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O SUS aterroriza os planos de Temer, como Galileu amedrontou a igreja. Ou a humanização que engole o conservadorismo

Por Tadeu Porto, colunista do blog O Cafezinho* É sempre difícil tentar argumentar sobre determinado ponto de vista com experiências estritamente pessoais, afinal, temos um conjuntura muito complexa e a probabilidade de errar por desconsiderar muitas variáveis é grande. Contudo, peço aqui licença a leitores e leitoras para tentar essa façanha, com humildade, ponderando uma […]

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Por Tadeu Porto, colunista do blog O Cafezinho*

É sempre difícil tentar argumentar sobre determinado ponto de vista com experiências estritamente pessoais, afinal, temos um conjuntura muito complexa e a probabilidade de errar por desconsiderar muitas variáveis é grande. Contudo, peço aqui licença a leitores e leitoras para tentar essa façanha, com humildade, ponderando uma experiência que vivi nesses últimos nove meses.

Minha primeira filha, Valentina, nasceu antes de ontem dia 16 de Maio de 2016. Faço parte de um casal de primeira viagem nesse quesito prole, e, portanto, sem muito conhecimento prévio sobre nascimentos, gravidez e afins, procurei informações sobre o assunto para tentar passar por esse período da melhor maneira possível.

Confesso que tínhamos na memória, minha esposa e eu, que o Brasil é uma vergonha em termo de número de cesarianas. E foi a partir desse ponto que iniciamos um busca por um parto humanizado, trajetória essa que, confesso, me fez aprender muito mais coisas do que imaginava, como a importância para a saúde dx bebê, a maneira que diferentes culturas, no tempo e espaço, lidam com o nascimento, o impacto significativo da busca irresponsável do lucro nas tomadas de decisões pessoais e o debate, muito atual e importante, sobre empoderamento das mulheres.

Saber de grupos em mídias sociais que realizam uma discussão intensa e qualificada sobre o poder feminino para, entre outras coisas, lidar com algo tão difícil – físico e mentalmente – como um parto encheu meu coração vermelho de felicidade (honestamente, achei um processo de formação sensacional). Claro que nem tudo são flores, e a descoberta também trouxe tristezas como, por exemplo, saber que médicos e médicas, muitas vezes, forçam a necessidade de cesariana única e exclusivamente para encurtarem o tempo do trabalho de parto e ter a agenda livre para si, sem pesar os malefícios dessa cirurgia.

Toda a pesquisa que realizamos sobre partos mais naturalizados, além de nos fornecer um conhecimento libertador, nos fez encontrar um local adequado com nossas expectativas, um hospital público da grande BH, 100% SUS, chamado Sofia Feldman.

Entretanto, confesso que o Sofia não foi a nossa primeira escolha, na verdade foi [spoiler alert] a última, onde realizamos o parto com muita satisfação. E foi a minha falta de confiança no SUS que não me levou àquele hospital a priori, justamente por uma disputa ideológica que travei, internamente, entre o dogma massacrado em minha mente sobre a ineficiência dos serviços públicos versus as ótimas referências que buscamos e encontramos sobre o local.

Dicotomia essa que destaco – com um maniqueismo pragmático e não retórico – com exemplos da conjuntura atual, como: 1) a ideia conservadora de que a mulher não tem controle sobre o seu corpo e deve entregá-lo, sem pensar, a uma equipe médica (mesmo o parto não sendo uma doença), contra o pensamento libertário da mulher que, na prática individual, faz do corpo o que quiser, a hora que quiser, sabendo das dificuldades das dores mas que não são suficientes para pará-la; 2) A política nacionalista do serviço humanizado, que centra suas ações no bem do coletivo, contra a o desejo liberal das tomadas de decisões centralizadas na capacidade individual (geralmente de se fazer mais dinheiro) perdendo o foco nas consequências danosas ao meio; 3) Ou, como na revolução francesa, o posicionamento da esquerda sobre a garantia de direitos universais para todos contra a direção da direita de se manter os privilégios para uma pequena nobreza que goza da desigualdade.

Assim como Galileu bateu forte no narscisimo humano provando que a terra gira em torno de uma estrela que não pertence a nós ou que Darwin machucou a arrogância dos homens com a teoria da evolução, esse desespero de um grupo branco, velho e masculino de manter sua hegemonia – traduzido em medidas rasteiras e desleais como esse golpe de Estado – nada mais é do que a tentativa de se evitar, a todo custo, um corte epistemológico que leve o Brasil a superar séculos de iniquidade e benéfices parciais.

Essa agressão ao SUS, não coincidentemente dentre de uma ruptura institucional, representa, nada mais nada menos, o contra ataque dos conservadores assustados por ter que dividir conquistas e reparar as injustiças que os fizeram privilegiados. E do outro lado, na defesa da democracia, é notável a posição de progressistas que enxergam a necessidade de um olhar mais humano e empático para mitigar opressões sistemáticas e perversas, melhorando o bem estar comum.

Uma saúde pública de qualidade para toda população (sem deixar nenhum cidadão ou cidadã de fora) é um direito constitucional e assola a aristocracia brasileira – aquela elite que sempre concentrou riquezas e poder – simplesmente porque significa, no mínimo, dividir e observar o próximo ter algo parecido com o seu, o que dificulta muito algum tipo de acúmulo. Em outras palavras (já que o ministro da saúde quer consultar a igreja sobre o aborto): numa ceia, dividir o pão em pedaços e digerir o que lhe foi atribuído, significa comer menos do que o pão inteiro.

Fazer dar certo uma política gratuita e universal como o SUS significa tanto corrigir as injustiças históricas que nos fizeram chegar a esse nível absurdo de desigualdade social quanto acabar com as regalias oriundas do corporativismo plutocrático, que permitem – por exemplo –  auxílio moradia mensal para assalariados enquanto há cortes em programas habitacionais.

Sendo assim, acreditar no Sistema Único de Saúde e demais políticas públicas é um processo de resistência crucial que qualquer brasileiro ou brasileira, sabedor da situação arbitrária e danosa da nossa sociedade, deve praticar.

Por fim, combater o governo ilegítimo do Temer é, no mínimo, acreditar num país onde a desigualdade possa diminuir para o bem geral da população. E nada melhor do que lutar por um contexto de saúde de qualidade para toda nação como um dos melhores contrapontos a um golpe de Estado que envergonha o Brasil perante o mundo.


P.s. Aproveito aqui para agradecer toda a equipe do Sofia Feldman que nos atendeu por pouco mais de trinta horas. Recomendo demais o hospital, sem medo de errar! :)

*Tadeu Porto [twitter: @tadeuporto] é petroleiro e diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, SindipetroNF.

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Tadeu Porto

Petroleiro e Secretário adjunto de Comunicação da CUT Brasil

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