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Jandira Feghali: A sociedade tem que opinar sobre sua cidade

A pré-candidata à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) participa entre quarta (3) e quinta-feira (4) do Seminário Cidades Mais Humanas. O evento, organizado pela Fundação Maurício Grabois será realizado no Sindicato dos Comerciários. Em entrevista à jornalista Luana Bonone, do Juventude.br, Jandira fala sobre o conceito de “cidades mais humanas”, da […]

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O evento, organizado pela Fundação Maurício Grabois será realizado no Sindicato dos Comerciários.

Em entrevista à jornalista Luana Bonone, do Juventude.br, Jandira fala sobre o conceito de “cidades mais humanas”, da campanha “Rio em Comum” e sobre os desafios de gestão de grandes cidades.

Segue abaixo a integra:

A Juventude.br bateu um papo com a deputada federal e pré-candidata a prefeita do Rio de Janeiro Jandira Feghali. Militante dos movimento feminista e de saúde, Jandira é uma referência também nos temas comunicação e cultura, tendo sido secretária de cultura do município entre 2009 e 2010.

Juventude.br: Jandira, o Rio é uma metrópole de grandes proporções, visualmente marcada pela desigualdade, que afeta o próprio cotidiano da cidade. De que maneira a gestão pública municipal pode promover políticas que enfrentem os problemas gerados por um nível tão grande de desigualdade?
Jandira: Em primeiro lugar, é importante falar da nossa concepção de tratamento da cidade, que a gente tem chamado de “Rio em Comum”. Pensamos a cidade como um corpo único, reconhecendo que a desigualdade aumentou no Rio de Janeiro – todos os dados nos demonstram isso. Por incrível que pareça, ela aumentou mesmo com todo o investimento que o governo federal fez no estado e na cidade, pois o aproveitamento dos gestores locais foi aquém do que poderia ter sido. Então a desigualdade se aprofundou, porque no confronto entre privilégios e direitos, infelizmente os privilégios tiveram maior peso nos processos de gestão locais. Basta olhar a própria questão da mobilidade urbana, que é algo que salta aos olhos quando você conversa com qualquer jovem nessa cidade: foi feita uma política que interrompeu linhas que ligavam a cidade de uma região à outra, o Rio é uma cidade que tem uma tarifa altíssima, com ônibus que não circulam durante todo o tempo, os trens também possuem limite de horários, entre outras dificuldades, e há ainda o problema do metrô: a prioridade dada foi para a Barra da Tijuca, o que não favorece a maioria dos trabalhadores, cujos postos de trabalho estão concentrados no centro, e os locais de moradia pesadamente na Zona Oeste. Então a mobilidade é a expressão clara de que não há transparência, de que o comando continua na mão das empresas de transporte, fatores que fazem com que o povo sofra. O BRT, por exemplo, já nasce saturado, o VLT tem um limite no centro… Só estou exemplificando pela mobilidade para mostrar que a preocupação não é com o povo mais pobre da cidade, ou com jovens que moram distante do centro, com a juventude que precisa estudar. O passe livre é limitadíssimo – só nos dias de semana – o RioCard (cartão de integração do transporte) não funciona bem, ele não é distribuído, ou seja, é uma imensa dificuldade o direito de ir e vir. E essa cidade não tem vários centros, as pessoas não tem arte, lazer e cultura, a não ser que elas criem, mas sem a ajuda do poder público. Então a criação das pessoas e a criatividade delas faz com que a arte entre em suas comunidades, mas não há apoio, fomento e sustentação do poder público para isso. E há um outro aspecto: o Rio de Janeiro não tem um líder político, ou uma líder política, que lidere a questão metropolitana. Não há a dimensão metropolitana na gestão do Rio de Janeiro, assim como não há a dimensão democrática, de transparência, de interatividade, de consulta. Não há, por parte do gestor do Rio de Janeiro, uma preocupação com a indução de cadeias de produção, geração de emprego, geração de oportunidade. Desigualdade reduz quando você tem renda, quando você tem acesso a bens e serviços, quando você pode trabalhar, e essa não é a preocupação. O braço de acumulação no Rio de Janeiro é a especulação imobiliária: é o metro quadrado mais caro do Brasil; os empregos são transitórios na construção civil em função de obras para o grande evento, que são as Olimpíadas, mas não há uma indução da cadeia de produção. A maior parte da indústria do estado está na capital, você tem polo farmoquímico, a cultura do conhecimento, a economia da cultura, a área do audiovisual, a área da indústria fonográfica… Entretanto não há nenhuma preocupação da gestão de induzir cadeias de produção permanentes, o que faz com que tenhamos um base produtiva oca, sem indução de cadeias produtivas que permitam a geração de empregos, que deem oportunidade de forma permanente, com consequente redução da desigualdade.

