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Porque eu respeito e amo os Estados Unidos muito mais do que os coxinhas

Antes de denunciar as novas estratégias imperialistas americanas, que pretendem iniciar novas rodadas de destruição em massa, desta vez aqui ao sul do Rio Grande, preciso falar algumas coisas sobre os Estados Unidos. Eu tenho profundo respeito e admiração pelos Estados Unidos. Tenho certeza que respeito e admiro muito mais os Estados Unidos do que […]

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Antes de denunciar as novas estratégias imperialistas americanas, que pretendem iniciar novas rodadas de destruição em massa, desta vez aqui ao sul do Rio Grande, preciso falar algumas coisas sobre os Estados Unidos.

Eu tenho profundo respeito e admiração pelos Estados Unidos.

Tenho certeza que respeito e admiro muito mais os Estados Unidos do que qualquer coxinha, porque os coxinhas não conhecem os Estados Unidos como eu conheço, pela cultura, pela história, pelas lutas sociais.

Além de blogueiro, sou escritor. A literatura é minha maior paixão; muito mais do que a política, inclusive.

Eu tive o privilégio de ler os grandes clássicos da literatura americana, no original: Melville, Mark Twain, Faulkner, Jack London, Hemingway, Henry Miller, Kerouac, Bukowswki, Vonnegut, Pynchon, David Foster Wallace, Burroughs, Philip Dick, Salinger, Philip Roth! A lista é interminável e apenar por citar estes autores, eu já suspiro com uma certa nostalgia. Nostalgia de um ócio para ler que sempre lutei para conquistar, mas que nunca alcancei satisfatoriamente.

Conheço um pouco da história americana também. Já li o The Federalist, li a Democracia na América, alguns compêndios de história.

É difícil achar críticos mais refinados do imperialismo americano do que a própria intelectualidade americana, vide Noam Chomsky.

Wanderley Guilherme me apresentou um pensador da ciência política norte-americana, Robert Dahl, que me ensinou o que é a “doutrina democrática”, que é o oposto da “doutrina Bush”, da “doutrina Obama” ou de qualquer doutrina do governo norte-americano e de suas corporações.

Além disso, tenho passado boa parte da minha vida assistindo filmes e séries americanas. Perco tanto tempo nisso que tento me consolar dizendo a mim mesmo que estou “estudando” a cultura norte-americana, analisando seus mitos, suas idiossincracias culturais, subjetivas, psicológicas, políticas…

Os coxinhas não entendem os Estados Unidos, porque não conhecem os Estados Unidos.

Se não conhecem, não podem nem amá-lo, nem admirá-lo, nem respeitá-lo em sua plenitude.

Não conhecem o lado maravilhosamente sombrio, contestador, anárquico dos Estados Unidos.

Para os coxinhas, os Estados Unidos já nasceram ricos, poderosos e dotados de um sistema de avançadas liberdades políticas.

Não conhecem nada.

Não conhecem os profundos vícios americanos, o seu sistema penal fascista, truculento.

Não conhecem a história terrível do racismo americano, contada de maneira tão dolorosa, por exemplo, em Light in August, de Faulkner.

Não conhecem seus planos diabólicos para patrocinar sangrentos golpes de Estado em todos os países do mundo, sempre contra governos populares.

Não conhecem nem suas virtudes nem seus vícios.

Para eles, os Estados Unidos é bom porque passearam em Miami ou em alguma outra cidade e tudo é “limpinho” e “organizado”.

Não sabem que, nos anos 50 e 60, ocorreram grandes greves nos jornais de Nova York. A cidade chegou a ficar mais de um ano sem jornais por causa de uma greve de tipógrafos, apoiada pelos próprios jornalistas.

Não conhecem as suas lutas sindicais. As suas lutas por direitos civis.

Não sabem que a riqueza e diversidade do audiovisual americano nasceu de greves e lutas sindicais, que impuseram regulamentação para evitar a concentração da mídia em mãos de poucos.

Até hoje, os sindicatos do audiovisual são uma poderosa força no país, embora você nunca tenha ouvido falar deles através da Globo.

Na aurora da democracia americana, os ativistas políticos que defendiam o sufrágio universal eram considerados esquerdistas radicais!

Os que defendiam o voto para mulheres, então, eram vistos como ultra-radicais, como loucos!

E, no entanto, eles prevaleceram!

O primeiro filme moderno da história do cinema, Cidadão Kane, é um filme americano que denuncia… a concentração da mídia!

Os coxinhas não conhecem a história do Cidadão Kane, contada por Paulo Emílio Salles, um dos maiores críticos brasileiros de cinema.

O personagem no qual se baseia a história, William Hearst, era o Roberto Marinho americano.

