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A ‘gestão privada’ aparece, mas só para eleger o culpado

Espiando o poder: análise diária da grande imprensa Foto: Marlene Bergamo/Folhapress Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho No terceiro dia de ampla cobertura nos três principais jornais do País sobre o caso, o Estado de São Paulo publica, enfim, logo na manchete: “gestora de presídio cobra R$ 4,1 mil mensais por preso”. Surge na grande mídia, […]

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

No terceiro dia de ampla cobertura nos três principais jornais do País sobre o caso, o Estado de São Paulo publica, enfim, logo na manchete: “gestora de presídio cobra R$ 4,1 mil mensais por preso”. Surge na grande mídia, com atraso de no mínimo três dias, a informação de que o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde 56 detentos morreram, metade deles decapitada, foi entregue à iniciativa privada. Mas nada que fique mal pra imagem da privatização em si, do Estado mínimo tão caro ao poder em geral, jornalões inclusive. “Amazonas paga a empresa privada quase três vezes mais do que o custo de um detento em São Paulo”, diz o subtítulo da manchete do Estadão, e assim o leitor é informado de que a culpa, muito provavelmente, é de um estado específico, que não é, não, longe disso, não é o berço do PCC, principal agente provocador da barbárie. E se a Folha de São Paulo ignora pela terceira edição seguida a tal da gestão privada, colabora com a eleição do culpado (assim como faz o Globo na manchete e na chamada) publicando em destaque, na primeira página, a foto acima, em cruel ironia com a “homenagem do governo do estado do Ama..” que dá pra ler na fita da coroa de flores em cima do caixão, diante dos parentes e amigos das vítimas.

A manchete do Globo fala que “PF sabia de ameaça de massacre em Manaus”. No subtítulo, classificado logo como “chefe da instituição”, o “ministro da Justiça afirmou em entrevista que o governo do Amazonas tinha conhecimento de que presos tentariam fugir.” Na chamada dentro da manchete, o jornal conta no título que “gestor subcontratou firma do mesmo dono”, e confirma embaixo, deixando também de esconder o assunto, que, “gestora da prisão, a Umanizzare já recebeu R$ 800 milhões e contratou firma do mesmo dono”.

O Estadão diz na abertura da matéria ganhadora da manchete que “com presos que custam mais do que em outros Estados, as unidades prisionais administradas pela empresa Umanizzare no Amazonas apresentam ‘descontrole de segurança’ e ‘ineficiência de gestão’, segundo relatório do Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas (MPC-AM)”. Um pouco adiante, Sérgio Fontes, secretário de Segurança do Amazonas, “também avaliou a gestão terceirizada das cadeias do Amazonas, pedindo uma revisão contratual”.

A culpa não é da privatização nem do governo federal, mas da má gestão de um governo específico, estadual, o que Míriam Leitão também deixa entrever mesmo quando afirma, na chamada de capa do Globo, que “massacre é sintoma de doença mais ampla”. “O problema é a vastidão amazônica, em que há 11 mil quilômetros de fronteiras do Brasil com os vizinhos”, diz a colunista na abertura do texto, para adiante contar que “o aumento da complexidade do crime na região Norte vem ocorrendo há algum tempo”.

“Em 10 anos, de 2004 a 2014, o número de homicídios cresceu 120% no Norte, 123% no Nordeste, 233% no estado do Amazonas, e caiu 35% no Sudeste”, revela Míriam. Em seguida, sem mencionar o Primeiro Comando da Capital (PCC), da São Paulo do PSDB, ela deixa escapar a razão primeva da matança em Manaus ao lembrar que “as facções que eram urbanas, e disputavam a hegemonia de centros consumidores do Rio e de São Paulo, espalharam-se pelo país”.

A colunista do Globo encerra aí esse tema, passando em seguida a dizer que “o fundo penitenciário tem dinheiro não usado na construção de presídios” sem nem pensar em questionar a medida como faz Jânio de Freitas hoje, na Folha. “O crime da indiferença” é o título do artigo no qual o jornalista afirma que o “país deveria horrorizar-se antes, em qualquer das dezenas de anos do seu conhecimento e da sua indiferença pelas condições (…) a que os encarcerados são aqui submetidos”.

Segundo Jânio de Freitas, “a maioria dos ‘especialistas’, além da superficialidade que sobrevive a todos os massacres e incidentes penitenciários, continua a reclamar por mais cárceres”. O jornalista considera no texto a carência expostas pelos ditos “especialistas”, de 240 mil a 250 mil vagas, e afirma que “melhor seria passar por um crivo os 250 mil presos ‘provisórios’ e os passíveis de penas alternativas”. Tal medida, porém, vai de encontro a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que teve na presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, figura decisiva.