Vários problemas que você pautou são comuns a diversas outras grandes cidades, ou até cidades médias do país, como a questão da mobilidade, que de fato afeta bastante a juventude. Qual deve ser o centro da política de transportes ou, de maneira mais ampla, das políticas de mobilidade urbana?
Em primeiro lugar, é preciso fazer a integração dos modais: aquaviário, trilho e rodoviário. Tem que aumentar o transporte sobre trilhos na cidade, tem que auditar a planilha de custos, realinhar as linhas de ônibus que mais favorecem a maioria da população, é preciso o prefeito se articular com o governo do estado no sentido de olhar as concessões das linhas de trem e readequar este processo para servir à sociedade toda. E há uma outra questão importante: adensar a habitação mais próxima do trabalho e colocar trabalho onde a população está intensamente concentrada. Há que se mudar a lógica: nem todo que mora no Rio precisa trabalhar no centro ou na Barra. É preciso gerar trabalho onde as pessoas moram e adensar a habitação onde há mais oportunidade de trabalho, onde há infraestrutura, porque isso reduz muito a necessidade de largos trechos de mobilidade. A mobilidade não é um fim em si mesmo: você pega um ônibus, um trem, um metrô, uma barca, para algum objetivo; então, se eu aproximo os objetivos, se eu desenvolvo o conjunto da cidade, a mobilidade servirá a este objetivo. Por isso a mobilidade tem que estar articulada com o planejamento urbano e com o desenvolvimento econômico, afinal o Rio é uma cidade grande, não está ao alcance de uma caminhada. E há o aspecto do preço, do valor… já fizemos um estudo e vamos lançar o compromisso da tarifa zero para alguns segmentos sociais. Seria uma ampliação do passe livre, mas para além da semana e para outros segmentos. A tarifa zero será para os desempregados, para o trabalhador informal, para todo mundo que tem bolsa família, para os estudantes de todos os níveis de ensino da área pública, e para os estudantes do FIES, ProUnistas e cotistas do ensino privado. Isso beneficiará em torno de 700 mil pessoas na cidade, dos setores mais populares, obviamente, e estudantes. O custo disso chega a R$ 900 milhões por ano, é um valor que, auditando tudo que está se fazendo no Rio de Janeiro hoje, é possível de bancar. E nós vamos assumir o compromisso da tarifa zero para esses setores.

Você traz algo que me parece muito contemporâneo no debate sobre política urbana: ao falar de mobilidade, falou também sobre a importância de descentralizar os lugares de geração de emprego, descentralizar o que faz as pessoas saírem de casa, os objetivos. Da mesma forma, quando se fala em combate à violência, há que se pensar em revitalização de espaços, em iluminação pública, ou seja, políticas integradas. Eu queria que você falasse um pouco qual é a sua visão a respeito dessa concepção de gestão integrada e que explicasse o que seria o conceito de Cidades Mais Humanas, que aqui você chama de Rio em Comum.
Nós temos algumas linhas que costuram toda a proposta. A primeira é o fio condutor democrático. A cidade hoje não tem nenhum ponto de toque, nenhuma tangência com a sociedade. Tudo que é feito, é sem nenhuma consulta, sem que a sociedade opine sobre as prioridades. Nós achamos que esse lugar de opinar é a escola, que está em todos os bairros. São 1.493 escolas no Rio, elas devem ser o lugar, o lócus de um fórum de bairro, reunindo a associação de moradores, o comércio, a comunidade: pais, alunos, etc. Esse conselho de bairro deve se reunir regularmente, e o prefeito, ou a prefeita, deve ir até lá – olhando para esse conjunto e vendo a frequência, obviamente. Ao mesmo tempo que você ouve as prioridades, você presta contas do seu gasto; nós precisamos criar fóruns comunitários para discussão, e eu acho que a escola é o lugar para fazer isso. Tem um outro fio que costura todo o programa, que é a transversalidade de gênero. A questão da mulher deve estar posta, sob a ótica de uma feminista como eu, e do programa que estamos construindo, de forma que em todas as políticas públicas haja um foco na especificidade da mulher: seja na segurança, no trabalho, na saúde (mulher nenhuma pode morrer de parto), na educação, e tal. Terceiro, nós vamos partir da centralidade da cultura. A cultura não apenas como arte, mas a cultura da convivência, da solidariedade, da integração, essa centralidade é importante para esse programa. E uma quarta questão é a territorialização das políticas integradas. O que se precisa em Madureira não é igual a Copacabana, que não é igual a Rocha Miranda, que não é igual a Campo Grande. Então você precisa territorializar as políticas de acordo com as demandas e especificidades locais, as prioridades de cada lugar. Há lugares em que cabe indústria, há lugares onde não cabe, lugares em que vai caber teatro, outros já tem. Então há que se territorializar as políticas, dando todo esse conjunto de dimensões, com visão participativa da sociedade. É preciso criar mecanismos de participação direta, de integração gestão-sociedade. Essa é a forma que a gente vê de embasar um programa que pense o bem comum e pense uma cidade integrada e democrática.

