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A operação midiática da Globo como arma de distorção em massa

por Manoel Dourado Bastos, Miguel Enrique Stédile e Rafael Villas Boas, no Modos de Produção e Antagonismos Sociais A Rede Globo expôs na noite de 16 de março, por meio do Jornal Nacional, sua atuação empenhada no projeto golpista em curso, intensificando seus procedimentos de manipulação como um mecanismo de agitação e propaganda, empenhando o prestígio […]

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por Manoel Dourado Bastos, Miguel Enrique Stédile e Rafael Villas Boas, no Modos de Produção e Antagonismos Sociais

A Rede Globo expôs na noite de 16 de março, por meio do Jornal Nacional, sua atuação empenhada no projeto golpista em curso, intensificando seus procedimentos de manipulação como um mecanismo de agitação e propaganda, empenhando o prestígio de sua audiência na tentativa de fazer com que protestos mirrados se tornassem grandes insurreições civis. Sua participação desde 2015 na propaganda dos atos contra o governo do PT, com polpudos financiamentos de empresas nacionais e internacionais, foi decisiva no crescimento de organizações reacionárias, até então minúsculas, a ponto de se tornarem forças políticas importantes no cenário nacional.

Ao entender a natureza e funcionamento da ação política da Globo, percebe-se que ela não é apenas um meio de comunicação, mas uma arma de distorção em massa com características que, de fato, atuam conforme a lógica de aparatos militares. Produzindo e mantendo uma dinâmica cultural que distorce a totalidade das lutas de classes, a Globo tem o poder de agir cirurgicamente e acertar com precisão o alvo a ser abatido em momentos de tensão, como o estado golpista que vivemos agora. Propomos uma observação histórica e técnica da emissora para entender a função militarizada da Globo.

A Rede Globo de Televisão foi criada em 1965, no ano seguinte ao golpe de estado que instalou uma ditadura empresaria-militar no Brasil. Sua principal tarefa era a de consolidar um sistema nacional de televisão. Para isso, as Organizações Globo, que até então se resumiam a um jornal impresso carioca (O Globo), precisaram ser apoiadas técnica e financeiramente, a partir de um acordo com a empresa estadunidense de comunicação Time-Life O financiamento estrangeiro feria a legislação sobre as comunicações da época, mas desde o nascedouro a Rede Globo de Televisão se mostrou hábil em contornar processos judiciais, em driblar CPIs e calar políticos e juízes. A história é contada em detalhes no livro A história Secreta da Rede Globo, de Daniel Herz.**

Alavancada por esse aporte financeiro ilegal, a Globo é a primeira a transmitir um telejornal para todo o país (1965) e a primeira a transmitir a cores. Assim, a Rede Globo de Televisão se tornou imbatível para as demais concorrentes em seu meio e muito atraente para o mercado publicitário, estabelecendo um novo modelo de negócios que modificou completamente o setor de comunicações. Optou por centralizar a produção de suas mercadorias de ficção no Rio de Janeiro, se tornando líder em exportação internacional de telenovelas, concentrou no Rio e São Paulo sua estrutura de telejornalismo e criou um sistema de retransmissoras locais para dar conta da abordagem distorcida das realidades locais e regionais. Esse sistema de filiais consolidou a tessitura do poder envolvendo os donos de terra, políticos coronelistas locais e o controle dos meios de comunicação para perpetuação do poder e ataque a projetos inimigos, leia-se, àqueles forjados pela classe trabalhadora.

Assim, em meados dos anos 1970 concretizou-se no Brasil um monopólio privado da comunicação televisiva, com incrível capilaridade, alcançando quase 100% do território nacional, angariando parcela cada vez maior da audiência e, concomitantemente, do mercado publicitário.

Historicamente, a consolidação do Sistema Globo de Televisão estabeleceu no Brasil o mesmo princípio da dinâmica global de telecomunicações que impera desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a partir da organização de sistemas nacionais monopolistas de mídia. Do sistema de telégrafos ao sistema televisivo, passando pelo rádio, o avanço tecnológico privilegiou a troca de informações de ordem comercial e o resguardo da soberana nacional. Desenvolvidos em tempos de guerra, os sistemas de radiodifusão se estruturaram seguindo diferentes fins militares, do propagandístico à troca de mensagens confidenciais criptografadas. Ou seja, os sistemas de telecomunicações sempre estiveram diretamente ligados à dinâmica de manutenção do poder global.