Foi dela o voto de minerva, no dia 5 de outubro de 2016, no julgamento para autorizar a prisão de um condenado já na segunda instância de Justiça. Na ordem esperada dos 11 ministros, o julgamento ficou empatado, em cinco a cinco. Coube a Cármen Lúcia decidir a questão pela liberação das prisões, ela que um mês antes,  “em relação aos presídios”, como lembrou Míriam Leitão, “falou sobre a urgência desse problema no discurso de posse em setembro e começou a trabalhar nele no dia seguinte…”

Em entrevista ao GGN de Luis Nassif, Bernardo Faeda, coordenador assistente do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, disse que “a decisão do Supremo, para além dos efeitos práticos nefastos que possui – evidentemente vai aumentar o número de presos – viola expressa e dramaticamente a Constituição”. A entrevista de Faeda inaugura hoje uma prática que se tornará rotineira na coluna, o link do dia, e nela ele fala ainda, no título da entrevista a Cíntia Alves, que “desencarcerar é a solução para caos penitenciário, não privatizar”.

Sobre a liberação da prisão em segunda instância, Faeda afirma que a sentença “é uma interpretação que o Supremo adotou ao arrepio de uma norma da Constituição que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado, derivado do princípio da presunção de inocência”. A decisão de tirar dos acusados o direito de recorrer em liberdade até a última instância foi aplaudida, porém, pelo juiz Sergio Moro e pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Parte considerável da sociedade também apoiou a medida, o que vai de encontro ao que é dito hoje no Globo, mas só na coluna de Luis Fernando Veríssimo, cujo título é “Empatia”.

“Tanto a nossa falta de empatia quanto o descaso das autoridades, que gera o horror, vêm do nosso passado escravocrata, do tempo da chibata”, afirma Veríssimo, para em seguida dizer que “persiste um sentimento, não declarado mas evidente, de que criminoso tem que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo imerecido”. A afirmação encontra eco talvez involuntário no subtítulo da manchete da Folha em que “uma pessoa é assassinada por dia em prisões do país”. Acuado, após ser eleito o grande culpado, o governador do Amazonas, José Melo (Pros), tenta a cartada populista ao dizer, no citado subtítulo, “não haver santos entre 56 mortos em massacre”.

Na coluna Painel, na Folha, Natuza Nery batiza o texto e a nota principal de “Samba do eu sozinho” e revela que “a chacina no presídio Anísio Jobim (AM) abriu também uma crise entre o governo estadual e a prefeitura de Manaus”. “A cúpula da administração municipal, do prefeito Arthur Virgílio (PSDB), queixa-se de receber informações desencontradas do Estado”, continua a colunista, para na nota seguinte, “Nem vem”, desvincular qualquer relação do conflito em Manaus envolvendo integrantes do PCC, com São Paulo, ao dizer que o “secretário de Administração Penitenciária de SP, Lourival Gomes repudia a possibilidade de conflitos em presídios locais depois do massacre em Manaus”.

E se mal falaram da gestão privada na prisão do massacre, os jornais da grande mídia ao menos não se esqueceram do sumiço de Michel Temer. Na capa da Folha há chamada para o texto de Roberto Dias afirmando que “Temer se espelha no caso Carandiru e mantém silêncio”. O Globo também destacou na primeira página “o silêncio de Temer”, com o aviso embaixo de que “Até o Papa se pronunciou, exigindo condições dignas para presos”.

O blog de Lauro Jardim, em registro de Guilherme Amado, chegou ao requinte de lembrar que “ao contrário de Temer com Amazonas, Dilma falou sobre Pedrinhas” quando, há dois anos, “decapitações no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, ocupavam o noticiário nacional”. No Tijolaço, Fernando Brito já havia afirmado em texto anterior que o silêncio de Temer representa “o medo de confrontar boa parte de seus apoiadores que acha que é bom mesmo que morram, às dezenas, às centenas, aos milhares os 650 mil detentos deste país, a grande maioria vivendo em condições desumanas”.

Em outro texto, também de ontem, o jornalista diz que “o Governo Federal adotou a tática de jogar sobre o Governo do Estado do Amazonas a responsabilidade pelo motim que virou massacre na penitenciária de Manaus”. De acordo com Brito, “o problema é que parece ter se extinguido no Brasil qualquer tipo de investigação séria, aquelas onde os responsáveis calam a boa até saberem, com bastante certeza, tudo o que se passou”.

Jânio de Freitas conclui seu texto hoje dizendo que, no que se refere à multidão carcerária brasileira, “a oferta de incentivo, ensino e trabalho talvez lhes pareça, afinal, a melhor maneira de inverter o avanço permanente da disponibilidade de crianças e jovens para a marginalidade, vestibular do crime”. Tudo isso, completa ele, é “o oposto à política econômica e social do governo Temer”. E depois da pressão até dos amigos da grande mídia, o presidente falou, enfim, sobre o massacre no presídio em Manaus. Disse que tudo não passou de um “acidente pavoroso” e botou a culpa nos estados, provando que, mais uma vez, era melhor ter ficado calado.

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Luis Edmundo

Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.

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