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Aragão: democracia é único antídoto contra a crise política

(Foto: Agência Brasil) Como tratar a delação de Emílio Odebrecht: ousando mais democracia Por Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça e sub-procurador da República Ich nahm die Wahrheit mal aufs Korn Und auch die Lügenfinten. Die Lüge macht sich gut von vorn, Die Wahrheit mehr von hinten. (Certa feita mirei na verdade e […]

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(Foto: Agência Brasil)

Como tratar a delação de Emílio Odebrecht: ousando mais democracia

Por Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça e sub-procurador da República

Ich nahm die Wahrheit mal aufs Korn
Und auch die Lügenfinten.
Die Lüge macht sich gut von vorn,
Die Wahrheit mehr von hinten.

(Certa feita mirei na verdade
e também nos dribles da mentira.
A mentira fica bem de frente;
a verdade, melhor de costas)

Wilhelm Busch
(1832-1908)

O “depoimento” de Emílio Odebrecht é nauseabundo. Merece as aspas, pois mais parece um monólogo em conversa de botequim. A narrativa vem recheada de suposições e visões pessoais, particulares, miúdas. Confirma os estereótipos sobre a política nacional como negócio imundo.

Inevitável é a comparação com a ira ensaiada do discurso de Roberto Jefferson da tribuna da Câmara, que abriu o escândalo do chamado “mensalão”. A diferença está no estilo. Enquanto o burguesão Odebrecht se dá ao luxo de olhar com desprezo arrogante para a inhaca em que seu grupo se meteu, o canastrão Roberto Jefferson deblatera com oratória digna advogado de num júri de arrabalde. Já a semelhança está na atitude e no objetivo político. Ambos não estão “arrependidos”, de suas confissões. Querem criar uma comoção social para desviar a atenção da gravidade dos seus malfeitos. Para tanto, fazem bom uso do poder midiático que os atores parlamentares ou judiciais – igualmente “atores”, no sentido próprio do termo – lhes proporcionam no teatro farsesco.

É tudo farinha do mesmo saco. Jefferson e Odebrecht são delinquentes que se gabam da sua “coragem”. Querem passar de gatunos a heróis, às custas da estabilidade política e econômica do país e com a preciosa ajuda da mídia comercial. Esta perdoa a gatunagem ao gatuno delator do inimigo político. Festeja-o como se mocinho fosse, permitindo-lhe posar e esbanjar deboche e cinismo na cara da platéia idiotizada.

Ao mesmo tempo, há uma diferença significativa entre o político e o empresário. Jefferson nada produz. Só subtrai. Já Emílio Odebrecht foi e é o pilar de um dos maiores grupos empresariais do país, Esse grupo tem que ser reconhecido como verdadeiro patrimônio social, gerador de empregos, pagador de tributos, criador de tecnologia e ponta-de-lança da indústria brasileira no mundo globalizado. Um ator desse peso na economia nacional e internacional não escapa de ser também um operador político. A simples magnitude dos recursos por ele movimentados faz com que suas atividades se entrelacem inevitavelmente com interesses do Estado, , da Política.

Isso não justifica a inhaca supostamente revelada, apenas a explica. De resto, à diferença de Jefferson, as operações de Odebrecht não tinham viés partidário, mas iam ao encontro das pretensões de todos os políticos, da esquerda à direita. Praticamente ninguém escapou. Quando a infração à norma vira regra, é preciso avaliar se não há algo de errado com ela, porque nesse contexto a infração se sobrepõe à norma, ao aparentemente correto, talvez não tão correto assim.

Para começar, seja qual for a atitude do observador político, de dar ou não crédito ao deboche cínico de Odebrecht, tal atitude deverá ser uniforme diante dos malfeitos de gregos e troianos. Não dá para considerar, de antemão, 100% verdadeiras as afirmações sobre uns e 100% erradas as sobre outros, conforme a simpatia política. As circunstâncias e personalidades envolvidas sugerem ser mais fácil achar que a turba em volta de Temer esteja enterrada até o pescoço na lama do que acreditar no locupletamento pessoal de Lula. Quem conhece a turba, sabe do que seus são capazes. Quem armou um golpe contra a democracia e dele se beneficiou tem menos credibilidade do que quem honrou a soberania popular, fortaleceu no seu mandato os órgãos da persecução penal, dinamizou a economia brasileira e praticou uma política externa “ativa e altiva” e deu ao Brasil uma visibilidade internacional que ele nunca antes tivera.

Mas isso não faz a delação de Odebrecht parecer mais ou menos crível. Sua mácula está no método da sua extração ou extorsão, já que seu autor não parece minimamente arrependido para fazê-la de livre e espontânea vontade. Emílio Odebrecht delatou por temer não só a violência processual contra si e seu filho, mas também o desmoronamento do seu império empresarial. Por isso, tomou uma decisão estratégica que implica entrega tática de informações selecionadas e com endereço conhecido. Isso nada tem a ver com a verdade toda que se quer colocada a nu.

