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Cafezinho Literário: Todas as cartas de amor

Quem nunca escreveu uma carta de amor que rasgue a primeira página. Lílian Almeida escreveu todas. Baiana de Salvador, Lílian é professora na Universidade do Estado da Bahia e tem a vida imersa em Letras. Seu livro de estreia, o romance epistolar “Todas as cartas de amor”  (Ed. Quarteto), é o monólogo de uma mulher em trânsito. […]

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Hotel Room, de Edward Hopper

Quem nunca escreveu uma carta de amor que rasgue a primeira página. Lílian Almeida escreveu todas. Baiana de Salvador, Lílian é professora na Universidade do Estado da Bahia e tem a vida imersa em Letras. Seu livro de estreia, o romance epistolar “Todas as cartas de amor”  (Ed. Quarteto), é o monólogo de uma mulher em trânsito. Cada carta revela um pouco da protagonista, uma executiva que, enquanto viaja a negócios, escreve para um amado ausente.

Na orelha do livro, Aleilton Fonseca define a obra: “Estas cartas ao amado – um ser prefigurado no espaço do desejo e do sonho -, tecem-se e se estendem numa linha tênue de reflexão. Nesse lance de cartas, a mulher se mostra consciente de si mesma, enquanto sujeito desejante, em busca de se tornar pronta para o jogo do amor, sempre incerto mas necessário ao equilíbrio da vida na cena cotidiana”.

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Boas leituras e ótima semana.

Paulliny Gualberto Tort

Editora do Cafezinho Literário

Lílian Almeida, autora de "Todas as cartas de amor"

Lílian Almeida, autora de “Todas as cartas de amor”

 

Folga das retas e ângulos

Lílian Almeida

Pela janela do hotel o Pão de Açúcar aponta a direção. Seguir em curvatura de ângulos e linhas. Por quê? Na estrada reta não te encontrarei? O que busco fora dos esquadros e dos traços? Onde os riscos me cortam, esquadrinham?

Na sala de refeições, as mesas são redondas. Além dos vidros, os morros ondulam o céu. Na parede, o relógio insinua as sinuosidades do mapa brasileiro. Curvaturas. Por que não a linearidade do mapa português? Onde as esquinas dos edifícios que rasgam o azul em quadrados? Cadê as mesas retangulares, quadradas, triangulares? A bancada do hotel recepciona em longa curva. A mesa de centro é um triângulo de redondas quinas. A voz nasalizada do taxista arredondava qualquer informação. Curvaturas envolviam linearidades e os ângulos retos.

Pelo vidro da sala de reuniões os retos edifícios ficam embaçados. Exercito o encurvamento dos lábios em risos e sorrisos. Exerço a precisão dos prognósticos e a doçura de reconhecer o trabalho da equipe. Experimento folgar as linhas. Os números e anotações e percentuais e relatórios agitam-se efusivamente numa visão longínqua.

A noite deita-se sobre o dia. O táxi amarelo leva-me de volta ao hotel. Peço um filet à milanesa com arroz e batata sauté, no quarto. Ligo a TV no noticiário internacional. Não escuto. Atravesso a tela com um olhar que se perde no sem fim. Aonde as curvaturas do dia vão me levar? Onde estive, estou, estarei? Onde você está? Aumento a potência do condicionador de ar. O frio diminuirá o calor dessa noite? Diminuirá a velocidade das minhas lembranças? Minha cabeça em giro. Meus olhos em caleidoscópio. O apartamento frio. A chuva pelo vidro. Eu sozinha. O ônibus na estrada. A felicidade lá fora. A mulher farta. As roupas dançantes. A Redenção. Eu elegante e estúpida. Olhos de não ver. Pé no chão. Pálpebras abertas. Meus redondos olhos enquadrados trincam perante o Pão de Açúcar.

