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Antonio Lassance: a omissão do STF no golpe em curso

(Na foto, a futura presidente do STF recebe “prêmio” da Globo). STF nunca viu golpe no país Por Antonio Lassance, em seu blog. Se o Supremo Tribunal Federal fala que não há golpe em curso, quem somos nós para discordar? Na verdade, nós somos aqueles que conhecem minimamente a História do Brasil e a História […]

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(Na foto, a futura presidente do STF recebe “prêmio” da Globo).

STF nunca viu golpe no país

Por Antonio Lassance, em seu blog.

Se o Supremo Tribunal Federal fala que não há golpe em curso, quem somos nós para discordar? Na verdade, nós somos aqueles que conhecem minimamente a História do Brasil e a História do Supremo para saber que o STF nunca viu golpe no país. Mais uma vez, não será diferente.

Nunca houve no Brasil uma única decisão do STF que contrariasse um ato golpista frontalmente ou sequer o denunciasse à opinião pública nacional ou à comunidade internacional. Ao contrário, o STF sempre cumpriu o papel de dizer que os golpes são absolutamente… “constitucionais”.

Em todas as ditaduras, como a de 1937 a 1945 e a de 1964 a 1985, a maioria do STF esteve rigorosamente alinhada a esses regimes de exceção. O Supremo era parte do golpe. Sua camarilha de boçais obsequiosamente entregava aos ditadores homenagens judiciosas, embromações magistrais, constitucionalismos de araque.

Alguém pode perguntar se caberia ao STF algum papel de resistência. Partindo do óbvio, golpes são inconstitucionais, certo? Sendo assim, se o Supremo Tribunal Federal, desde priscas eras, desde o primeiro boçal de plantão, sempre se disse o guardião máximo da Constituição em vigor, ele deveria ser um exemplo igualmente supremo de aversão a golpes.

Ministros do Supremo deveriam todos ter urticária a qualquer golpismo, a qualquer casuísmo e virada de mesa. Mas a aversão a golpes é uma exceção à regra entre ministros do STF. Podem ser contados nos dedos alguns poucos que honraram aquela Corte, mesmo nos momentos mais tétricos. Os demais a enlamearam e fizeram o Supremo ser o que sempre foi: uma casa de pavões que abanam plumas em defesa do status quo, seja ele qual for, mesmo o mais abjeto.

No Estado Novo, entre tantos exemplos da docilidade raivosa do STF em favor do ditador, talvez a nota mais emblemática e triste seja a do Habeas Corpus nº 26.155 (1936), negado a Olga Benário, esposa de Luís Carlos Prestes. Com sua decisão, o STF entregou Olga grávida à Alemanha nazista, mesmo diante dos apelos humanitários de que isso significaria colocar uma criança brasileira e a esposa de um cidadão brasileiro em um campo de concentração. Vargas usaria o episódio posteriormente para dizer, com a devida hipocrisia, que nada podia fazer diante de uma decisão do Supremo.

Quase duas décadas depois, na crise aberta com o suicídio de Vargas, em 1954, uma sequência de golpes, contragolpes e um Estado de Sítio novamente abalaria a República. O STF faria cara de paisagem. Diria, pela pena do reverenciado ministro Nelson Hungria, que tanques e baionetas “estão acima das leis, da Constituição e, portanto, do Supremo Tribunal Federal”. Hungria iria além nesse discurso que até hoje pesa sobre a toga dos que já o leram, por refletir a mais pura verdade:

“Jamais nos incalcamos leões. Jamais vestimos, nem podíamos vestir a pele do rei dos animais. A nossa espada é um mero símbolo. É uma simples pintura decorativa — no teto ou na parede das salas da Justiça.”

Contra golpes, “não há remédio na farmacologia jurídica” – completaria o jurista em um discurso que até parece um juramento. (STF. Memória jurisprudencial: Nelson Hungria. Brasília: STF, 2012).

