidente francês também examina detalhadamente o passado de qualquer pessoa que receba convite para reunião com o presidente, é claro. Basta isso para que o fato de Coulibaly ter sido selecionado para reunião com Sarkozy cause a mais total perplexidade. O jornal Le Parisien citava Coulibaly, excitado com a reunião com o presidente, e que esperava que Sarkozy o ajudasse a encontrar um bom emprego. Diz-se que Coulibaly encontrou Cherif Kouachi pela primeira vez em 2010.
(…)
De todos os jovens desempregados e subempregados na França, a segurança do presidente francês resolveu aprovar um conhecido membro da Al-Qaeda, autorizado a entrar no Palácio presidencial e reunir-se com o presidente Sarkozy. Como diriam os franceses: incroyable!

Não há dúvida alguma de que as autoridades conheciam o envolvido no affair Merah, em março de 2012, quando Mohammed Merah, cidadão francês, foi morto pela polícia francesa. Merah foi acusado de assassinar três paraquedistas franceses em Montauban e três alunos e um professor numa escola hebraica em Toulouse. Adiante se descobriu que não só o Diretorado Central da Inteligência Francesa Interna [orig. French Central Directorate of Internal Intelligence (DCRI)] tinha gordo dossiê sobre Merah, mas, também, que a inteligência francesa tentara recrutá-lo. Merah viajou sem ser perturbado ao Afeganistão, com pleno conhecimento da inteligência francesa. Os conservadores pró-Sarkozy e o Partido Socialista, então na oposição, hoje na presidência, conspiraram para acobertar todos os laços que ligavam Merah à inteligência francesa.

O que se diz é que os irmãos Kouachi teriam voltado da Síria no verão passado, a mesma Síria onde a CIA e a inteligência francesa apoiam grupos da guerrilha islamista radical que combatem contra o governo do presidente Bashar al-Assad. As semelhanças entre os Kouachis e Coulibaly, e Merah, são grandes demais para não chamarem a atenção. Todos esses eram bem conhecidos da inteligência francesa antes de aparecerem como supostos autores de ataques terroristas; e todos tinham conexões com grupos afiliados da Al-Qaeda.

Identidade de Cherif Kouachi, “esquecida” no auto de fuga

Desde a bomba-relógio na estação de trem de Bolonha em 1980, que matou 85 e feriu mais de 200, as operações “de falsa bandeira” na Europa Ocidental tornaram-se, pode-se dizer, uma espécie de “operação padrão”, que sempre se poderia repetir quase sem modificações [orig.“boiler plate” operations]. Foi sem dúvida o que aconteceu no caso do assalto realizado por três homens, atuando de modo militar e profissional, sem vacilações “amadorísticas”, os supostos terroristas islamistas, contra a redação do semanário satírico Charlie Hebdo.Embora os dois irmãos Kouachi, mortos pela polícia num armazém ao norte de Paris, estejam sendo acusados por todas as ações que levaram aos ataques contra o jornal, não há ainda nenhuma explicação sobre um terceiro atacante. Um terceiro homem, cunhado dos Kouachis, de nome Mourad Hamyd, apresentou-se voluntariamente à polícia, depois que ouviu seu nome divulgado pela imprensa. Mas Hamyd, 18 anos, estava na escola, no momento do ataque contra Charlie Hebdo.

O ataque na estação de trem de Bolonha inaugurou a era dos ataques “sob falsa bandeira” dos tempos modernos. Embora, em 1980, o governo e a imprensa-empresa italianos tenham atribuído a responsabilidade por aquele ataque a guerrilheiros da esquerda radical italiana, já se sabe que o ataque foi executado por uma célula clandestina de fascistas radicais que conseguiram os materiais para a bomba em depósitos secretos pertencentes a uma unidade paramilitar clandestina da OTAN conhecida como “Gladio”.

