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Professor de filosofia analisa a nova ditadura brasileira

(Crédito da imagem: Blog do Carcará.) O golpe não aconteceu à tôa. Ele reflete a consolidação de estruturas autoritárias, que foram crescendo ao longo das últimas décadas, sem a devida atenção da cidadania e dos setores democráticos da sociedade. O professor Wohlfart, doutor em filosofia, analisa a situação. *** A nova ditadura e o direito […]

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(Crédito da imagem: Blog do Carcará.)

O golpe não aconteceu à tôa. Ele reflete a consolidação de estruturas autoritárias, que foram crescendo ao longo das últimas décadas, sem a devida atenção da cidadania e dos setores democráticos da sociedade.

O professor Wohlfart, doutor em filosofia, analisa a situação.

***

A nova ditadura e o direito

Por João Alberto Wohlfart*

O que tem a ver a nova ditadura brasileira com o Direito? A ditadura parlamentar/jurídico/midiática mergulha diretamente no universo do Direito e nas suas Instituições. Até o presente contexto histórico, a Democracia brasileira sempre durou muito pouco tempo e inúmeras vezes foi interrompida por golpes de Estado e por ditaduras orquestradas pela estrutura patriarcal do poder. De regra, o Direito é o sistema de liberdade social estruturado nas suas Instituições e organizações típicas, para eliminar qualquer forma de domínio de uma pequena minoria sobre uma maioria, para evitar que uma classe social dite os seus interesses e para assegurar a todos os cidadãos as condições de vida digna, de convívio social e de livre manifestação da opinião em meios de comunicação democráticos e plurais, numa sociedade plural.

Na contramão da sua incumbência e finalidade, o Direito se transformou sistematicamente num golpe de Estado e numa ditadura legitimada legalmente. A lógica ditatorial do Direito começa embaixo e nos recantos mais longínquos e invisíveis das periferias onde os pobres e os negros constituem alvos diretos de perseguição policial e de prisão. Somente pelo fato de serem pretos e negros, os grupos são objeto de cassetete e de duríssimos castigos policiais. Numa esfera mais ampla e mais sistemática, isto se manifesta na criminalização dos movimentos sociais, com a desarticulação jurídica das lideranças e com aplicação de penalidades judiciais aos seus organizadores. Como a ditadura jurídica é completada pela ditadura midiática e seus mecanismos, os movimentos sociais são alvo dos mais variados preconceitos e facilmente rotulados de baderneiros, vagabundos e perturbadores da ordem pública.

A criminalização sistemática dos movimentos sociais transforma o Direito na essência da ditadura. O sistema do Direito, que já rasgou e enterrou a Constituição Federal ainda em idade juvenil, desde a esfera mais elevada do Supremo Tribunal Federal, passando pela ciência do Direito, até a base das comarcas e varas, se transformou num sistemático golpe de Estado. Em instâncias mais elevadas, isto ficou evidenciado e visibilizado com a condução coercitiva do ex-Presidente Lula ao depoimento junto à Polícia Federal, com a perseguição sistêmica da sua liderança e por prisões de lideranças de esquerda. Por que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu bem outro tratamento quando fez o seu depoimento à Polícia Federal? O Direito se transformou na instância legitimadora da perseguição aos movimentos sociais que nada mais fazem que a proposição de projetos democráticos de participação popular e de justiça social capazes de incluir socialmente todos os grupos sociais numa pluralidade democrática.

Sabe-se que a função do Direito é a construção de relações sociais equilibradas e a integração de todos os seres humanos e grupos sociais ao grande sistema do convívio social, numa sociedade democrática erigida em Estado de Direito. Os espetáculos jurídico-midiáticos dos últimos tempos e fatos evidenciam que o Direito, de forma sistemática, se opõe a esta condição fundamental. Aliás, na História do Brasil isto nunca foi diferente, apenas nos últimos tempos o casamento entre Direito e a classe dominante ficou mais agressiva, cínica, perversa, covarde e hipócrita. O Direito mostrou todos os seus tentáculos que constituem desdobramentos de um sistema repressivo, de um pandemônio que visa exclusivamente à implantação de um sistema econômico excluidor e o silenciamento de todas as vozes que buscam a construção de uma sociedade justa e fraterna.

Os sinais da presença da ditadura do Direito na estrutura social não são nada animadores. Este estado social tem múltiplas manifestações na área jurídica, social, cultural, política e econômica. A expressão jurídica da ditadura do Direito é objeto deste escrito, na criminalização dos movimentos sociais, na perseguição sistemática contra a esquerda popular e na perseguição constante ao ex-Presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Como se o absurdo não bastasse nestas manifestações, fala-se na criminalização do comunismo, o que implica no processamento e prisão das pessoas e movimentos com ideias socialistas, das causas que têm no bem comum e na solidariedade universal, acima do interesse privado capitalista, a concretização maior da existência. Daqui a pouco vão para a cadeia as pessoas que falam de Hegel, de Marx, de Engels, de Paulo Freire e do Papa Francisco, porque o pensamento político-social de todos eles vai na contramão do privatismo neoliberal da corja do governo Temer. Do ponto de vista cultural, escuta-se da obrigatoriedade do ensino do criacionismo divino nas escolas, doutrina obsoleta e superada há vários séculos. Isto é compreensível porque o congresso nacional está habitado por líderes religiosos neopentecostais ultraconservadores e reacionários. Isto proporciona a volta de doutrinas religiosas dogmáticas fossilizadas pela História e destinadas a dar a benção divina aos caprichos da nova ditadura.

