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O caso Wilson Center: um namoro nada patriótico entre a justiça brasileira e Tio Sam

O Wilson Center é um dos mais poderosos think tanks do mundo. Segundo o ranking elaborado pela Universidade da Pennsylvannia, ocupa o primeiro lugar na categoria de think tanks interdisciplinares e a nona posição no ranking global geral. Diferente da maioria dos think tanks americanos, contudo, o Wilson Center é uma instituição governamental, controlada diretamente […]

8 comentários
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O Wilson Center é um dos mais poderosos think tanks do mundo. Segundo o ranking elaborado pela Universidade da Pennsylvannia, ocupa o primeiro lugar na categoria de think tanks interdisciplinares e a nona posição no ranking global geral.

Diferente da maioria dos think tanks americanos, contudo, o Wilson Center é uma instituição governamental, controlada diretamente pela presidência da república, que indica seus diretores, embora desde algum tempo 70% do orçamento da entidade venha de agentes privados.

O Wilson integra, de forma mais ou menos independente, uma rede de centros de pesquisa e museus sob a guarda do Instituto Smithsonian, este sim administrado inteiramente pelo governo federal.

Desde 2006, Wilson criou o Brazil Institute, que iniciou suas atividades com entrega de prêmios a personalidades do Brasil. O primeiro a receber um prêmio foi o dono do Estadão, Rui Mesquita. O segundo a receber, em 2007, foi o empresário Jorge Gerdau. Os prêmios foram concedidos em cerimônia organizada no Brasil.

Em 2009, vencida a crise do mensalão e com popularidade novamente nas alturas, o Wilson resolve premiar o então presidente Lula, em cerimônia organizada em Nova York.

Em 2011, foi a vez de Dilma Rousseff receber o prêmio. Mas as coisas já haviam começado a mudar no Wilson Center, sem que a nossa presidenta percebesse. O que não é nenhuma surpresa, vide que, em 13 anos de governo petista, não se cogitou em criar, no Brasil, um mísero think tank de orientação progressista. Na lista da Universidade da Pennsylvania, os thinks tanks brasileiros continuam sendo todos tucanos.

Assumindo o cargo ao final de fevereiro de 2011, e sucedendo o pacato Lee Hamilton, a nova presidenta do Wilson passa a ser a “falcoa” Jane Harman, uma deputada federal democrata fortemente alinhada à direita, que havia apoiado a guerra no Iraque, e defendido presidente Bush nas polêmicas levantadas pelos decretos federais que suspendiam liberdades e privacidade.

Em 2009, quatro anos após defender a invasão de privacidade oficial, a deputada ganharia notoriedade nacional ao ter uma conversa sua com um agente da inteligência israelense vazada para a mídia. O final da conversa ficaria célebre. “Essa conversa nunca existiu”, diria ela, ao telefone.

Glenn Greenwald conta a história em detalhes, no Intercept, observando que Harman se tornaria, após o vazamento, uma furiosa defensora do direito à privacidade…

Para assumir a presidência do Wilson, Harman teve que se licenciar do congresso, mas continuou membro dos mais importantes órgãos de segurança do governo, como o Defense Policy Board, o State Department Foreign Affairs Policy Board, o National Intelligence’s Senior Advisory Group e o Homeland Security Advisory Council. Ela também foi membro da CIA External Advisory Board, de 2011 a 2013. Em resumo, Harman é uma das autoridades mais graduadas da poderosa comunidade de inteligência dos Estados Unidos. Sua eleição foi bancada, segundo a imprensa, por indústrias da área de aviação e armamentos.

Harman era muito querida na CIA. Em 2007, no mesmo ano em que Sergio Moro ganharia uma bolsa do Departamento de Estado para estudar lavagem de dinheiro nos EUA, Harman era homenageada com uma das principais honras da agência, a Agency Seal Medal, pelos serviços prestados à Central Intelligence Agency, sempre “vigilante” em relação ao “orçamento” da agência.

Poucos meses após a posse Harman, em maio de 2011, o Brazil Institute do Wilson Center, dirigido por Paulo Sotero, decide criar um fórum entre Brasil e Estados Unidos, voltado para o Judiciário. Era o “Brazil-United States Judicial Dialogue”. A inspiração para o fórum foi a Ação Penal 470, vulgo “mensalão”.

