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Um novo tipo de ditadura já começou no Brasil

(Charge: Vitor Teixeira) A ditadura já começou por Luis Felipe Miguel, em seu Facebook Assim como sofremos um golpe de novo tipo, estamos vivendo o início de uma ditadura de novo tipo. Não será o regime de um ditador pessoal, até porque nenhum dos possíveis candidatos ao posto tem força suficiente para alcançá-lo. Não será […]

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(Charge: Vitor Teixeira)

A ditadura já começou

por Luis Felipe Miguel, em seu Facebook

Assim como sofremos um golpe de novo tipo, estamos vivendo o início de uma ditadura de novo tipo. Não será o regime de um ditador pessoal, até porque nenhum dos possíveis candidatos ao posto tem força suficiente para alcançá-lo. Não será uma ditadura das forças armadas, ainda que sua participação na repressão tenda a crescer. Provavelmente, muitos dos rituais do Estado de direito e da democracia eleitoral serão mantidos, mas cada vez mais esvaziados de sentido.

A ditadura se expressa no alinhamento dos três poderes em torno de um projeto claro de retração de direitos individuais e sociais, a ser implantado sem que se busque sequer a anuência formal da maioria da população, por meio das eleições. Entre muitos outros sinais de que ela já começou, é possível citar:

– A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no dia 22 de setembro, concedendo ao juiz Sérgio Moro poderes de exceção. Na prática, as garantias constitucionais ficam suspensas para qualquer um que seja alvo do juiz curitibano.

– A decisão do Supremo Tribunal Federal, do último dia 5 de outubro, de permitir o encarceramento de réus sem que os recursos tenham sido esgotados. Vendida como medida para impedir a impunidade dos poderosos, amplia o poder discricionário de um Judiciário que é notoriamente enviesado em suas decisões. Apenas como ilustração, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou em nota que mais de 40% de seus recursos ao STJ têm efeito positivo. É, portanto, um contingente muito expressivo de pessoas que começariam a cumprir penas depois consideradas injustas.

– Outra decisão do STF no mesmo dia permitindo que a polícia invada domicílios sem mandado judicial. (Na verdade, disciplinando decisão tomada em novembro do ano passado. Agradeço a Sylvia Moretzsohn pela lembrança.)

– O aumento generalizado da truculência policial, algo que vem desde o final do governo Dilma, estimulado pelo clima político de avanço da reação – e também pela legislação que o próprio governo Dilma aprovou.

– O rolo compressor das mudanças na lei e na Constituição, com o uso inaceitável do instrumento da medida provisória (como no caso do ensino médio) ou a ausência de qualquer debate, seja com a sociedade, seja dentro do próprio Congresso. A entrega do pré-sal e a PEC de estrangulamento do investimento público servem de exemplo: a “base governista” nem tentou fingir que não estava apenas cumprindo o ritual da aprovação parlamentar, sem qualquer engajamento em discussões com a oposição.

– O avanço da censura e a imposição da narrativa única pelos oligopólios da mídia empresarial, parceiros de primeira hora da ditadura em implantação. Isso se dá em várias frentes. Há o estrangulamento econômico dos meios de comunicação independentes. Há a intimidação das vozes críticas, da qual o exemplo maior são as inúmeras decisões judiciais que penalizam qualquer um que ouse falar sobre o ministro Gilmar Mendes. E há o cerceamento à liberdade de expressão nos espaços em que ela possa ocorrer, como faz o projeto Escola Sem Partido. A comissão especial criada para discuti-lo na Câmara dos Deputados é formada quase que exclusivamente por fundamentalistas cristãos e outros direitistas extremados. Uma ação no Supremo, contra a lei que foi aprovada em Alagoas, mas que barraria iniciativas similares no Brasil todo, está parada nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso.

– A volta da tortura a prisioneiros, com motivação política. O encarceramento por tempo indefinido, com o objetivo expresso de “quebrar a resistência” de suspeitos (pois nem réus são) e levá-los à delação, tornou-se rotina no Brasil e é uma forma de abuso de poder, de constrangimento ilegal e, enfim, de tortura. (E antes de que alguém lembre que a tortura a presos comuns nunca se extinguiu no Brasil, cabe ponderar que a extensão da prática em nada melhora a situação dos presos comuns; ao contrário, pode piorá-la.)

– A volta da perseguição política, com inquéritos farsescos contra alvos selecionados, com o objetivo de apenas encontrar justificativas para punições definidas de antemão. O cerco a Lula é o exemplo mais claro.

– A criminalização do PT e da esquerda em geral, alimentada pelos meios de comunicação empresariais e pelos poderes de Estado, com destaque agora para a campanha do governo Temer sobre “tirar o Brasil do vermelho”. A agressividade crescente dos militantes da direita, produzida de forma deliberada, tenta emparedar as posições à esquerda, progressistas e democráticas, ao mesmo tempo em que a cassação de registros partidários torna-se uma possibilidade mais palpável.