Se deixasse a modéstia de lado, Hungria poderia ser ainda mais explícito e franco para dizer que o papel histórico do STF diante dos golpes sempre foi o de perfumar e maquiar o monstro, lustrar seu coturno, amarrar aquela fitinha em seus chifres, embonecá-lo.

Em 1964, o Supremo nada fez para barrar os chamados atos institucionais que rasgaram a Constituição de 1946. Os ministros que mais incomodavam, Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva foram aposentados em 1969 pelo Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5. Tiveram a solidariedade do então Presidente do STF, ministro Gonçalves de Oliveira, e de Antônio Carlos Lafayette de Andrada. Outro que se insurgira antes disso, o ministro e presidente do STF, Alvaro Moutinho Ribeiro da Costa, fora aposentado por decreto em 1966.

Um dos ministros remanescentes, Luiz Gallotti, justificou que o AI-5 estava fora da possibilidade de qualquer apreciação judicial. Pronunciar o óbvio foi o máximo de ousadia que se permitiu.

Ézio Pires, em seu livro (O julgamento da liberdade. Brasília, Senado Federal, 1979), conta que o ministro Evandro Lins e Silva chegou a sugerir ao presidente do Supremo, Gonçalves de Oliveira, que enviasse uma comissão do STF à Organização das Nações Unidas (ONU) para denunciar a situação de desrespeito às garantias da Carta dos Direitos do Homem. Os possíveis integrantes da tal comissão simplesmente rejeitaram a ideia pelo risco de serem presos ou terem que exilar-se. Convenhamos, ser preso era coisa para estudante, sindicalista, frade ou gente de teatro, e não para doutos magistrados. O pavão realmente nunca teve vocação para leão, a não ser para rugir e morder os marginalizados.

Hoje, diante de uma situação vexatória para o Brasil em que, supostamente em nome do combate à corrupção, os corruptos fazem a farra e montam o governo Cunha-Temer (nesta ordem), a maioria do Supremo assiste a tudo bestializada. Alguns com indisfarçável regozijo. Mesmo um de seus ministros mais recatados deixou de lado aquela velha, surrada e prudente frase de que ministros do Supremo só se pronunciam sobre os autos e preferiu virar comentarista de shopping center para dizer, serelepe, em um vídeo institucional gravado entre a praça da alimentação e o cinema, que impeachment não é golpe – isso antes mesmo de haver julgamento de impeachment pelo Senado. Golpe? No Brasil? Nunca!

Não será desta vez que o STF irá reescrever sua História. Como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera, dali é que não sai nada mesmo. O que se pode aguardar é apenas que alguns, e que não sejam tão poucos, se comportem verdadeiramente como magistrados, resistindo ao efeito manada e aos holofotes do ódio para tomar atitudes corajosas e contramajoritárias.

Mas nem tudo está perdido. Ao final, o Supremo pode até arranjar um uso prático para o termo infeliz cunhado pela Folha de São Paulo: ditabranda. Se nada acontecer e o STF mais uma vez lavar as mãos, estará criada a ditabranda ou ditamole de Temer, a ditadura cínica e canalha cuja baioneta chama-se Eduardo Cunha e as divisões Panzer e Tiger são hoje compostas pelas bancadas da bala, do boi e do púlpito.

Pelos serviços prestados, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello, Carmem Lúcia e alguns mais talvez se tornem merecedores da mesma honraria concedida a Nelson Hungria – a de ficarem para a posteridade como nome de presídios, monumentos feitos para lembrarmos da pior contribuição que o Judiciário brasileiro continuamente presta à iniquidade, à desigualdade e aos golpes de todas as espécies.

* Antonio Lassance é cientista político.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Moacir

30/04/2016 - 16h49

A História do Supremo não poderia mesmo estar desvinculada da História do Brasil. Mas quem é militante demonstra Fé nas Possibilidades Humanas. Pelo menos a possibilidade de se aprender com os próprios erros. A História não se repete. Os Erros Humanos, sim.

