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Marcos Nobre: O futuro dos partidos

Por Theo Rodrigues, colunista do Cafezinho “Ou se aprofunda a democracia ou vence a barbárie”. É assim que o professor Marcos Nobre lê a conjuntura política. E está correto. Nos últimos tempos, Nobre vem alertando sobre o enorme distanciamento criado entre os partidos políticos e a sociedade civil. Como alternativa, o filósofo propôs a criação do […]

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Por Theo Rodrigues, colunista do Cafezinho

“Ou se aprofunda a democracia ou vence a barbárie”. É assim que o professor Marcos Nobre lê a conjuntura política. E está correto.

Nos últimos tempos, Nobre vem alertando sobre o enorme distanciamento criado entre os partidos políticos e a sociedade civil.

Como alternativa, o filósofo propôs a criação do movimento “Quero prévias”.

Já tive a oportunidade de comentar aqui no Cafezinho sobre o meu entusiasmo com a ideia (Quero prévias: um movimento para abrir as portas da política).

Acredito que esse pode ser um caminho a ser trilhado ao longo de 2017 para a reaproximação entre os partidos e a sociedade.

Em texto publicado no Valor Econômico de hoje, Nobre reafirma sua convicção.

A avaliação é certeira. Espero que a proposta de solução também seja.

Leia abaixo a íntegra do texto de Marcos Nobre:

O futuro dos partidos

Por Marcos Nobre

A cúpula do Partido Republicano fez de tudo e mais um pouco para evitar que Donald Trump se tornasse o candidato à presidência. Viu o partido ser invadido e tomado por um outsider, sem conseguir impor um nome menos hostil. A máquina partidária perdeu o controle do processo. Mas venceu as eleições presidenciais.

A máquina do Partido Democrata não queria que Bernie Sanders vencesse Hillary Clinton na disputa pela indicação. Como no caso do Partido Republicano, também cerca de 30 milhões de pessoas participaram das primárias democratas. Em uma disputa acirrada, a cúpula usou a carta na manga dos chamados superdelegados para fazer prevalecer sua posição. A máquina se impôs. Mas o partido perdeu as eleições presidenciais.
Os EUA realizam primárias para a escolha de suas candidaturas presidenciais há muito tempo. A novidade são os movimentos de massa em favor de candidaturas inteiramente avessas às pretensões das cúpulas partidárias. Esse movimento não se restringe aos EUA, mas é uma tendência que vem se consolidando nos últimos anos em diferentes partes do mundo. Milhões de pessoas que veem nas disputas internas aos partidos políticos apenas um jogo de cartas marcadas decidiram atropelar os conchavos de sempre para defender posições que desafiam o poder das cúpulas.
Isso aconteceu na escolha de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista inglês, em 2015, por exemplo. Experiências como as do Podemos, fundado na Espanha em 2014, ou do Syriza, fundado na Grécia dez anos antes, trilharam o caminho de tentar abrir as estruturas existentes antes de se institucionalizarem como partidos – plataforma de diferentes grupos, partidos e organizações. A partir de 2011, a Argentina começou a realizar primárias abertas, simultâneas e obrigatórias. Em outro modelo, o Chile fez o mesmo a partir de 2013. A direita francesa acaba de realizar com sucesso primárias para a escolha de seu candidato à eleição presidencial do ano que vem.
Pode parecer ficção científica para quem se tornou adulto a partir da década de 1990, mas no Brasil partidos já estiveram presentes na vida cotidiana das pessoas. Estruturas partidárias chegavam ao nível local, eram espaços abertos à elaboração de experiências e a diferentes formas de organização coletiva de ações e intervenções. Hoje, os partidos não estão mais na vida cotidiana das pessoas. As igrejas de diferentes denominações religiosas estão. Algumas organizações sociais que ainda conseguem manter as portas abertas também.
Partidos deixaram de ser braços da sociedade no sistema político para se tornarem braços do Estado na sociedade. Partido passou a ser sinônimo de partido no poder. E partido no poder chega na base da sociedade como escola, como posto de saúde. Quando a vida vai de mal a pior, partido é a escola que não funciona, é o posto de saúde precário, é o transporte de péssima qualidade, é o emprego que não aparece. É aí que secundaristas ocupam suas escolas, por exemplo. Para fazê-las funcionar. Não querem nem ouvir falar de partidos.
A primeira reação do raciocínio político convencional a esse estado de coisas costuma ser: basta votar na oposição na próxima eleição. Só que esse raciocínio ignora que a rejeição generalizada aos partidos é a recusa de uma política oficial apartada do cotidiano das pessoas. Em uma galáxia histórica muito distante, partidos canalizavam afetos, funcionavam como transformadores da raiva, do ódio e da frustração em energia política institucional. Hoje, não fazem mais do que tentar conter explosões de insatisfação. Na maioria das vezes, a única resposta que encontram é repressão policial. O que só reforça o círculo vicioso da rejeição à política institucional.
O raciocínio político convencional pode até aceitar que existe um divórcio duradouro e grave entre sociedade e sistema político. Mas, no mais das vezes, conclui daí que a saída é esperar passar o efeito da segunda chicotada da crise econômica mundial desencadeada em 2007, agravada no Brasil por uma crise política em estado crônico há já algum tempo. Passada a crise, o sistema político voltaria a funcionar como antes, os partidos como braços do Estado, o eleitorado como cliente de serviços e políticas públicas. Afinal, não haveria alternativa aos partidos como instrumento da sociedade no sistema político.
Pensar assim é miopia das mais graves no terremoto atual. Deixar tudo como está para ver como é que fica significa colocar em risco a própria democracia. Quando dar de ombros para a política institucional se torna a regra, quem consegue canalizar o ódio social para dentro do sistema político é quem joga contra as instituições democráticas, é a extrema direita. A alternativa hoje é entre aprofundar a democracia ou barbárie. É uma alternativa entre a mera vocalização da raiva e do sofrimento social pela extrema direita ou o aprofundamento da democracia, com a (re)abertura dos partidos para o cotidiano das pessoas.
É muito mais fácil dizer isso do que fazer. Porque significa que as cúpulas partidárias terão de colocar em jogo o controle que hoje têm em nome da própria sobrevivência dos partidos em condições democráticas. Partidos não apenas terão de aceitar ser atropelados pela massa cidadã que os vê hoje com desconfiança e mesmo com desprezo. Terão de se empenhar em convencer essas pessoas a atropelá-los, se não quiserem se tornar irrelevantes. O máximo a que cúpulas partidárias podem aspirar é perder o controle de maneira relativamente controlada.
Nos EUA, a cúpula do Partido Republicano está agora lutando para enquadrar Trump na lógica da política mainstream de Washington. A negociação dificilmente terminará com a rendição do presidente eleito, que tem de responder a um eleitorado que votou nele contra essa mesma lógica de Washington. O Partido Democrata está sob severo ataque por parte da enorme massa de pessoas que viu a maioria conquistada por Bernie Sanders sequestrada pela cúpula. Perseverar na mesma atitude é hoje apostar em uma progressiva irrelevância do partido. Não só nos EUA.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
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Theo Rodrigues

Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.

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Comentários

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Fernando Nóbrega de Andrade

06/12/2016 - 11h01

Nunca os partidos estiveram tão distantes, como já exposto pelo professor, talvez pela grande repulsa por parte dos eleitores diante de tantas denúncias sobre corrupção ou alguns fatos ainda obscuros que não se tornaram público.

O velho sistema sempre vai triunfar se continuar a velha evidência de que o “brasileiro tem memória curta” e faltou muito nas aulas de história, (mas também aulas de história não foram assim tão boas).

A eleição de Donald Trump só foi concretizada, de acordo com a “pós verdade”, a palavra do ano, (nesta época de modas e tendências). Um perigo maior para nós brasileiros, pelo que se constata nas redes sociais, adoramos uma fofoca, nos remetendo ao um passado recente, os tempos idos de salão de beleza, não desmerecendo os profissionais da área e sim seus clientes na grande maioria “mal informados”.

Hoje, na era da tecnologia não podemos mais falar sobre desinformação ao contrário, há um excesso de informação uma enxurrada de verbetes, que a mídia domina e manipula muito bem e o resultado está aí, o povo brasileiro servindo de massa de manobra, para os oportunistas de plantão. (A história se repete) Agravado pela oportuna e descabida grande parte da mídia, emissoras de tv e rádio, jornais e revistas, portais de internet sob o controle acionário que está nas mãos de políticos, manipulando, doutrinando, catequisando o povo, transformando no tão bem descrito por Zé Ramalho “Admirável Gado Novo”.

A aproximação dos partidos políticos com a população se dá de acordo com interesses próprios, as vezes de ambas as partes, principalmente nas épocas de eleições, que nos remete novamente à um passado não tão distante, o velho, doente e caquético, mais ainda forte Coronelismo.

Um governo deveria se concentrar em sua atividade fim, o bem estar social, propagandas de governo devem ser suas ações, para garantir este bem estar social, obviamente, todos os setores devem estar alinhados.

Não seria este um caminho para os partidos políticos, primeiro provarem suas intenções e promessas, com projetos já implantados e comprovadamente eficazes de serviços públicos, para que servem suas Fundações? (nós sabemos!) Se têm tanto dinheiro e recursos para bancar campanhas milionárias, porquê não investir em bens e serviços públicos, quer aproximação melhor do que esta, acredito que seria muito bom para a grande maioria da população, melhor do que os abraços, beijos e promessas vazias eleitoreiros.