O texto do documento é inteiramente centrado nos desdobramentos jurídicos do mensalão, tratado com uma acriticidade constrangedora.

De 2011 a 2015, já sob a chefia de Harman, o Brazil Instituto passará por uma mudança profunda. Não mais dará prêmio para nenhum brasileiro até 2015, quando o felizardo da vez é Andre Esteves, CEO do BTG Pactual, e padrinho do casamento de Aécio Neves.

Em 2013, o instituto organiza um seminário sobre o mensalão, que contará com a participação de um jurista (Oscar Vilhena) e um juiz (Marcelo Cavali), ambos favoráveis à narrativa da acusação.

O Brazil Institute Wilson terá, a partir de 2015, um papel proeminente no impeachment. Paulo Sotero, o diretor da instituição, e Carlos Eduardo Lins da Silva, ex-chefe de redação da Folha, membro do staff do instituto, escreverão prolixos e frequentes artigos elogiando as manifestações coxinhas e as articulações políticas para derrubar o governo, inclusive subsidiando a imprensa brasileira com pesquisas de opinião, feitas por uma empresa contratada pelo Wilson, a Ideia Inteligência, mostrando invariavelmente o crescimento da rejeição à presidenta Dilma e apoio ao impeachment. Após o impeachment, ambos passarão a elogiar entusiasticamente as reformas promovidas por Michel Temer.

Em julho de 2016, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), então presidido por Ricardo Lewandowski, tomou uma decisão bastante estranha, ainda mais considerando o momento delicado vivido pelo Brasil, com tanta desconfiança contra um judiciário que parecia agir em bloco em favor do golpe: autorizou que juízes fizessem palestras sem informar o valor do cachê pago. As novas regras constavam de resolução do dia 14 de junho de 2016, embora a imprensa só viesse a noticiar o fato em julho. Exatamente um mês depois, o juiz Sergio Moro, desembarcava em Washington para dar uma palestra no Wilson Center.

Era uma festa. Toffoli foi para lá dias antes, em julho, para falar do “papel crescente do Supremo Tribunal Federal”, no qual apresentou ao público americano um enorme e enfadonho ensaio, pelo qual, a julgar por sua extensão, deve ter cobrado um generoso – e sigiloso – cachê. Os magistrados brasileiros, mesmo com milhões de processos nas gavetas, sempre encontram tempo para participar de um regabofe bem pago, aqui ou no exterior.

Antes de Moro e Toffoli, Gilmar Mendes e Teori Zavaski, representando o TSE, já haviam estado no Wilson Center, que parece ter se tornado um rotineiro destino da casta judicial brasileira.

Alguns meses depois, o governo americano, através do FBI e de procuradores nomeados pelo presidente, em parceria com autoridades brasileiras, determinaria a maior multa já cobrada de uma empresa, em qualquer parte do mundo. A empresa em questão era a Odebrecht, principal conglomerado de engenharia do Brasil.

Mais ou menos na mesma época em que o Wilson Center recebia, de braços abertos, juízes brasileiros, o instituto experimentaria um grande constrangimento, ao ser acusado, pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, de ter participado ativamente da conspiração que tentou removê-lo do poder. A mídia americana noticiou, mas não deu muita bola para a acusação. O governo americano interveio para acalmar os ânimos, e não houve maiores consequências. O instituto, naturalmente, negou qualquer interferência no processo político turco.

Mark Bruzonsky, blogueiro, jornalista, apresentador de TV, palestrante, e que já trabalhou e estudou no Wilson Center, escreveu, pouco depois da acusação da Turquia de que o instituto conspirou para o golpe, um post bastante franco sobre o tema. Ele diz, em suma, que turcos, chineses e iranianos têm toda a razão para suspeitar de que autoridades e acadêmicos ligados ao Wilson Center podem ter ligações com a CIA. Sendo uma instituição controlada pelo governo americano, o Wilson, diz o analista, sempre foi um ponto de relacionamento entre a comunidade de inteligência do governo americano e dissidentes ou oficiais de inteligência de outros países.

