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Um debate com o movimento social

(A Globo não disfarça. Seu empenho continua sendo o de criminalizar manifestações políticas, criando sempre uma narrativa de tumulto. Tumulto esse que, frequentemente, é fabricado pela própria polícia, por determinação de setores do governo aliados à… mídia. É um círculo maligno de poder, violência e manipulação que precisa ser constantemente denunciado). Arpeggio – Coluna política […]

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(A Globo não disfarça. Seu empenho continua sendo o de criminalizar manifestações políticas, criando sempre uma narrativa de tumulto. Tumulto esse que, frequentemente, é fabricado pela própria polícia, por determinação de setores do governo aliados à… mídia. É um círculo maligno de poder, violência e manipulação que precisa ser constantemente denunciado).

Arpeggio – Coluna política diária – 19/10/2016

Por Miguel do Rosário

Ontem eu tomei um banho de realidade e repasso a experiência a vocês.

Tive a oportunidade de participar, como convidado, de um debate no auditório do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro.

Estavam presentes representantes de sindicatos e organizações civis, um vereador, um deputado estadual, servidoras da EBC, fotógrafos ligados a movimentos populares.

Eu falei sobre esta enorme prisão política em que pretendem transformar o Brasil, cujos cães de guarda são os grandes jornais. Mencionei o aumento de recursos para a grande mídia, na contramão dos cortes para educação, saúde e programas sociais. Mas eu queria falar aqui menos das minhas ideias, que os leitores ouvem diariamente e já conhecem, e mais do que eu ouvi lá de pessoas que estão envolvidas profundamente com os movimentos sociais, articulando todos os tipos de luta que se possa imaginar contra o retrocesso e perda de direitos.

O golpe conseguiu produzir uma união política inédita junto à miríade ideológica que sempre existiu dentro dos movimentos sociais. A taxa de dissenção interna nunca foi tão baixa.

Há um entendimento mais claro de que a luta pela democratização da mídia se tornou central no processo de luta política, mas que ela, para ganhar densidade, precisa vir entrelaçada a todas as lutas sociais que, neste momento, estão acontecendo pelo país: na saúde, na comunicação pública, na educação.

A convergência de todas as lutas é um processo em curso, em ritmo acelerado.

Há consciência de que o impeachment da presidenta Dilma representou uma espécie de tomada da última trincheira de resistência da classe trabalhadora contra seus opressores e que hoje vivemos o equivalente àquela fase em que os exércitos inimigos derrubam os muros da cidadela e iniciam uma onda de violências e saques.

É realmente incrível como setores da elite brasileira, hoje apoiados exércitos lobotomizados da classe média, vêem a classe trabalhadora e seus interesses como inimigos a serem dominados, aniquilados, silenciados.

Havia duas jovens funcionárias da EBC e Mario Augusto Jakobskind, que integrava o Conselho curador da estatal.

Jakobskind é um veterano na luta por uma comunicação mais democrática no país, ou seja, por um setor público mais forte e mais independente, e um setor privado mais plural.

Tudo aquilo de que se acusava o governo Dilma, de aparelhar a EBC e usá-la para fins políticos, agora se vê acontecendo, com uma brutalidade impressionante, pelas mãos do governo Temer.

No governo Dilma, havia um Conselho curador, plural em sua composição, com pessoas de vários partidos e tendências ideológicas. Foi extinto pelo governo Temer por medida provisória, para que o poder fosse centralizado de maneira absoluta nas mãos da presidência da estatal.

A presidência da estatal tinha autonomia em relação ao governo, prevista em lei, como ficou claro com as dificuldades do Planalto para demitir Ricardo Melo. Isso também foi destruído. Agora a presidência da EBC não tem mais autonomia nenhuma. O presidente da instituição é um funcionário nomeado pela presidência da república.

O atual presidente da EBC, Laerte Rímoli, é um indicado de Eduardo Cunha. Foi diretor de comunicação da campanha de Aécio Neves, além de outras ligações com o PSDB. É mais do que uma indicação partidária. É um quadro partidário sem história no jornalismo, no movimento social, ou na luta por uma comunicação pública de qualidade, ao contrário de Ricardo Melo, um jornalista experiente e reconhecido.

Rímoli teve uma passagem como diretor de comunicação da Câmara dos Deputados, também como indicado de Cunha. Aliás, Rímoli é a prova viva da aliança entre Eduardo Cunha e PSDB.

Eduardo Cunha, por mais que a imprensa hoje o pinte como alguém perseguido pela Justiça, é o homem forte do governo federal. Michel Temer é Cunha. O presidente da EBC, Rímoli, é Cunha. E Cunha é PSDB e Globo.

Enquanto diretor de comunicação na Câmara, Rímoli perseguiu funcionários, e trabalhou da maneira mais inescrupulosa possível para transformar a comunicação da casa, até então minimamente democrática mesmo nas gestões presididas por conservadores, numa correia de transmissão dos interesses do golpe.