A benção divina da nova ditadura, dos procedimentos típicos do universo jurídico e do modelo político empresarial nos proporcionaram o espetáculo da organização de bandidos políticos que habitam o Supremo Tribunal Federal, as duas esferas do legislativo federal e o governo Temer que usurpou o governo de Dilma Rousseff. Esta bandidagem política que habita os três supremos poderes da República não apenas assaltou o governo Dilma legitimamente constituído, mas está promovendo um assalto dos direitos fundamentais historicamente conquistados pelo povo brasileiro, está assaltando a República pela privatização neoliberal e promete um assalto ao Brasil pela entrega de suas riquezas ao grande capital internacional. Tudo isto representa um assalto jurídico à Constituição Federal, ao Estado de Direito e à Democracia, porque o povo brasileiro, causa e finalidade da Política, sujeito político de um sistema de Direitos e senhor das riquezas nacionais, é substituído por outro senhor que é a mão invisível do capital privado internacional.
Nesta prostituição do Direito que tem na imparcialidade o seu procedimento fundamental, transformou-se numa ferramenta de parcialidade ao legitimar juridicamente a bandidagem política de direita e o neoliberalismo privatista e capitalista. A perseguição midiática aos líderes populares e aos políticos de espírito nacionalista é a faceta mais diabólica do Direito. Neste contexto precisa ser evocada a presença do Estado como agente de socialização e de promoção da justiça social. A bandidagem política de todas as esferas da República está promovendo um enfraquecimento do Estado ao privatizar tudo o que é possível, tirando dele a capacidade de socialização e de regulação da atividade econômica. Neste cenário, o povo não será senhor de sua história e de seus destinos, não será representado pelos seus representantes legítimos que habitam os três poderes da República, mas será inexoravelmente comandado pela mão invisível do grande capital que explora a força trabalhadora e a rebaixa à condição coisa, e promove uma total coisificação e fragmentação social.

Está de volta, com as bênçãos divinas e do Supremo Tribunal Federal, o projeto econômico que faliu o mundo em 2008, e que está definitivamente falido. Está de volta o projeto da privataria tucana da década de 1990 que rendeu o Brasil junto ao FMI e ao capital internacional a grande e impagável dívida externa, os vergonhosos empréstimos ao FMI que excluíram mais de cem milhões de brasileiros do desenvolvimento econômico e social. Visibilizado no esquema de bandidos políticos de Brasília, está em cima de nós o bandido invisível, o deus invisível e absoluto do capital internacional, para explorar um dos últimos santuários de riquezas naturais do Planeta Terra, como o Pré-sal, a Amazônia, os rios, as riquezas minerais, as terras, restando para nós as migalhas de uma massa de trabalho em condições de semi-escravidão e mal pago. Da separação entre povo e política, pois os políticos não estão preocupados com o povo, conclui-se que o judiciário é uma superestrutura social destinado a legitimar o sistema econômico neoliberal estabelecido, mesmo com a prostituição da Constituição, do Estado de Direito e da Democracia.

* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de Filosofia do IFIBE.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Landro Oviedo

17/07/2016 - 19h30

Texto engenhoso, mas que parte de uma premissa falsa para chegar a uma conclusão coerente apenas com ele mesmo e desconectada da realidade. A premissa falsa é que haveria uma renovação ontológica do direito, deixando de cumprir sua finalidade democrática, para atingir os petistas e os movimentos sociais, abrindo espaços para o neoliberalismo e o capital financeiro internacional. Fazer esse corte é necessário para vitimar Lula e Dilma. Na verdade, o direito continua o mesmo, a serviço da classe dominante e os movimentos sociais já foram criminalizados na gestão Dilma com a lei antiterrorismo, apoiada pelo governo e aprovada por sua base aliada, destinada a tolher as manifestações após junho de 2013. A submissão aos agiotas internacionais se intensificou na gestão petista, gerando a gigantesca dívida pública, que, em 2015, carreou para o sistema financeiro R$ 500 bilhões só de juros. Além disso, Lula cometeu o crime de trocar a dívida com o FMI, que era de 4% ao ano, por uma de 19%, inflando a dívida pública. Isso equivale a usar dinheiro do cartão de crédito para pagar um empréstimo consignado. Sem falar no fato de que os petistas levaram três mandatos para descobrir que estavam governando com o inimigo. Ingenuidade ou má-fé?

Como filósofo, o doutor em filosofia João Alberto Wohlfart deixa desacompanhada a razão como guia e comporta-se como um bom sofista, com uma seletividade analítica que distorce fatos para obter uma coerência digna dos analistas passionais.

Garru João Luiz Garrucino

10/07/2016 - 23h51

GOLPE FAZ PARTE DA GUERRA EUA X RÚSSIA E CHINA. E COMO EVITAR?
10.7.16
JOÃO LUIZ GARRUCINO –

http://www.tribunadaimprensasindical.com/2016/07/golpe-faz-parte-da-guerra-eua-x-russia.html

Maria Clara Pereira Santos

15/06/2016 - 12h51

Gostei muito do texto , pois a algum tempo comungo com essa compreensão de que estamos entrando em uma situação de didatura transmutada , contudo algumas pessoas contra- argumentam dizendo que seria um erro falar em uma didatura se podemos ainda falar sobre , denunciar e protesta como acontece nas ruas . Porém eu não entendo desse jeito , pq os instrumentos de opressão se tornam cada vez mais coesos para abafar aquilo que se deixa acontecer para que não se torne ainda mais escandaloso as situações que testemunhamos em um estado dito ” democrático ” e por isso falo em uma ditadura transmutada .


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