Hearst tentou sabotar o filme de todas as maneiras. Fez campanhas pesadíssimas para que os produtores do filme não conseguissem dinheiro em parte alguma. Kane foi produzido com muita dificuldade. Depois Hearst ordenou que nenhum de seus jornais mencionasse o filme, o que também trouxe enormes dificuldades para sua circulação.

No entanto, Orson Welles venceu Roberto Marinho!

Eu estudei o surgimento dos impérios na Grécia Antiga e Roma. Sempre foi mais ou menos a mesma coisa. Sociedades brilhantes, cultas, que se expandem e promovem massacres no exterior. Saber disso não significa desprezar a obra de Virgílio, ou os livros de Tucídides.

Todas essas sociedades, porém, apenas se tornaram grandes, e grandes em qualidade política de seus regimes, porque foram forjadas no vulcão de suas lutas sociais domésticas, frequentemente muito mais sangrentas do que as guerras externas.

É isso que os coxinhas não entendem: as lutas sociais é que dão grandeza às nações. A história de Roma é inteiramente perpassada pelas épicas lutas sociais de plebeus contra patrícios, de escravos por sua liberdade.

Aliás, é pela mesma razão que acho que sairemos maiores das atuais lutas políticas que testemunhamos no Brasil. Viver a história dói demais, mas é o caminho necessário para o amadurecimento político do país e para a consolidação da nossa democracia.

Por outro lado, a maneira como os impérios se organizam obedece aos grandes movimentos do capital, conforme já explicado tanto por Adam Smith quanto por Marx.

Não são resultado de nenhuma malignidade particular de determinado povo.

Por isso não faz sentido “odiar” os Estados Unidos, embora seja preciso entender o ódio também como um sentimento natural, humano, sobretudo junto as pessoas simples, que não conseguem fazer a separação entre o país e os seres humanos que vivem nele. Não sabem que o povo americano, assim como o brasileiro, é enganado por suas elites.

Amar os Estados Unidos, não é gostar de armas, guerras e Disneylandia, como fazem os olavetes e constantinos.

Dos EUA também vieram grandes movimentos e teses pela paz mundial. Escritores como Philip Dick escreviam ficção como forma de combater justamente essa violência entranhada no espírito norte-americano.

O fascismo sempre pairou, como assombração constante, sobre a sociedade americana.

E contra este fascismo sempre se deu feroz combate, nas universidades, na literatura, no cinema, no teatro, na música!

Os americanos já viveram terríveis traumas políticos. Abraham Lincoln, o libertador dos escravos, o vencedor da guerra civil, o unificador da nação, morreu assassinado num teatro, no auge de sua carreira!

Para amar e respeitar os Estados Unidos, contudo, é preciso combater o imperialismo, que é uma força negativa, que destroi países.

Para amar e respeitar os Estados Unidos, é preciso amar o Brasil e defender as empresas nacionais, os interesses nacionais, a Petrobrás, o pré-sal, porque somente amando a nós mesmos, respeitando a nós mesmos, teremos dignidade para amar outro país.

Em caso contrário, não estaremos respeitando os Estados Unidos e sim nos ajoelhando, indignamente, no altar da brutalidade de algumas corporações americanas: e seremos desprezados pelo povo americano, como uma sociedade oportunista, covarde, autoritária.

Dito isto, passemos às denúncias contra o imperialismo americano.

A eclosão dos Panamá Papers, do jeito que foi feita, promovendo vazamentos seletivos contra os inimigos políticos do “Ocidente”, com ênfase nos Brics, nos obriga a um debate urgente sobre as novas estratégias de dominação urdidas no centro do império.

As agressões imperialistas contemporâneas, sabemos desde as revelações de Snowden, se darão via técnicas de espionagem em massa, controle social de comportamento e incentivos, diretos ou indiretos, a sublevações populares.

Para mim já estão bem claras as conexões internacionais da Lava Jato, por exemplo.

Qual é o plano? As grandes empresas nacionais serão destruídas, sob o pretexto da luta contra a corrupção, o congresso mudará leis que protegem nosso mercado, e seremos invadidos por grandes corporações norte-americanas.

Perderemos a pouca autonomia que construímos, inclusive durante o regime militar, que foi golpista, autoritário, cruel, mas preservou a soberania nacional em vários setores estratégicos.

Não sou nenhum defensor radical de reserva de mercado. Muito menos para empreiteiras. Se a sociedade entender que é melhor abrir o mercado brasileiro de construção civil para empresas internacionais, então o façamos. Mas isso tem de ser feito paulatinamente, ordeiramente, sem traumas sociais, sem destruição de patrimônio intelectual acumulado, sem desemprego em massa, e, sobretudo, mediado pela política.

O que estão fazendo é uma barbaridade!

Quando a Ambev decidiu comprar a Budweiser, os seus donos foram ao Congresso americano para explicar que não iriam desempregar ninguém, não iriam mudar a fórmula, nem fechar fábricas.