O novo regime busca hoje manter ao máximo a aparência de legalidade, mas a tendência é que caminhe para formas cada vez mais escancaradas de violência. Há uma razão simples para isso. Seu projeto é a confluência de quatro eixos: (1) entrega do patrimônio nacional; (2) ampliação da taxa de exploração do trabalho; (3) retrocesso nos direitos de grupos subalternos, com a reafirmação das hierarquias tradicionais (penso nas mulheres, na população negra, em lésbicas, gays e travestis); e (4) permanência das práticas de corrupção e de saque do Estado em favor da elite política reinante. Os eixos revelam o espectro de interesses diversos que se reuniram para a deflagração do golpe.

Trata-se de um projeto extraordinariamente lesivo para a grande maioria do povo brasileiro. Graças à baixíssima educação política da maior parte da população e à campanha incessante da mídia, para muita gente a ficha não caiu. Mas os efeitos da redução dos salários, do aumento do desemprego, do subfinanciamento do Estado e do desmonte dos serviços públicos logo se farão sentir de forma plena. Para conter a inevitável reação popular, será necessária uma escalada repressiva e restrições cada vez maiores aos direitos.

Diante deste cenário, de uma luta desigual e prolongada, o campo democrático brasileiro parte atrasado e sem clareza. As eleições municipais funcionaram e ainda funcionam como uma bela armadilha para colocar as forças de esquerda, progressistas e democráticas brigando entre si, enquanto os novos donos do poder nadam de braçada. É triste perceber a falta de visão e de grandeza que faz com que lideranças e militantes do PT e do PSOL prefiram puxar o tapete uns dos outros em vez de unir forças contra o inimigo comum; é triste ver um candidato de esquerda anunciando que a campanha no segundo turno será “municipalizada” e não tocará em questões nacionais; é triste ver como a energia que devia ser canalizada para a construção da resistência é desperdiçada no conflito interno.

Há muito o que criticar na trajetória das organizações de esquerda e suas lideranças – sobretudo do PT, que foi o principal partido durante décadas e exerceu o poder. Que o PT errou, todos sabemos. Mas a discussão, necessária, sobre seus erros e seus limites não pode impedir a unidade de ação contra o golpe e sua agenda. A expressão “Frente Ampla” está na boca de todo mundo, mas para muitos ela parece designar “somente eu e meus amigos”. Não. É uma frente, isto é, reúne uma diversidade de grupos. E é ampla: nela devem estar aqueles com quem eu divirjo sobre muitas coisas, desde que possamos agir juntos em relação a algo que concordamos que, no momento, é o prioritário.

E o prioritário é restabelecer a vigência das regras democráticas e impedir o recuo social. Se as lideranças da esquerda brasileira não entendem isso, não entendem nada.

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Comentários

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Carlos Henrique Gomes Dornelas

15/02/2017 - 17h15

Tem que colocar na cadeia já , agora , vc quer todos um Malufe ? então é melhor a ditadura

Vania da rosa

10/10/2016 - 15h02

https://rebeldesilente.wordpress.com/2016/10/09/marcha-para-brasilia-e-cerco-ao-palacio-do-planalto/
chega de conversa pelas redes! é hora de nós, povo, agirmos e não esperarmos por políticos!

Marcelo Reis

10/10/2016 - 08h26

Acho que vocês não sabem que o Código de Processo Civil foi reformulado em 2015. Nessa reformulação foi incluído um artigo que permite prisão em segunda instância. O julgamento da semana passada foi para decidir se esse artigo é ou não Constitucional. Nada mais.

Antonio Passos

10/10/2016 - 02h40

Enquanto se insistir com essa conversinha tola de que “o PT errou” tudo estará inviabilizado na defesa da democracia. Errou em que ? Ah em usar as mesmas práticas dos outros partidos. Pombas e daí ? Será que alguém acha que o PT chegaria ao poder organizando quermesses para conseguir fundos ? É claro que não, seria um outro PSTU e o povo estaria morrendo de fome até hoje. Então é preciso, neste momento de insanidade mental no país, abolir essa bobagem de usar o verbo “errar” de forma vaga e sem especificar qual é o erro a que se refere.

    Italo Rosa

    10/10/2016 - 06h34

    excelente observação. concordo totalmente com você. as pessoas foram amestradas (a palavra é essa mesmo) a se indignar seletivamente. o que sempre foi prática usual e tolerada (um exemplo específico: caixa dois em campanhas políticas), passou a ser motivo de ultraje e escândalo quando vinculado ao PT. o nome disso é cinismo (de quem amestrou – os mestres de marionetes) e burrice (de quem engoliu a mistificação – as marionetes). exatamente como na fábula A peste entre os animias, de La Fontaine, a que me referi aqui outro dia. O PT é um partido com um objetivo, o resgate social. No poder foi moderado, tanto que permitiu a articulação de sua derrubada por um golpe. As marionetes que vemos e ouvimos vomitando sua indignação conveniente e vesga não conseguem entender isso. Gostam de ser manipuladas, de terem um ditator a mandar e principalmente a reprimir as reivindicações do povo, que na visão da classes dominantes é um problema. você em poucas palavras sintetizou esse momento de insanidade trágica que vivemos.

    Antonio

    10/10/2016 - 14h32

    O PT errou na tarefa de salvar o pais dos fascistas neo liberais.

    savioli

    11/10/2016 - 23h08

    Esse é o comentário que eu queri ler. Perfeito.


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