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Ponciano: Trump e a escalada fascista

Trump e a escalada fascista do século XXI Por Roberto Ponciano, exclusivo para o Cafezinho A loucura nazifascista custou 50 milhões de mortos. Em comum, no início do século XX e no início do século XXI, a despreocupação de grandes parcelas da esquerda com o iminente perigo do fascismo. Tão iminente que já temos um […]

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Trump e a escalada fascista do século XXI
Por Roberto Ponciano, exclusivo para o Cafezinho

A loucura nazifascista custou 50 milhões de mortos. Em comum, no início do século XX e no início do século XXI, a despreocupação de grandes parcelas da esquerda com o iminente perigo do fascismo. Tão iminente que já temos um presidente, da Ucrânia, que tomou o poder através de um golpe de ultradireita e assume de forma aberta a ideologia fascista. E com candidaturas de extrema-direita ganhando força e fôlego pelo mundo.

Isso no centro da pior crise da história do capitalismo, uma crise que não é mais cíclica, mas crônica, já que o capitalismo não consegue se reproduzir minimamente como processo civilizatório viável para a maioria da humanidade. A escalada do fascismo, uma solução de poder pela força, histeria coletiva e perseguição implacável a qualquer tipo de oposição, não é apenas um pesadelo surrealista nostálgico, mas uma possibilidade concreta neste século.

Lênin, Trotsky e Gramsci nos esclareceram que o fascismo é o partido extremo da burguesia que, em momento de crise de hegemonia, abre mão das garantias constitucionais democráticas e mantém o controle através da força bruta direta. Rosa Luxemburgo, por sua vez, com o dístico “Socialismo ou Barbárie”, alertou que em momentos de crise a reação dos poderosos podia se traduzir em força bruta repressiva, prisão e a morte para os trabalhadores.

A escalada fascista não é uma questão apenas de geopolítica, como alguns teóricos de esquerda avaliam, porque Putin não é Lênin e a Rússia contemporânea não se parece em nada com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Putin representa uma Rússia que é, claro, player importante na geopolítica mundial, membro dos BRICS e contrapeso importante na para a monopolaridade, inclusive militar, dos Estados Unidos. Putin, contudo, é também a continuidade da contrarrevolução, representante da nomenklatura que tomou de assalto, da noite para o dia, os meios de produção da antiga URSS. Os antigos líderes do Partido Comunista, em grande parte, tornaram-se novos milionários e bilionários donos das empresas russas. Putin não é Ieltsin, o entreguista pró-Ocidente, mas representa estes interesses neo-capitalistas na Rússia. Mesmo que tenha apoio do PC russo, está longe de ser representante do movimento socialista ou progressista. Certos analistas de esquerda congelaram os símbolos e confundem Putin com Lênin e o papel da Rússia atual com o antigo movimento comunista internacional. As análises e expectativas de Putin não são as análises e expectativas dos movimentos sociais progressistas do mundo.

Isto posto, restringir a análise da eleição americana à dinâmica de uma nova geopolítica, na qual haveria uma probabilidade menor de os Estados Unidos sejam dominantes, é um erro. Não se deve levar em consideração o vazio das promessas eleitorais de Donald Trump – como focar na geração de empregos dos Estados Unidos. Até porque todo presidente eleito nos Estados Unidos dirige o seu primeiro mandato a resolução das questões domésticas e, se for reeleito, aí sim tenta executar de fato seu programa para a política externa. Os governos Bush sênior e júnior, o governo Reagan, o governo Nixon, por exemplo, foram menos intervencionistas do que os governos dos democratas? E as duas Guerras do Golfo? E o escândalo Irã-Contras? E o investimento pesado de Reagan para destruir o Socialismo Real? E o golpe no Chile em 1973? Os republicanos golpeiam, invadem, conspiram. A ideologia de supremacia branca de Trump não me faz vislumbrar dias melhores para a humanidade sob um novo governo republicano nos Estados Unidos.

E o mercado?

Outro argumento rebaixado é o de que Trump não é o candidato do mercado. Wall Street apostou suas fichas em Hillary, mas vai, rapidamente, recolocar suas fichas no novo senhor da guerra. Aliás, a ideologia xenófoba, supremacista, belicista, imperialista de Trump se ajusta muito bem ao mercado da guerra.

Os afagos entre Trump e Putin cessarão tão logo os falcões republicanos passem a comandar os interesses da indústria da guerra. Neste papel, Trump não só é inconciliável, numa relação de estabilidade contra a Rússia, como é mais imprevisível. Numa ideologia de supremacia belicista, o mundo inteiro corre risco. Se assumir o papel de xerife do Ocidente, Trump pode alavancar o mercado, administrar tensões internas através de uma aprofundada política imperialista e justificar cada vez mais todo tipo de intervenção geopolítica. É indigesto o “otimismo” em relação ao governo Trump.