Para o Ministério Público, esse defeito – estético apenas, não processual – parece irrelevante. Tornou pública a delação, assumindo dolosamente o risco da turbulência política que causaria. Mais importante e igualmente dolosa foi a intenção de salvar a própria pele. Tamanha foi a escala de informações , que estas não poderiam ficar em segredo por muito tempo. Pior ainda teria sido o vazamento seletivo, a sepultar de vez a credibilidade da instituição. Importou agora fingir a isenção que o Ministério Público não mostrara antes. Tal atitude revela mais desespero do que um esforço de transparência.

Na operação “Lava Jato”, a violência processual e o desrespeito aos direitos fundamentais dos investigados e dos acusados são rotina, a começar pela presunção de inocência, esfolada com a exibição pública de presos e conduzidos. Escutas e outras provas sensíveis tem sido escancaradas à curiosidade coletiva, para destruir reputações perante a sociedade. Tudo foi feito num timing para causar o máximo de impacto político. Juiz e procuradores anunciaram sem qualquer pejo que o apoio da opinião pública era fundamental para o sucesso de sua missão, como se estivessem à cata de uma legitimidade que só o voto pode dar. Paralelamente lançaram anteprojeto corporativo de lei, disfarçado de iniciativa popular, para alavancar seus poderes. Questionados sobre os abusos cometidos, reagiram e reagem sempre com histeria e histrionismo, acusando os críticos de querer inviabilizar seu “combate à corrupção”. Nesse clima de conflagração, a delação, menos do que um prêmio, é uma proteção mínima contra a continuidade do linchamento público. Quem a faz não tem convicção de nada, a não ser da necessidade de se preservar.

Vê-se, pois, uma atuação sobretudo politiqueira do Ministério Público, parte de um projeto de poder corporativo, com uso de instrumentos institucionais. Seu objetivo é o fortalecimento de uma burocracia estatal em detrimento de atores políticos de todos os matizes ideológicos. O resultado é um ataque vil à democracia, reduzida a patinho feio, supostamente deformado pela “corrupção”. Querer trocar a soberania popular expressa no voto universal por práticas autoritárias de agentes concursados de uma elite administrativa não é um bom negócio para o país.

É importante que a sociedade tenha clareza sobre o que está acontecendo no Brasil, para não se deixar enganar pela balbúrdia decorrente do trato midiático de indícios processuais de pouco valor. Sempre é bom lembrar que no Estado de Direito é melhor absolver um culpado pela imprestabilidade da prova do que condenar um inocente: In dubio pro reo.

O verdadeiro desafio para a democracia brasileira, neste momento, não está no noticiário da delação de Emilio Odebrecht, mas na forma como lidaremos com a própria delação. Os inimigos da democracia são os que, tendo se omitido diante do golpe, destroem de forma irresponsável o país, vendendo moralismo barato em troca de reconhecimento público.

Diante de corruptos não cabe ser tolerante, mas depois de produzida a prova prestável e rejeitada a prova imprestável, sem qualquer parti pris e sem qualquer esforço de fortalecimento corporativo. É fundamental, também, distinguir entre o que é genuíno desvio de recursos públicos e locupletamento ilícito do que é admitido e tolerado na prática dos embates eleitorais. A criminalização da política não revigora o regime democrático, antes o debilita. Se tais práticas são agora percebidas como inaceitáveis, deverão ser mudadas daqui para frente, por meio de ampla reforma política, que conte com a participação da sociedade e seja feita por quem tenha condições políticas de fazê-la.

Não esqueçamos, porém, que essa reforma é tão importante como a reforma do Estado, que restitua os poderes em seu leito normal, impeça o uso de atribuições funcionais para o reforço de pretensões corporativas e devolva a credibilidade e autoridade às instituições. Só assim sairemos da crise em que nos encontramos, limpando a mancha do golpe e – para citar o famoso lema de Willy Brandt na campanha eleitoral de 1969, da qual ele saiu como chefe de governo da República Federal da Alemanha – “ousando mais democracia”.

Se quisermos combater

– o obscurantismo e o analfabetismo político,
– a privatização e o desmonte do Estado brasileiro,
– a entrega das nossas riquezas a uma autoproclamada elite predatória e a interesses estrangeiros,
– a destruição do mercado interno e das nossas empresas,
– a corrupção,
– a reabilitação da escravidão,
– o ódio,
– a demonização dos que já ousaram mais democracia e interpretaram a democracia não em termos meramente formais, retóricos – na acepção neoliberal de liberdade, que é apenas a liberdade de poucos, dos mais fortes e mais espertos, e exclui os mais fracos –, mas ampliaram-na na direção da longínqua igualdade e da ainda mais longínqua fraternidade…

se quisermos, em resumo,

impedir o alastramento da guerra civil, que já está em curso e termina na barbárie,

o palavra de ordem será

OUSAR MAIS DEMOCRACIA!