A unidade conhecida como “Gladio” foi criada para mobilizar forças de guerrilha para combaterem contra os soviéticos, no caso de guerra em solo europeu. Armas e materiais foram enterrados e escondidos em cavernas por toda a Europa Ocidental, para uso futuro pelos guerrilheiros que lutassem contra possíveis tropas soviéticas de ocupação. Não demorou contudo para que a direita italiana e grupos armados sionistas tentassem usar o desacreditado Dossiê Mitrokhin, que teria sido extraído de arquivos da KGB, para atribuir a culpa pelo ataque em Bolonha aos soviéticos, que teriam atuado em conluio com árabes radicais, incluindo palestinos. A farsa durou pouco.
(…)
Atentado de Bolonha, parte da Operação Gladio, uma série de atentados de “falsa bandeira” praticados por EUA (CIA) e Israel (Mossad)

Mais tarde descobriu-se que a CIA criara e distribuíra todas essas histórias, como parte de uma operação de guerra psicológica contra os soviéticos e os países árabes. De sua cela em Paris, em 2005, Ilich Ramirez Sanchez, conhecido terrorista conhecido como “Carlos”, revelou que os responsáveis pelas mortes em Bolonha foram CIA e Mossad, e que o tal “Dossiê Mitrokhin” estava sendo usado para “falsificar a história”. Fontes independentes confirmaram a veracidade do que Carlos dizia.

Desde Bolonha, as “pegadas” da inteligência ocidental em operações sob falsa bandeira são sempre muito evidentes, ataque após ataque. 40 anos de apego sempre à mesma doutrina, já fazem ver sempre, claras como o dia, as pegadas da inteligência ocidental.

Uma dessas “pegadas” que indicam a operação sob falsa bandeira é que a Polícia, muito convenientemente, sempre encontra “provas” que conectam os suspeitos ao crime – sejam agentes duplos que não sabem para quem trabalham, ou crentes que creem em qualquer história mal contada que lhes apareça pela frente.

Se logo aparece a tal “prova” que liga o suposto criminoso à cena do crime, já não há quem não pense em operação sob falsa bandeira. A Polícia francesa diz que ligou os Kouachis ao crime, porque Said, o irmão mais velho, esqueceu um documento francês de identidade num Citroen preto usado para a fuga. A Polícia não informou a qual dos dois irmãos pertenceria o documento. Vários especialistas franceses logo alertaram que o documento poderia ter sido plantado na cena, para confundir a Polícia. Também convenientemente, a Polícia encontrou coquetéis Molotov e bandeiras jihadistas islamistas no mesmo carro. O passaporte do suposto sequestrador de um dos aviões usados no 11/9, Mohammed Atta, também teria sido encontrado intacto, em perfeitas condições, no meio dos restos do World Trade Center.
(…)
WTC em 11/9/2001 (atentado de falsa bandeira)

Praticamente sempre, os verdadeiros assassinos em ataques sob falsa bandeira aparecem mascarados – como os três pistoleiros que assassinaram os cartunistas na redação de Charlie Hebdo.

Sempre há outros ataques na região, para confundir a Polícia. Por exemplo, enquanto a Polícia francesa concentrava suas buscas pelos pistoleiros do norte de Paris até a fronteira da Bélgica, uma policial feminina francesa foi atacada e morta em Montrouge, sul de Paris. As autoridades francesas apressaram-se a informar que os eventos no sul de Paris e na redação de Charlie Hebdo não estavam conectados. Depois se soube que, sim, havia conexão entre os dois crimes.

Algumas testemunhas no supermercado e no prédio do jornal estavam certas de que os mascarados que se revelaram como terroristas eram, de fato, soldados de forças especiais antiterrorismo. No supermercado, um homem que não foi ferido disse que apertou a mão de um dos mascarados, que ele supunha que fosse policial de forças especiais. Ao mesmo tempo em que a polícia francesa lançava suas operações para libertar reféns no supermercado kosher, era divulgada outra situação com refém numa joalheria em Montpellier, no sul da França. A Polícia apressou-se a informar que a situação nada tinha a ver com os eventos na região de Paris. Claro que o caso em Montpellier contribuiu convenientemente para reforçar a ação do fator medo.
(…)
Acontecido tão imediatamente depois de a França ter votado no Conselho de Segurança da ONU a favor do reconhecimento da Palestina como estado, e se se considera o crescimento político, na França, da “Frente Nacional” pró-Israel, não se deve descartar a possibilidade de que a operação terrorista contra Charlie Hebdo seja ataque “olho-por-olho” [orig. a “price tag” attack] dos sionistas contra a França, mascarado como operação terrorista jihadista.”