A centralização da transmissão, a ordenação do funcionamento técnico e o controle estatal das frequências são alguns dos aspectos que se desenvolveram em consonância com o uso militar das comunicações e que permaneceram em seu desdobramento comercial. Com um poder de propaganda e persuasão sem igual, os sistemas de televisão reordenaram de tal modo a noção de espaço público que seu caráter militarizado não pode passar desapercebido. Não estamos diante de uma dinâmica social tal em que observamos a interação entre agentes que se relacionam durante o processo, mas o esforço de domínio hegemônico por um único e exclusivo aparato midiático, que inviabiliza qualquer noção de comunicação, instituindo um processo de midiatização da sociedade.

No Brasil, não foi diferente. A Globo detém o poder de centralizar as operações voltadas para a produção de consensos, o que aumenta exponencialmente a eficácia de suas ações de nivelamento do raciocínio diante da realidade. Para isso, ela dispõe de um vasto e qualificado arsenal visando a distorção da realidade para seus telespectadores, que perdem a possibilidade de compreensão ampliada e profunda dos antagonismos sociais brasileiros. Sua função na batalha é entregar uma representação da realidade cujo princípio formal é meticulosamente planejado, a fim de se apresentar como jornalismo, mas funcionar como uma poderosa arma de agitação e propaganda de direita. Atacando segundo estratégias definidas com participação ativa da empresa da família Marinho, as táticas diariamente utilizadas pela emissora são dotadas de instrumentos adequados para cada ocasião, cujo princípio geral é o de iludir.

O histórico das relações intrínsecas entre a Rede Globo e aqueles que se encontram no poder é vasto. Por exemplo, em 1981, a emissora endossou a versão oficial de que o atentado ao show do dia do trabalhador no RioCentro, organizado por setores das forças armadas, seriam de autoria de organizações da esquerda; em 1984, o comício gigantesco das Diretas Já foi escondido dentro de uma reportagem sobre o aniversário da cidade de São Paulo; em 1989, editou o último debate entre os candidatos presidenciais, favorecendo o futuro presidente Fernando Collor.

A Globo tinha amplas condições de esconder uma ação popular de grande monta já na década de 1980, mas não conseguiu barrá-la, como foi o caso das Diretas Já. Isso porque o poder militar da Rede Globo depende fundamentalmente de seus “soldados repetidores”, que são aquelas pessoas que repassam e reforçam a propaganda política apesentada em sua programação. Numa conversa no ônibus, no bar, no intervalo do trabalho, na hora do almoço, na fila da padaria, na gôndola de supermercado, atualmente nas redes sociais, esses soldados (que em geral se recrutam espontaneamente, mas que contam com o reforço daqueles pagos e treinados) fazem o verdadeiro trabalho de disseminação da artilharia da Globo, confirmando o material apresentado pela emissora.

Por isso, mesmo sendo inatingível para a organização popular o vasto poder militar de formulação discursiva da Rede Globo de Televisão, sua dependência funcional dos soldados repetidores se apresenta como a luta fundamental para a militância de esquerda. É lá nos espaços ocupados por esses soldados que a organização popular deve montar suas trincheiras. As técnicas de agitação e propaganda são elementos fundamentais para o fortalecimento da capacidade de combate diante do poderio militarizado da Globo. Sem elas, nos tornamos reféns das armas de distração em massa. Com elas, passamos à luta num campo em que temos perdido sucessivamente – o da comunicação como elemento central da organização popular.

Enquanto modelo monopolista de comunicação, com sua fundamentação técnica e social determinada por um desenvolvimento militarizado, a existência da televisão é ela mesma a concentração dos meios de produção comunicativa em seu modo capitalista. Ou seja, a televisão, como forma-comunicação, inviabiliza ou reduz as possibilidades comunicativas das classes trabalhadoras, ao dificultá-las ou mesmo impossibilitá-las de deter os meios de produção comunicativa. A agitação e propaganda, como ocupação do espaço público, se configura assim como uma luta pelo direito à comunicação popular: com o povo, pelo povo e para o povo. Para as classes trabalhadores, é essencial lutar pela apropriação dos meios de produção comunicativa, transformando suas formas a fim de construirmos um novo modo de comunicar num novo mundo.

Manoel Dourado Bastos é professor no Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina; Miguel Enrique Stédile é coordenador do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária; Rafael Villas Boas é professor na Faculdade de Planaltina da Universidade de Brasília. Membros do Grupo de Pesquisa Modos de Produção e Antagonismos Sociais

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