Marivane

26/04/2016 - 16h55

Globogolpista

Luiz André

26/04/2016 - 14h19

Excelente e fiel o artigo de Lassance. A nossa Suprema Corte mais uma vez envergonha o Brasil perante o mundo.

AZ Botelho Paiva

26/04/2016 - 13h10

Está bem, está bem. Parem de tanta pressão. Já entendi o discurso, não aceito, mas já entendi.

James Stewart

26/04/2016 - 12h53

Quem é a coroa com o colar de pérolas?

Será a miss “não-tenho-provas-mas-condeno”?

Sendo agraciada pelo que de pior existe no mundo dos negócios do Brasil?

Um trambiqueiro homenageando a “justissa” brasileira.

Mais um golpe aplicado pelo Instituto Innovare na indecente justiça do Brasil.

Os dois se merecem.

    Maria Thereza G. de Freitas

    26/04/2016 - 18h57

    a ue condena sem provas é a RRosa Weber. Essa é a Carmem Lucia, que disse que criminosos não ficarão impunes. Frasistas de 5ª, juízas inqualificáveis

jonios

26/04/2016 - 12h09

Ora, tem até ministro que afirma que tão somente o fato de seguir o regimento – ou o manual, dá no mesmo para ele – legaliza o espúrio processo de impedimento. O que ´pode esperar a sociedade brasileira de tamanha inteligência?!?

Alexandre Moreira

26/04/2016 - 12h02

São descarados integrantes do golpe. Cabe ao governo recorrer diretamente às cortes internacionais e mostrar ao mundo, que além de não termos congresso, também não temos justiça.

Geysa Helena Dantas Guimarães

26/04/2016 - 11h57

Discordo inteiramente quanto a “se o STF fala que não há golpe em curso, quem somos nós para discordar?” São deuses, a alta Corte é o Olimpo?

    Paula Lacerda

    27/04/2016 - 13h43

    STF = Suprema Trapaça Federal

João Bosco

26/04/2016 - 11h25

Na verdade o STF não está sendo omisso. Ele está, com suas delongas, quando convém, naturalmente, ajudando diretamente àqueles que estão roubando os votos de 54,5 milhões de brasileiros, sob o irremediavelmente falso argumento da “moralidade” (basta uma rápida verificação de suas fichas).

    Maria Thereza G. de Freitas

    26/04/2016 - 11h43

    não é ajuda. é cumplicidade

Anderson Da Silva Lopes

26/04/2016 - 10h44

Não pode esquecer também o meio social o qual os ministros vivem , são rodeados por pessoas das elite todos anti petistas , eu acho que isso conta muito na hora de decidir alguma coisa a favor do PT.

    Alexandre Moreira

    26/04/2016 - 12h05

    Deveriam, então, ter escolhido outra profissão e deixado a oportunidade para outros, verdadeiramente republicanos.

      Maria Thereza G. de Freitas

      26/04/2016 - 18h58

      e perder a boquinha? Onde esses senhores e senhoras ganhariam o que ganham, sem possibilidade de demissão, cheios de “benefícios” auto-concedidos?

João Bosco

26/04/2016 - 10h31

O STF é o guardião da Constituição. Mas apenas da parte que interessa às minorias da elite nacional, da qual seus membros fazem parte.

    Anderson Da Silva Lopes

    26/04/2016 - 10h38

    O STF cassou o direito presidencial , constitucional de Dilma nomear o Lula pra trabalhar com ela , o ministro sentou em cima e não tem pressa pra analisar , jogada puramente política.Isso pra mim foi um dos maiores agravos contra a república , contra a nossa constituição , contra a nossa democracia , contra os 54 milhões de votos que elegeram Dilma , é um estado de exceção violento.

      Alexandre Moreira

      26/04/2016 - 12h11

      A maior demonstração de cinismo da nossa história. Nossos netos irão estudar os atos deste e de outros canalhas golpistas.


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