    Miguel

    21/01/2015 - 15h06

    Teoria de conspiração muito verde ainda

      Jaide

      22/01/2015 - 13h28

      Há de se reconhecer a genialidade de quem inventou a expressão “teoria da conspiração”. Basta citá-la para bloquear as especulações em torno da conclusão oficial de um evento criminoso dessa espécie. Quem quer que aponte inconsistências, estranhezas na “bendita” versão oficial (servida imediatamente após o fato, “verdinha”, portanto) ou apresente indícios que levem a conclusão diversa é prontamente taxado como adepto de teorias conspiratórias, um maluco. E … caso encerrado.

      prontamente identificado como adepto de conspirações e … caso encerrado. Debate fechado.

Jaime Iglesias Serral

21/01/2015 - 12h05

Miguel, louvo seu amor ao debate e sobretudo sua defesa ao Charlie. Acho que os caras têm mesmo direito à defesa, como também merecem críticas. Só assim podemos acreditar que a liberdade de pensamento existe. Eu sou daquela turma, contrária a você, que não é Charlie e que vê nas charges um ataque sistemático aos muçulmanos. Aliás, sou daqueles que também vê um deboche desnecessário na maioria das charges. Porque, veja, se a ministra foi discriminada por sua cor, por que retratá-la como uma macaca, ainda que fosse para defendê-la? Se eles eram de esquerda e posicionavam-se a favor das comunidades muçulmanas, por que atacá-las em suas crenças mais caras? Às vezes dá a impressão que a esquerda, como bem faz a direita há tempos, apela para o “vale tudo pela audiência”. Mas esta é minha opinião. De qualquer forma, seu argumento sobre “não houve tempo para ironizar os judeus” não é válido. A França tem uma população judaica histórica (você mesmo já contextualizou isso acima), e mesmo que fosse por um pudor pelo que se fez contra esse povo durante a 2a. guerra, a verdade é que o grande chargista do Charlie era judeu e justamente, como você frisou, filho de um judeu polonês que fugiu do nazismo. Ora, sabe-se o quanto os judeus prezam seus ídolos e valores (no que têm plena razão). Então, para mim, somados os fatos, era óbvio que o Charlie jamais iria fazer pouco dos judeus, porque, de um lado, sua estrela-maior era um judeu, e, depois, por outro, porque todos sabemos dos instrumentos que os judeus têm para repudiar ataques contra seus símbolos. Foram covardes? Foram protecionistas? Não se dizer. Só sei que há centenas de charges satirizando muçulmanos e seus valores e nada igual em relação aos judeus. Eu tenho para mim que há coisas sagradas que não se deve tocar nem com a ironia fina do humor. Há como se faze comédia sem que se aproveite das fragilidades alheias. Então, não era necessário que os muçulmanos, na França, fossem abatidos como os judeus o foram durante a 2a. Guerra para que o Charlei parasse com as charges bobas e ofensivas. Bastava que, em relação a determinados símbolos, como o profeta Maomé, houvesse respeito. Só isso. Houve exagero. Nada que justifique o desfecho triste que vimos, mas que apenas explica. Obrigado pelo excelente texto.

    Miguel

    21/01/2015 - 15h10

    A ministra agradeceu ao charlie! Há charges mostrando a política racista da frente nacional numa jaula.

Roberto

21/01/2015 - 11h42

Prezado Miguel do Rosário (e não digo “prezado” em tom de deboche, pois realmente prezo suas análises políticas NACIONAIS – quanto às internacionais, já é outra história…),

Realmente estou sem tempo no momento para refutar as besteiras que você escreveu acima, principalmente no que se refere à Líbia, a “Suíça” da África em termos de IDH, antes do ataque da OTAN, claro! Se tiver tempo, procure ler o autor Mahdi Darius Nazemroaya, que fez uma cobertura completa e primorosa do que aconteceu, até por estar em Trípoli na ocasião.