As primeiras medidas de Rímoli dentro da EBC foi um processo de demissão em massa de pessoas, não importando o seu nível de profissionalismo, que podiam ser identificadas com ideias progressistas. Demitiu até onde podia. A perseguição hoje continua dentro da área de jornalismo da empresa. A censura instalada na EBC hoje é total. Reportagens sobre a PEC 241, ocupação de escolas, ou qualquer pauta que possa suscitar críticas ao governo são censuradas na raíz. Não chegam ao público.

Dentro da EBC, em especial na área de jornalismo, correm listas físicas dos servidores considerados “perigosos”, ou seja, com ideias de esquerda. Nas listas, mencionam-se até os graus de periculosidade de cada um: muito, médio, baixo.

Entretanto, essas jovens servidoras da EBC demonstraram uma disposição para luta tão vigorosa, detêm uma coragem física e psicológica tão impressionante, que nos ajudam a entender porque e como aconteceram tantas belas revoluções no mundo.

A luta política no Brasil hoje, com um certo empurrão talvez do caráter tão horrendamente machista e classista do novo governo, composto apenas por homens, brancos, velhas raposas de partido, está fazendo emergir uma nova cultura política de resistência.

Ainda é uma cultura minoritária, por isso se chama resistência. Mas os movimentos sociais sabem que as ruas são deles, porque são eles que estão em todas as escolas, nas periferias, nas comunidades.

A consciência política do movimento social tem amadurecido a um ritmo proporcional à escalada do golpe, e os quadros institucionais e partidários que estão conseguido sobreviver são justamente aqueles que procuram ficar na vanguarda destas lutas.

Por exemplo, o PT, como se sabe, sofreu uma dura derrota eleitoral nestas eleições municipais. Os quadros que resistiram, porém, foram aqueles mais organicamente ligados a movimentos sociais. O vereador Reimont, do PT do Rio, é um exemplo disso. Todos aqueles petistas que há anos se afastaram das lutas sociais, que não são vistos nas ruas, nos encontros, nas reuniões, foram eliminados pelas urnas. Reimont se reelegeu. E estava lá, ontem, no Sindicato dos Jornalistas, oferecendo seu mandato para as lutas do movimento social pela democratização da mídia.

Waldeck Carneiro, deputado estadual pelo PT, também compareceu a nosso debate pela democratização da mídia. Em sua intervenção, acusou o próprio partido de ter negligenciado a luta da comunicação. “Foi o principal erro dos governos Lula/Dilma”.

Esses quadros são setores minoritários dentro do próprio partido, onde até hoje, mesmo com o golpe, mesmo com a derrota eleitoral, há uma maioria que permanece confortavelmente desconectada do cotidiano de lutas do movimento social: não participam de nenhum debate, não organizam nenhum debate, não promovem nenhum tipo de interação com a sociedade, não compram nenhuma briga, não oferecem nenhum tipo de análise sobre a conjuntura.

Ainda na reunião de ontem, ouvi relatos bastante preocupantes sobre a violência da PM contra manifestantes por parte de fotógrafos independentes (no Rio, existem muitos fotógrafos independentes, que trabalham para organizações, centros de pesquisa, ou que prestam serviços à imprensa tradicional, mas sem maiores vínculos).

Um fotógrafo presente à reunião de ontem pediu a palavra para falar sobre os incidentes ocorridos na véspera, na Cinelândia, onde houve uma manifestação grande, com mais de 1.500 pessoas, contra a PEC 241 e os retrocessos.

Tentarei resumir sua fala de memória:

– Eu estava trabalhando ontem, tirando fotos da manifestação, que tinha umas 1.500 pessoas, e não cinco mil como disseram. [Observe que a matéria da Globo, ao contrário de seu habitual, procura inflar o número de manifestantes, dando como fontes “algumas das entidades sindicais ou estudantis presentes”]. Mas 1.500 é um número grande, enche a Cinelândia e a rua de gente. Em primeiro lugar, notei uma coisa estranha na própria convocação do encontro no Facebook: ele teve mais 18 mil pessoas se dizendo dispostas a participar. Esse é um número excessivo para esse tipo de manifestação no Rio, ainda mais essas orgânicas, em que acabam indo mais pessoas do que as que inscritas no Facebook. Pode ser que esteja em curso nova tentativa de inflar manifestações com o objetivo que vou dizer agora. Em 2013, houve muita discussão sobre o papel dos black blocs. Naquela ocasião, havia muitos black blocs de classe média, filhos de gente do ministério público e tudo. Os de hoje são realmente pobres, muitos pedem dinheiro para voltar para casa. Ainda sim, em 2013, havia sempre uma quantidade pequena deles, embora barulhenta. Ontem havia uns 50 black blocs, muito acima de seu número habitual. Todos garotos humildes, mas usando com máscaras de gás que custam 300 a 500 reais. Como eles compraram esse equipamento? Pode-se observar ainda que há sempre um adulto coordenando eles.