A memória matutina do rosto em riso alivia o peso de mim mesma. Leveza. Todas as curvas do dia são leves, graciosas, desembaraçadas, ágeis. A curvatura dos meus lábios descomplica-me. Na folga das retas e dos ângulos vicejam os espaços. Tênue ampliação de mim mesma comigo. Na curva, tudo se amplia. Sentada na cama, movimento-me em direção aos pés. Esforço-me. Exercito o encurvamento do corpo em posições várias. Flexibilizo o tronco e as angulações.

A noite é útero. Em posição fetal exerço a renovação. Curvilineamente refaço os traçados dentro e fora de mim mesma. O sono embala-me. Quando for o tempo dançarei com as linhas um bailado sinuoso. O arqueado das minhas costas pergunta e responde onde estou quando estou aqui. Estou comigo.

***

 As marcas de Lílian Almeida

Uma definição para Lílian Almeida.

Definição? Definição implica em limitar para explicar. Prefiro falar de marcas fortes que trago e que, de algum modo, formam o filtro através do qual leio a vida. Nasci mulher negra em Salvador. Três marcas que se amalgamam na minha constituição enquanto sujeito social e compõem a lente a partir da qual experiencio estar no mundo e   insiro a minha impressão na vida. As outras marcas, como as da profissão, por exemplo, se somam a estas e vão tecendo os caminhos por onde ir. Ademais, sou sonhadora e gosto da vida, serenamente, como água de baía e brisa de mar.

Do que trata o livro “Todas as cartas de amor”?

“Todas as cartas de amor” é uma narrativa composta por doze  textos em prosa poética que apresentam cenas e vivências de uma executiva que está sempre viajando e avaliando empresas, a missivista. O livro fala da vida acelerada contemporânea, da solidão, dos enquadramentos comportamentais, da busca humana pelo amor. O amado é o destinatário das cartas. Gradativamente, por entre viagens e cidades, a busca muda de foco e a trama volta-se para o plano interior, psíquico. A personagem descobre que as cartas podem conduzi-la a outro encontro.

Como as pessoas podem encontrar o seu livro?

Eis uma dificuldade enfrentada pelo autor que não está nas editoras de grande circulação: onde encontrar o livro. A realidade que vislumbro daqui da Bahia, é a de que o livro, sobretudo do autor iniciante, é comercializado pelo próprio autor, através das redes sociais, ou em participações em eventos literários. Levo-o embaixo do braço para onde sou convidada a falar. Afora isso, “Todas as cartas de amor” pode ser adquirido através do site da Quarteto Editora e também comigo, por e-mail ou Facebook.

Você acha que o mercado editorial tem dado a devida atenção aos autores do Nordeste?

A gente tem um país continental e penso que o mercado editorial brasileiro é também imenso e diverso. A presença de autores do Nordeste nas editoras consideradas importantes e de visibilidade nacional, situadas principalmente no Sudeste, ainda é pequena. E isso não diz respeito apenas aos iniciantes. Se sairmos do foco do mercado editorial estabelecido no Sudeste e olharmos para o mercado editorial baiano, por exemplo, vemos que as editoras estão pouco dispostas a investir na publicação de escritores jovens. Tenho visto por aqui iniciativas pessoais de produção de livros-objeto com confecção artesanal e em edições cartoneras. Ainda é difícil materializar a literatura no formato de livro impresso, sob a chancela de uma editora.

Você mantém um blog. O que as pessoas encontrarão por lá?

O Cartas, fotografias e outros guardados é um blog onde veiculo alguma produção literária minha e de autores que caem em minhas mãos. Lá também se encontra letra de música, algum comentário sobre livros que li, peças teatrais que assisti e fotografias minhas que uso geralmente para ilustrar os posts ou fazer fotopoemas, também publicados lá. É um espaço onde há um pouco de literatura, de arte e de vida.

*A imagem em destaque nesta postagem se chama Hotel Room (1931) e é de autoria de Edward Hopper.

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Paulliny Gualberto Tort

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