Os dois últimos presidentes do Wilson Center pertenciam à comunidade de inteligência dos EUA. A atual presidente, Jane Harman, tem presença destacada nos principais centros de decisão das agências de inteligência e espionagem do governo. Nada é mais lógico, portanto, do que imaginar que o Wilson, patrocinado pelo governo, corporações, fundos e indivíduos com determinados interesses políticos e econômicos, tenda a usar a sua influência para atender esses mesmos interesses.

O lado “governamental” da Wilson a gente já conhece. Então eu fui conferir quem são os patrocinadores privados do instituto. Neste link, você encontrará os principais doadores do Wilson, divididos em indivíduos, fundações e corporações. Não me surpreende topar com grandes petroleiras, firmas de construção civil e companhias da área de energia, além de firmas de aviação, como ARTOC Group, Boeing, Brown Capital Management, Interfarma, Bank of America, Shell Oil Company, BP America e Chevron Corporation.

Dentre as firmas que participam do conselho do Brazil Institute, estão AES (energia), Alcoa (alumínio e bauxista), Chevron (petróleo), Cummins (energia), Interfarma (saúde), Merck (farmacêutico) e Raizen (energia, sobretudo etanol; pertence à Shell).

Desnecessário dizer que basta digitar a palavra “corruption” ao lado de cada uma das empresas mencionadas acima para achar muitas notícias interessantes. Tanto essas, como as que figuram na lista dos doadores do Wilson Institute, quanto o próprio governo americano, que controla o Wilson, tem interesse em ver o Brasil de joelhos, oferecendo seu valioso patrimônio a preços aviltantes, oferecendo sua mão-de-obra a um salário baixo, e sem incomodar o investidor com leis trabalhistas ou previdenciárias.

Quem leu o livro 1964, de Rene Dreifus, sabe que os Estados Unidos montaram uma vasta rede de think tanks, subsídios, mídias, etc, para criar o ambiente propício ao golpe de 1964. Mas a necessidade de uma intervenção militar acabou manchando toda a sofisticada estratégia de convencimento da opinião pública com uma narrativa antidemocrática.

Dessa vez não. Dessa vez eles fizeram o serviço direitinho. Deram o golpe, e ainda convidam nossos juízes para dar palestras em Washington, nas quais eles, os juízes, afirmam, orgulhosos e felizes com os cachês que lhes esperam na saída do edifício Ronald Reagan (um gigantesco imóvel que pertence ao Tio Sam e foi emprestado gratuitamente para a Wilson por algumas décadas), que as instituições brasileiras nunca funcionaram tão bem!

[Para não sujar demais o post, guardei alguns links aqui]

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Elza Beserra

15/03/2017 - 01h22

Excelente artigo, como seria bom, se a maioria do brasileiros tivessem a oportunidade de lê-lo. Muito armação nesse mundo.

luiz

14/03/2017 - 21h39

O documentário “O dia que durou 21 anos” mostra todo o esquema dos EUA pra dar o golpe de 64.
Link do torrent: http://filmescult.com.br/o-dia-que-durou-21-anos-2013/

Monroe

14/03/2017 - 19h55

Listinha básica de think tanks americanos
https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_think_tanks_in_the_United_States
Influencia, relações públicas. etc

Flora

14/03/2017 - 19h50

E um texto muito bom trazendo a tona assuntos desconhecidos da maior parte da população;
Bem vindos ao buraco negro do submundo dos think tanks.

Ermindo Castro

14/03/2017 - 22h18

COMO DISSE A ANGELA CALMON EX. JUIZA SE NÃO INVESTIGAREM O STF E O MPF A LAVA JATO NÃO VAI VALER NADA 1!!

Maria Luisa

14/03/2017 - 19h15

Tudo se encaixa ! O Golpe vendendo o Brasil !
Canalhas, Canalhas, Canalhad

Maurilio de Carvalho

14/03/2017 - 22h07

E os coxinhas que os apóiam se julgam patriotas

Alex Amaz

14/03/2017 - 22h03

Este juizinho Moro e os seus cupinchas promotores da Lava-Jato ainda serão presos por crime de lesa-pátria.


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