Saindo do truísmo de que Hillary e Trump são “imperialistas” [Chamberlain e Churchill eram imperialistas, mas alguém nega as diferenças entre eles e a importância da ascensão de Churchill para o esforço de guerra e a vitória dos aliados?], efetivamente, os votos de um e de outro internamente apontam para diferentes movimentos e forças políticas dentro dos Estados Unidos. Hillary teve 90% dos votos dos negros (93% das mulheres e 86% entre os homens) e de cerca de 63% entre os latinos. O processo de eleição dos Estados Unidos, cujo objetivo é manter indefinidamente um bipartidarismo com bem pouca diferença ideológica entre os Partidos Democrata e Republicano, explica porque a diferença dos votos, com a maioria entre os negros e imigrantes votando no Partido Democrata, não deu a vitória à Hillary. Em que pese Hillary representar uma fração hegemônica da classe dominante dos Estados Unidos, teve o voto dos mais fragilizados e dos que compõem grande ou maior parte do proletariado dos EUA. Representando minimamente, e internamente, políticas de integração para negros, latinos, gays, imigrantes e mulheres.

O fato de que a boa parte dos votos de Trump advirem de homens brancos, trabalhadores e desempregados que, um dia, já compuseram a classe média empregada não o transforma numa liderança do proletariado. Grandes massas sem renda garantida são facilmente iludidas com sonhos e promessas de glórias passadas ou futuras. O fascismo, na Itália, lidou com isso. O nazismo na Alemanha também foi um movimento de massas com grande adesão dos desempregados e boa parte das pessoas mais pobres e desvalidas. Tudo isso, é claro, aplaudido e sustentado pelas classes médias daqueles países, àquela época. Este mesmo recorte de classe existe no movimento protofascista de Trump. A propaganda da Supremacia Branca, o apoio da Klu Klux Klan e do próprio Partido Nazi Americano (ANP), o alento dos desesperados, a misoginia e o machismo, o racismo, o etnocentrismo, o preconceito contra os imigrantes, a propaganda da supremacia do cristianismo como religião única (até com promessas de expulsão dos muçulmanos dos Estados Unidos), este caldo de cultura não é estranho aos Estados Unidos. Já ocorreu uma vez como ideologia de Estado no Macarthismo e tem encontrando terreno fértil para ressurgir com Trump. E, não, isto não traz nada de bom nem para os trabalhadores nos Estados Unidos, nem para os trabalhadores no mundo.

Internamente, este modelo um atraso e uma ameaça para socialistas, liberais, comunistas, anarquistas, intelectuais progressistas que serão tratados como os “culpados pelo fracasso do sonho americano” (assim como Hitler fez na Alemanha e Mussolini na Itália, ou McCarthy no próprio Estados Unidos). Os movimentos negro, gay, feminista, ambientalista, todos os movimentos progressistas serão perseguidos e (mais ainda) monitorados. Podem vir tempos de sanha persecutória de Estado. Externamente é ainda pior, é a senha para o avanço dos Le Pen, Fujimori, Bolsonaro e de todos os movimentos protofascistas e de extrema-direita pelo mundo.

Não tem emprego? A culpa é dos socialistas e outros anticapitalistas que não acreditam na fé do livre mercado. Prender uns comunistas, expurgar alguns partidos, reduzir liberdades, perseguir imigrantes e administrar as tensões em guerras imperialistas garantirá a vitalidade do capital por um bom tempo. O espetáculo brutal que é o fascismo precisa de demônios vivos, de inimigos públicos. Ganhará força a “escola sem partido”, a destruição do Estado laico e a perseguição aos partidos e a militância de esquerda em geral.

Trump é um perigo maior porque representa a ascensão do fascismo em escala internacional. Quando Hitler e Mussolini começaram suas escaladas, os social-democratas e comunistas na Alemanha e na Itália estavam muito ocupados a brigar entre si e desdenharam da força do fascismo. Para a grande maioria da intelectualidade e defensores das liberdades democráticas, Hitler e Mussolini eram farsas históricas que não se sustentariam. Seus governos foram longos e só terminaram com a derrota na guerra – que custou 50 milhões de vidas.

O fascismo novamente levanta a cabeça. Enquanto isso, há gente que comemora a vitória de Trump mesmo na esquerda brasileira. Precisamos, sim, fortalecer a grande frente antifascista no Brasil e em todos os países; entender que esta ameaça é real; organizar a luta para resistir contra ela. O ovo da serpente já chocou!

Roberto Ponciano é diretor da Executiva da CUT-Rio, Mestre em Filosofia, Mestre em Letras Neolatinas e Especialista em Economia e Sindicalismo

Colaborou: Henri Figueiredo – jornalista.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Maicon Lopes Ferreira

18/08/2018 - 15h24

Existe muita banalidade escrita e dita ser fascismo.
Acredito que esse artigo nos ajuda a entender melhor o tema:

http://teoriaerevolucao.pstu.org.br/o-fascismo-e-o-brasil/

Antonio Passos

14/11/2016 - 15h52

O mais incrível é que a tragédia não é Trump, mas sim o que moveu o voto nele. Na prática com Trump nasceu uma tênue esperança de um diálogo com a Rússia, neste momento em que a guerra estava iminente. Porque em matéria de mortes e destruição, acho que só Hitler e a primeira guerra superam o que os EUA têm feito nos últimos 25 anos. Com aval, apoio e colaboração dos Clintons.


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