Um país grandioso, cheio de recursos, naturais e humanos, estrategicamente posicionado na geopolítica, nada vale se o pensamento de seu povo ainda for de Colônia de Província.

Talvez ainda nos falte, o bem maior que um povo poderia ter, Educação.

Não sou um especialista de nenhuma área, nem um cientistas, muito menos um candidato a nada.

Simplesmente não sou burro.

Robson

06/12/2016 - 01h25

É uma situação complicada tanto para os partidos “bancada de negócios” como para as siglas ideológicas, os primeiros simplesmente perderiam o poder e o segundos, ou seriam transfigurados pelo maior envolvimento popular, que não obedece ideologias, ou seriam condenados a irrelevância, nesse cenário é certo a hesitação dos partidos em tomar medidas que tornem suas estruturas mais horizontais, assim como é certo o crescimento da extrema-direita, cuja a ideologia é basicamente uma politização e radicalização do senso comum.

Torres

05/12/2016 - 22h48

Por mim, todos os partidos poderiam acabar.
não confio em nenhum.

Alcebiades Abel Filho

05/12/2016 - 21h32

A sociedade esta aprendendo que existe uma outra maneira de fazer política: sem os partidos políticos. O distanciamento dos partidos em revindicar os verdadeiros anseios da população, provocou um despertar de consciência política jamais vista neste país. O povo na rua é que vai determinar o modelo político que sera capaz de atender suas necessidades. Até parece utopia mas estamos em direção a um novo paradigma.

Robson

05/12/2016 - 18h21

É muito complicado, tanto para os partidos “bancadas de negócios” como para as siglas ideológicas, enquanto os primeiros simplesmente perderiam o controle, os segundos ou seriam transfigurados pela vontade popular, que não respeita posições ideológicas, ou estariam destinados a irrelevância, em um cenário como esse, é certa a hesitação dos partidos em tomar medidas que os tornem mais horizontais, assim como também é certo o crescimento da extrema-direita, que é, basicamente, uma politização do senso comum.

Charles

05/12/2016 - 18h14

Não sei se o professor esqueceu de citar, faltou espaço, ou simplesmente ignorou, mas o maior e principal problema de representação dos partidos na vida das pessoas está na presença do dinheiro na política. Enquanto candidatos, partidos, governos e instituições políticas não criarem métodos novos de bloquearem ou diminuírem o financiamento privado de doadores mais ricos, e a presença de lobbies de grandes empresas na política, qualquer um com discurso fácil vai chegar no poder, cometer os mesmos erros do chamado “establishment” e o ciclo se reiniciará. E apenas prévias não muda isso.

Veja o caso das recentes eleições nos EUA. Bernie Sanders, além de seu discurso à esquerda, impôs limites de doações a campanha dele de até no máximo 2,700 dólares, com a média de doações em 27 dólares, e recusando completamente a participação de grandes doadores e super ricos. E o lado progressista e socialista do país amou aquilo, tanto que ele bateu recordes de arrecadação. Se não fosse as trapaças do Comitê Nacional Democrata para impor Hillary na garganta de todos, ele teria ganho as prévias, e a eleição com folga. Durante as prévias por exemplo, Sanders ganhou em estados cruciais que Hillary perdeu. Trump foi outro que se vangloriava que estava financiando sua campanha principalmente com recursos próprios, apesar de ser mentira, pois ele teve sim muitas doações de super doadores, mas o discurso que ele pregou ressonou com a base dele. Ao contrário dos dois, Hillary e a mídia amigável a ela estavam celebrando de que ela estava arrecadando muito mais de grandes doadores do que Trump, inclusive doadores republicanos. Hillary só teve votos para ela porque Trump era uma alternativa pior.

Como o artigo disse, a extrema-direita aproveita o ataque as instituições democráticas para chegar ao poder, mas também não nos enganemos. Quando eles chegam lá dificilmente ficam, pois seu discurso é principalmente demagogia e não ações. De fato, a maioria quando chega demonstra incompetência para o cargo, e replica as mesmas práticas que tanto atacou em campanha, e essa traição bate mais forte na base deles.

Por isso, não é apenas essa solução de prévias que vai salvar o nosso problema de representação. É uma revolução completa no conceito de democracia. A democracia representativa ocidental moderna está quase morta e qualquer forma de remediar em suas condições atuais, é apenas ganhar alguns minutos a mais de vida. Uma das bases dos Estados modernos era a separação entre a igreja e o estado. Pois uma nova base deve ser criada, que faça a separação entre a igreja, o estado E o dinheiro. E se os partidos quiserem ter algum futuro antes que o fascismo tome por completo, eles devem estar entre os pontas-de-lança de novos conceitos.


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