Quando a manifestação segue pela Avenida Chile, aproximando-se do BNDES, o policiamento caiu estranhamente. Foi uma coisa que me lembrou também um episódio emblemático em 2013, que foi a depredação da Assembleia Legislativa do Rio. Eu fazia fotos em 2013 também, comecei a cobrir manifestação ali e estava lá. Havia câmeras já posicionadas no alto da Assembléia para capturar as imagens. O policiamento esvaziou-se de repente nas proximidades da Assembleia. Formou-se uma rodinha de fogo no vão da assembléia, que forneceu imagens perturbadoras à grande mídia. Ontem, a mesma coisa. Havia uns rapazes esvaziando extintores de incêndio no alto da passarela que dá para a avenida chile, na cara dos policiais, que não faziam nada. Na frente da manifestação, havia muitas bandeiras de partido, em especial do PSOL. Daí eu acho que pode ter havido inclusive uma manipulação para prejudicar a campanha do Freixo, associando-o à baderna.

[Neste momento, um participante da reunião, um homem de teatro, pediu a palavra e informou que o ator Claudio Botelho, que ganhou notoriedade com o chilique histérico golpista que deu num teatro em Belo Horizonte, postou no Facebook uma foto da manifestação na Cinelândia, publicada pela grande imprensa, cheia de fumaça das bombas de gás lacrimogênio, acrescentando um monte de xingamento contra “baderneiros com bandeiras vermelhas”, etc. O mesmo participante disse que os mascarados faziam a pichação olhando para um bilhete nas mãos. Não eram mensagens orgânicas, que ele soubesse de cabeça. Era um serviço encomendado, opina ele].

O que houve então foi o seguinte. A PM começou a jogar bombas de gás lacrimogênio nos manifestantes, até então pacíficos [um amigo meu que trabalha no BNDES, ali em frente, confirma esta informação]. Estes correm na direção da Cinelândia. Ao chegarem lá, havia um batalhão esperando-os, e que também os atacou com bombas, provocando ainda mais desespero e confusão. Aí as pessoas que estavam no bar Amarelinho, ali em frente, observando aquela situação absurda, começaram a protestar em voz alta. Daí aconteceu uma infâmia. Um psicopata vestindo uniforme da PM sai das fileiras do batalhão e invade o Amarelinho distribuindo agressões, em especial contra uma idosa que vaiava. Na escala da covardia, ponha a nota máxima!

[A agressão da PM a pessoas no Amarelinho, alguém lembrou, é uma coisa inédita. Nem mesmo no auge das tensões de 2013 houve um descontrole assim por parte da polícia militar do Rio. Nenhum dos agredidos no Amarelinho era “black bloc”].

Após esse relato, a gente comentou recente post do Nassif, que fala dessa tentativa do governo federal e das forças da direita (o governo de SP já começou a fazer isso) de envolver o exército no trabalho de segurança pública, o que naturalmente é um perigo, pois o exército trabalha com o conceito de inimigo a ser aniquilado.

Assim como em 2013, a direita tenta manipular protestos populares de duas maneiras diferentes: uma delas é aumentando a repressão, inclusive com aumento desenfreado de espiões e infiltrados, outra é através de provocadores, que incitam a violência para instigar e justificar a repressão e desestimular a participação de pessoas comuns nesse tipo de manifestação.

Um dos participantes da reunião, um colega nosso de Curitiba que trabalha no Rio, teceu longos comentários sobre o avanço das igrejas evangélicas nas periferias e comunidades, tomando o voto que antes era destinado aos partidos de esquerda. Ela lembrou que parte da culpa deve-se aos próprios partidos, em especial o PT, que abandonou, por um cálculo político absolutamente cretino, seus núcleos de base, deixando as comunidades vulneráveis a todo o tipo de populismo despolitizante e reacionário das igrejas.

– Estou vendo a esquerda brasileira se transformar numa “esquerda árabe”. Explico: em minhas viagens a países árabes, conversando com militantes de esquerda, o problema apontado por eles é que havia ficado inviável enfrentar o islã político porque a população pobre não entendia mais a separação entre o islã religioso e o político. Se você era contra o islã político, é porque você era contra a religião. E a população se vê compelida a apoiar o Islã política como forma de demonstrar o seu respeito pela religião. Hoje está acontecendo isso nas periferias. A esquerda está sendo afastada porque ela é apontada como não-religiosa pelas lideranças políticas dessas igrejas. Em Curitiba, além da Record, agora a CNT foi tomada por programas religiosos hard. É o dia inteiro de pregação e lavagem cerebral. Eu acho que boa parte do golpe deve ser explicada por esse fator. Eduardo Cunha é um quadro evangélico.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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mallory white

19/10/2016 - 14h51

Que absurdo! O Rio tem que investir em segurança! Crivella tem uma proposta que diz: A PM formará duplas com a guarda municipal, trabalhando em 16 pontos integrados para melhorar a segurança na cidade.


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