Além de ser uma mulher de muita expressão na política, você sempre participou desse debate, dessa luta, foi relatora da Lei Maria da Penha, então, além das políticas transversais, imagino que seja necessário promover políticas públicas específicas voltadas para esse público: tanto para o empoderamento quanto para o combate à violência. O que é possível fazer no âmbito do município?
Jandira: Eu acho que a primeira questão é ter mais mulher na gestão, colocar as mulheres realmente em espaços de poder e de decisão. Segundo, é pensar as políticas no campo do trabalho, da educação. Dentro da escola é preciso promover a discussão de valores desse tipo, o debate de gênero. Essa história de Escola Sem Partido impede que as pessoas sejam transformadas em cidadãos plenos, com valores da solidariedade, da não-discriminação, do não-preconceito. Bom, há uma TV na cidade do Rio de Janeiro, que ainda é um espaço alugado de canal, mas precisamos fazê-la uma TV pública de fato. Usar a comunicação comunitária, a comunicação pública para trabalhar valores, trabalhar a cultura da não-violência, a cultura da prevenção. E destacadamente nessa questão da violência contra a mulher – que é gravíssima: a cultura do estupro, a cultura do assassinato, do feminicídio, da agressão – temos que fazer o município cumprir o seu papel definido na Lei Maria da Penha, que eu conheço bem, porque escrevi a lei. Então é muito importante que, numa gestão como a nossa, essa ótica de gênero esteja presente em tudo. Nós queremos a cidade segura, agora, é muito importante pensar que ela tem que ser segura olhando para a mulher, porque as mulheres são mais facilmente agredidas e violentadas do que os homens em uma cidade sem iluminação, sem estrutura, sem prevenção e sem acompanhamento do que significa a valorização da mulher na sociedade hoje, na cidade do Rio de Janeiro e no Brasil.

Essas desigualdades, a respeito das quais falamos no início, que são característica da maior parte das cidades do Brasil, se não de todas, atingem de maneira mais direta, mais profunda e mais violenta as mulheres – que aqui já falamos –, a juventude, os negros e negras, e a população LGBT. Em especial se tais fatores são combinados. Que tipo de recorte pode ser feito nas políticas públicas para enfrentar esta realidade?
Do ponto de vista nacional, você tem hoje a lei que acaba com os autos de resistência, que precisa ser aprovada, e a proposta de redução da maioridade penal, que precisa ser barrada. Porque nós precisamos, a partir de leis nacionais, impedir que os jovens negros sejam assassinados pela polícia. E a forma de enfrentar o problema do domínio do tráfico, da milícia, da violência contra a sociedade, do ponto de vista do município, muitas vezes é você gerar o contraponto, na verdade. Quer dizer, quando eu falo da cultura da não-violência, ao invés de você mandar uma bala, manda um teatro, manda um cinema, manda uma escola, manda um esporte, manda a cultura e manda a oportunidade. A escola em tempo integral não existe no Rio de Janeiro, ou são exemplos absolutamente singulares – porque os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), naquele formato que havia, acabaram, o tempo integral aqui vai até duas da tarde. A escola deve ser um espaço com horário de fato integral, as creches devem ter horário estendido, por causa das mulheres e homens que trabalham até tarde, mas nós precisamos fazer da escola um espaço realmente de integração da comunidade. O que nós precisamos gerar, no combate ao tráfico, à milícia, à violência, são exatamente políticas públicas integradas, de todos os tipos, que gerem integração comunitária, oportunidade de trabalho, cultura, educação e cidadania para todo mundo.

