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Considerações sobre o grampo ilegal na cela de Yousseff

As investigações sobre o grampo na cela do doleiro Alberto Yousseff, preso na primeiríssima fase da Lava Jato, revela que a operação já nasceu despreocupada em seguir os trâmites legais. Reportagem publicada pela Folha, hoje, revela diversas coisas. As próprias forças que sustentaram a Lava Jato, deixando-a crescer desmesudaramente, sem nenhum tipo de limite, perdoando-lhes […]

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As investigações sobre o grampo na cela do doleiro Alberto Yousseff, preso na primeiríssima fase da Lava Jato, revela que a operação já nasceu despreocupada em seguir os trâmites legais.

Reportagem publicada pela Folha, hoje, revela diversas coisas.

As próprias forças que sustentaram a Lava Jato, deixando-a crescer desmesudaramente, sem nenhum tipo de limite, perdoando-lhes os mais graves desvios de conduta (a ponto do tribunal regional de porto alegre emitir despacho afirmando que a Lava Jato está acima da Constituição), começam a puxar o freio da operação, para que ela não se desvie de sua narrativa central, que é pegar Lula. É a própria Lava Jato acabando com a Lava Jato, vide o apoio de procuradores da operação à nomeação de Alexandre de Moraes para o STF. Os próprios operadores da Lava Jato agora ensaiam uma maneira de inventar um final digno à operação, talvez se vitimando, talvez em busca de mais ou outro boi de piranha do próprio governo.

A imprensa continua, no entanto, extremamente leniente com as irregularidades cometidas pela Lava Jato, chamadas, com incrível delicadeza, de erros. Afinal, é preciso contê-la, mas sem ferir a narrativa central, de que foi uma operação muito boa.

O timing da imprensa é ainda mais elástico do que o da Lava Jato, cujos delegados já admitiram que mandam prender ou não prender segundo o “timing” político da hora. O escândalo sobre o grampo ilegal na cela de Yousseff veio à tôna antes do golpe, mas naquele momento não era oportuno veicular a mais tênue crítica à operação, visto que já se havia entendido que ela seria o braço armado do movimento que levaria ao impeachment. Todas as operações espetaculares, com centenas de agentes federais fortemente armados, com uso de helicópteros e quantidade enorme de carros oficiais, para prender às vezes um senhor inofensivo e barrigudo, como o ex-tesoureiro do PT, eram entendidas como cenas audiovisuais necessárias para produzir o clima de terrorismo político necessário para dar sequência ao golpe.

No Estadão, há uma notícia de que Michel Temer procura anular as delações de ex-executivos da Odebrecht, que são as mais problemáticas para seu governo, alegando que o “vazamento” do depoimento de Claudio Melo as teriam contaminado.

Ora, eu até poderia concordar com Temer, mas é muita hipocrisia dele e de todo o consórcio golpista. Desde o primeiro dia de Lava Jato havia vazamentos de delações. Muitas vezes, antes mesmo do réu concordar se delataria ou não, sua delação já estava nos jornais. A delação era vazada antes mesmo dela ter sido feita. Um mistério. Talvez explicável pelo fato do delator quase sempre corroborar uma tese já pré-escrita pela procuradoria. Essa tese, portanto, podia ser vazada antes mesmo de ser corroborada pelo réu.

Em se tratando de empresas que lidavam com grandes quantidades de contas no exterior, não foi difícil para a Lava Jato montar suas narrativas como quem brinca de lego, inventando e atribuindo o que queria às movimentações financeiras de empreiteiras que, como a Odebrecht, atuavam em dezenas de países.

Entretanto, a Lava Jato agora não é mais uma operação brasileira. Ela passou a desestabilizar toda a América Latina. No Equador, se tornou um dos temas principais das eleições. No Peru, foi motivo para pedir a prisão cautelar de Alejandro Toledo, que fez um governo de centro, moderado, em benefício de seus adversários.

A América Latina é uma família infeliz, que historicamente sempre viveu seus infortúnios de maneira mais ou menos coletiva. Se há uma onda progressista, ela atravessa todo o continente, com eleição democrática de governos de esquerda, que fizeram o continente vivenciar o seu período mais feliz de sua história, com crescimento econômico, melhor distribuição de renda, mais comércio entre si e grandes investimentos em infra-estrutura. Se a democracia começa a ruir num e noutro país, logo ela rui em quase toda a América Latina. E os métodos antidemocráticos usados num país são logo aplicados em outro, como é o caso da Lava Jato.

Esperemos que não haja necessidade de revivermos um ciclo de horror e autoritarismo outra vez, para que seja possível conscientizar as forças políticas do continente que isso não nos interessa: não interessa ao povo, não interessa às nossas empresas, não interessa ao Estado. Se cedermos ao autoritarismo que vem tomando conta do Brasil, e a Lava Jato é o braço armado desse autoritarismo, afundaremos todos em décadas de estagnação econômica, miséria social, instabilidade política, corrupção e violência.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Maria Aparecida Lacerda Jubé

06/03/2017 - 11h25

Foi para aceitar passivamente e, ainda aplaudir esse tipo de desgraça coletiva, que a Globo alienou boa parte da população.

Valdeci Elias

05/03/2017 - 13h37

Os governos petistas, falharam em aplicar a Lei para todos. Lula e Dilma, investigaram seus aliados sem Dó. Más falharam em investigar os adversários.
Um exemplo é o caso desse grampo. Dilma podia ter aplicado a Lei, e punido os Delegados da PF filiados ao PSDB.
Outro exemplo são os vazamentos seletivos. Quantos funcionários públicos, foram punidos no governo Dilma, por vazar contra o PT ou PMDB ?
Quantos policias, foram punidos por usar a foto de Dilma como alvo, no treinamento ? Seria um absurdo eles treinarem com fotos de FHC, ou de Aércio. E com certeza , seriam punidos. E com razão.
Se o ex-delegado Protogenes, mexe-se só com petista, seria delegado até hoje. Más ele foi ingenuo , de querer investigar todo mundo.


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