Concluindo, sugiro também ler esta notícia fresquinha, ela própria uma ironia:
“França começa a prender pessoas por comentários irônicos”

http://electronicintifada.net/blogs/ali-abunimah/france-begins-jailing-people-ironic-comments?utm_source=EI+readers&utm_campaign=68708f68c5-RSS_EMAIL_CAMPAIGN&utm_medium=email&utm_term=0_e802a7602d-68708f68c5-299177277

REINO DE CLIO

21/01/2015 - 10h14

MALAS PRONTAS PARA INDONÉSIA? CALMA!

Já está com as malas prontas rumo à Indonésia? Certamente lá existem muitas coisas legais mas… é melhor saber um pouco mais antes não é mesmo? O Reino de Clio oferece uma compilação de informações mostrando que a Indonésia é muito parecida com o…. Brasil! Convidamos a uma espiadinha!

http://reino-de-clio.com.br/Reino%20Face.html

Heloísa Coellho

20/01/2015 - 17h41

Esclarecendo a sua dúvida, um cartunista foi censurado e demitido do Charlie Hebdo justamente porque queria fazer uma charge sobre judeus:

http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/166631/Cartunista-foi-demitido-de-Charlie-por-piada-%27antissemita%27.htm

    Miguel do Rosário

    20/01/2015 - 20h57

    Sim, já escrevi sobre isso. Não é bem assim. Ele zombou do filho do presidente da república. Não foi exatamente contra judeu, foi contra o filho do Aécio Neves local.

    Pedro Sanches

    21/01/2015 - 08h13

    ISTO APÓS O ACONTECIMENTO

Mauricio Gomes

20/01/2015 - 17h05

Miguel,

Sei que esse não é o assunto do post, mas faça um texto sobre essa armação da suposta gravação para prejudicar o “honesto” Eduardo Cunha. Esse sujeito é um picareta de marca maior, e representa um perigo real para a democracia. Ninguém quase tem coragem de denunciar as armações ilimitadas desse pilantra, que são desde a época do famigerado PC Farias. Esse ministro da justiça fraco e covarde tem que vir a público esclarecer essa história, sob o risco da democracia brasileira ficar refém de um bandido como esse. Pra começar, qual a origem do patrimônio dele? Quem foram seus doadores de campanha e a quais interesses está associado? Se a gravação for falsa, não cabe um processo? É muita lerdeza e covardia pra um governo só, depois que esse pústula virar presidente da câmara vamos sentir saudades do Severino…..

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1577654-cunha-diz-que-cupula-da-pf-forjou-gravacao-para-incrimina-lo-ouca.shtml

    Vitor

    21/01/2015 - 09h58

    Concordo Maurício… Essa história está muito mal contata, até pq a gravação é extremamente tosca, parece duas crianças conversando! Duvido que alguém seria estúpido suficiente para tentar incriminar com aquilo…
    Ah, os doadores de campanha vc consegue achar no site do TSE…

      Mauricio Gomes

      21/01/2015 - 12h35

      Pois é Vitor, temo pelo pior com a eleição desse canalha. Os tucanos ainda querem o impeachment, vide a declaração do pilantra do Alberto Goldman ontem. Com o EC na presidência da câmara, esse risco é sério. No mínimo o governo ficará refém de um fundamentalista da corrupção, que chegou onde chegou graças ao apoio de escroques como Daniel Dantas. O PT tem que sair da letargia e tomar atitudes corajosas. Se até o Obama, que tem minoria no congresso, está propondo taxar mais os milionários e os bancos, por que aqui não? E o imposto sobre heranças e investimentos especulativos? E que tal apertar o cerco aos sonegadores? Só cobrando o montante sonegado pela Globo e pelos bancos dá pra arrecadar uma fortuna. Chega de jogar a conta nas costas dos mais pobres por medo de enfrentar essa escumalha que não representa nem 1% da população. Até agora estou muito decepcionado com esse governo Dilma 2, espero mesmo que ela queime minha língua e faça um governo melhor do que o anterior….


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