Você já falou sobre cultura algumas vezes. Como a cultura pode ser um elemento de promoção da cidadania, de combate à desigualdade?
Eu tenho uma frase que diz: “a arte salva”. E é fato. Quer dizer, a arte e a cultura possibilitam uma mudança de relações humanas, de relações de afeto. Essa campanha eleitoral, esse momento que vai se viver das eleições municipais, para mim não é apenas uma disputa pragmática do voto, é uma disputa de perspectiva, de vida mesmo. Que vida nós vamos defender? Como vamos defender? Com que perspectiva de futuro? Que cidade de fato a gente precisa construir para que as pessoas se agridam menos e se solidarizem mais? Então a cultura, nesse sentido de valores, e ao mesmo tempo, de ter espaços de cultura, de integração, de formação, de produção, isso tudo é oportunidade, é integração, é mudança de afeto, é mudança de relações entre as pessoas.

Por fim, estamos na Cidade Olímpica. O que significa para o Brasil e para o Rio de Janeiro receber as Olimpíadas? E, quanto ao legado, eu gostaria que você comentasse os equipamentos criados para os jogos: como será o acesso dos jovens e da população em geral a eles?
Nós temos discutido muito isso. Primeiro, uma crítica que a gente faz ao processo de construção da Cidade Olímpica, é que foi o período de maior remoção de comunidades, mesmo se juntar todos os prefeitos. Algumas das famílias não tiveram nenhuma alternativa, outras tiveram alternativas muito frágeis, do ponto de vista da sua história, da sua vida. É muito ruim o que aconteceu, muito grave também. Segundo, foi uma construção que se fez sem olhar para um planejamento urbano real. Há PEUs (Projeto de Estruturação Urbana), que são áreas de preservação, sendo liberadas para especulação imobiliária. Foi uma construção feita sem observar o Estatuto da Cidade. O Plano Diretor da cidade do Rio é muito ruim, mas a questão da construção da Cidade Olímpica não tem nenhum vínculo com aquilo que se precisa para uma cidade democrática, comum. Ninguém pode ser contra o BRT, o VLT, a mudança da Praça Mauá, derrubar a perimetral, não é isso. O problema é discutir se é suficiente, se o que se gastou está dentro do parâmetro correto; e é preciso auditar, pois não há nenhuma transparência. Acho que o legado não é suficiente, é para alguns. E a sustentabilidade dos equipamentos, pelo que parece, também não foi pensada. Porque nenhum equipamento esportivo tem sustentabilidade apenas com esporte, tem que haver outras atividades para dar sustentabilidade a esses equipamentos. Então, qual é o planejamento disso que fica depois? Quem gere, com que atividades? Foram feitas obras no Rio de Janeiro que favorecem uma parte apenas da cidade, não são suficientes para o conjunto, com um gasto absolutamente oneroso e sem transparência. Mesmo o BRT, que todo mundo tem que ser a favor, já nasce saturado, porque a mobilidade não pode ser pensada apenas em vias expressas de ônibus. Então eu acho que o legado para a cidade não vai ser visível para a maioria da população.

E o legado poderia ser outro? Quer dizer, as Olimpíadas poderiam ser uma oportunidade? É bom para o Brasil, para o Rio de Janeiro receber os jogos?
Não tenha dúvida. É bom para o Brasil, é bom para o Rio, é bom para a imagem da cidade, para as divisas que você constrói, porque todo mundo gasta aqui… isso tudo é muito importante. No entanto, o mais importante para a cidade é o que fica, não é o evento em si. O evento em si é apenas o argumento para que você viabilize a cidade, e se você olhar para Barcelona e para o Rio de Janeiro você vai ver a diferença de institucionalidade, de planejamento e o que ficou lá, que atingiu a população inteira, e não apenas uma parte privilegiada dela.

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Comentários

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Alexandre Oliveira

03/08/2016 - 13h14

A sociedade carioca, com em outras ocasiões, já tem sua opinião a respeito da cidade do Rio de Janeiro : ” Não , mais uma vez , a Jandira Feghali” !


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