Aqui, os procuradores da Lava Jato, como disse um irônico comentarista, agem como um bando de socialistas carbonários do século 18: trabalham deliberadamente para destruir empresas, como se quisessem “refundar a república” através da destruição em massa de empregos e paralisação de projetos estratégicos.

Só que é uma farsa grotesca. É mais ou menos o que identificou Marx em seu clássico ensaio sobre a revolução de 1848 na França, que resultou no golpe de Estado de Luis Napoleão, o sobrinho farsante de Bonaparte: para salvar o capital, a ditadura implantada por Luis Napoleão destruiu os capitalistas.

É como aqui: na loucura para salvar o capital e remover sindicalistas e partidos de esquerda da cena, a Lava Jato está matando os capitalistas.

O capital não se importa muito com isso, porque ele arruma outros capitalistas, em geral maiores e mais fortes. Vindos direto do império e das economias centrais, de preferência.

O Brasil não ficou maravilhosamente barato? As forças que defendem a entrega da Petrobrás e as indústrias petroleiras, aos Estados Unidos, não cresceram de maneira extraordinária?

A Lava Jato cumpriu sua função!

A agressão à Odebrecht, as campanhas midiáticas para tratar as principais empresas de engenharia do país como “empresas da Lava Jato”, para mim só encontram explicação no mais raso entreguismo, bancado por agências de publicidade norte-americanas, as quais, por sua vez, tem conexões com seus clientes: as corporações de lá.

É muito simples: o mercado de publicidade brasileiro é dominado por poucas grandes agências norte-americanas. Ou dito de outra forma: agências norte-americanas de publicidade tem um bom pedaço do mercado de publicidade nacional. Essas agências patrocinam a grande mídia brasileira desde sempre. Essas mesmas agências, contudo, lucram muito mais nos Estados Unidos, porque os Estados Unidos tem um PIB dez vezes superior ao do Brasil. E quem são os grandes clientes dessas agências nos Estados Unidos? As corporações. As quais tem suas organizações políticas próprias. Não é só esquerdista ou direitista de passeata que tem whatsapp e telegram. Não apenas os filósofos de botequim passam as noites discutindo como resolver os problemas do mundo. Os executivos à frente das corporações também fazem isso e basta conhecer um pouco de história para ver as cagadas que estes executivos já causaram ao mundo nos últimos cem anos.

O Brasil precisa, urgentemente, construir thinks tanks de discussão geopolítica, para nos defendermos das “revoluções coloridas”, dos “golpes brancos”, da manipulação da mídia nacional e mundial, e de todas as novas técnicas de dominação política que estão sendo engendradas pelo império.

Como dizia Dom Pedro I, que era mais ou menos a mesma coisa que dizia Simon Bolivar: independência ou morte!

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Romão Gomes

19/08/2020 - 19h03

Os EUA, embora imperialistas, são o maior obstáculo as ditaduras mundo afora, ainda que apoiem algumas, como é o caso da Arabia Saudita. Tal fato se comprova em exemplos como o da filósofa Marcia Tiburi que, ao sair do Brasil de Bolsonaro, encontrou refúgio nos EUA de Trump.

Nenhuma democracia jamais será perfeita ou plena. Mas em países democráticos existe o debate de idéias, o contraponto, o direito a divergência.

No auge de sua supremacia, os EUA chegaram concentrar 40% de toda a economia mundial e, mesmo assim, não atentaram contra os demais países como fizeram a França napoleônica, o Império Britânico, os otomanos, mongóis, romanos e etc. Sim, houve o Vietnam e incontáveis intervenções a estados ao redor do mundo. Tais ações deveram-se e ainda ocorrem por inúmeros fatores como o objetivo de expansão de poder, lucro, guerra política, tecnológica etc e etc. Esses não são motivos nobres e, sem dúvidas, muito mal fazem ao mundo. Mas o fato é que, o mesmo império que faz de tudo para perpetuar e aumentar seu poder, também é aquele que, internamente, mantém sempre acesa a chama do debate. Chama essa por vezes ameaçada, como durante o macartismo, mas nunca apagada.

O que me entristece e assusta é o fato de que, muitos dos que hoje gritam por liberdade, saúdam a ditadura de Fidel, admiram genocidas como Guevarra e aplaudem Maduro. Aparentemente, se a ditadura for de esquerda, tudo bem!

Eu rejeito qualquer ditadura, independente de lado, e não tenho políticos de estimação.

Bolsanaro passará, assim como Lula passou mas, como diria Marco Antônio (Julio César, Shakespeare): _O mal que o homem faz vive após ele, o bem, se enterra as vezes com seus ossos (…).

Robson Machado

03/10/2019 - 08h01

Talvez o melhor texto que tenha lido nos últimos anos.
Parabéns pelo ponto de vista e espero que em nossa nação se levante pessoas com o mesmo ponto de vista, o Brasil precisa disso.
Parabéns.


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