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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ohfmann

20/04/2017 - 22h35

A crise brasileira, não é política, e sim mora! A corrupção, só é consumada, quando aqueles, que eleitos pelo povo, para presidir, comandar e zelar pela preservação das instituições, aceita ou exige suborno, para favorecimentos nos meandros da administração pública, em detrimento do patrimônio de quem os elegeu. Todos são culpados e merecedores de punição, mas a culpa maior, é de quem traiu a confiança, nele depositada, pelo povo, através do voto!

Roberto

20/04/2017 - 11h07

O Brasil não vai pra frente sem uma guerra Civil, nenhuma nação do mundo surgiu sem guerra, sem lutas, nem a eleição de Lula vai mudar isso, o Brasil nunca será uma nação de verdade enquanto formos a nação dos panos quentes!

sem luta de verdade não teremos futuro!

Edvan N. Menezes

20/04/2017 - 03h04

O Aragão é um cara que perdeu o cargo, só isso que vejo de fato.

Veriana de Fátima Rodrigues Colaço

19/04/2017 - 14h57

Excelente artigo. Revoltante ouvir a parcialidade das manchetes do Jornal Hoje dessa Globo golpista e responsável pelo que estamos vivendo e pela barbárie que já está em curso no país. Por isso, faço coro à conclusão de ousar mais democracia, porém há que se indicar também como chegar lá. Veriana

Atreio

19/04/2017 - 14h46

em resumo:
-dinheiro privado fala alto por aqui desde o acordo nacional c os milicos.
-dilma acabou com essa farra proibindo CNPJ doar pra campanha.
-os canalhas, irrigados pro ed cunha (q parece q distribuia dinheiro vindo de empreiteras pra garantir “apoio”) se revoltam e se viram contra tudo q lembrar dilma, pt e lula….e conseguem o golpe. comemoram com janaínas, aécios e kins.
-sem projeto, sem referencia e sem mente funcionando saudavelmente, canalhas se veem perdidos, cheios de dinheiro e medo. impossibilitados de andar nas ruas. grande midia sem moral pois levou essa aventura por 4 anos e quebrou o brasil. marinhos, frias, civvitas, saad, e mesquitas transtornados e sem uma narrativa q lhes agrade. nada esconde o triplex de paraty da paulinha, a ligação jucá-sergio, nem gilmar abdelmasshi…ou MT-11-milha….
e babou o golpe.

sim, democracia é a solução. ela diz: presidente eleita. sem crime, sem impeachment.
por isso DILMA volta e canalhas já se mijam de medo.

não vai levar 21 anos de novo.

abração aragão! até a vitória, ela é dos justos – sempre!
o BRASIL vai de redimir.
reDILMA-se!

    Roberto

    20/04/2017 - 11h10

    Já acordou do sonho?

    Mesmo a vitória do Lula não mudará nada, a globo continua mandando no país, mêsmo se Lula tiver coragem de cortar o dinheiro dá publicidade o governo dele vai estar fadado a ter tanto sucesso quanto o de Dilma ou Maduro

Carmem Stewart

19/04/2017 - 17h42

Muitos falam da importancia da democracia para sair da crise politica.
Mas… esperar ate 2018?

Laercio Ferreira

19/04/2017 - 17h09

CONCORDO , SEM CORDA ,TEMOS QUE VACINAR O PLANETA CONTRA, A EPIDEMIA DA DESCONSTRUÇÃO DA SISTEMA SOCIAL E DEMOCRÁTICO, EM FAVORES DO SISTEMA NEO LIBERAIS , ONDE OS GOVERNOS DOS PAÍSES IMPERIALISTAS QUEREM O DOMÍNIO DAS POLÍTICAS ECONÔMICA , E O PODER POLÍTICO, HEGEMONIA PRA EMPREGAREM, OS TERCEIROS MUNDOS A SUAS REGRAS DE HEGEMONIA?? E NÓS OS POBRES DA NEO COLÔNIA , COM SUAS ELITES SAÍDA DO GOLPE MILITAR , NÃO TEMOS A MÍNIMA POSSIBILIDADE DE DEMOCRACIA EM VOGA, SÓ A DEMONIOCRACIA DE DIREITA VOLVER??

Sidnei

19/04/2017 - 13h51

A Odebrecht já era. A família se engana pensando que fazendo uma trairagem se livrará do objetivo frio do Imperialismo que é destruir suas empresas.
Melhor seria continuar aguardando a volta de Lula que seria o único capaz de ajudar a reeguer a empresa.
Apostaram errado, pois se Lula voltar realmente já não será com a confiança que havia. E se Lula não voltar….vão acabar de tomar mais um monte de bicas e acabando de se fuder.

    Roberto

    20/04/2017 - 11h13

    Se Lula voltar, como ele salvará o país sem maioria no congresso?

    Como ele vai mudar o país se basta um impedimento/golpe para tira-lo do poder

cristina

19/04/2017 - 13h14

Eugênio Aragão, brilhante como sempre. Aprendi a muito admirá-lo, quem dera Dilma voltasse e ele tornasse a integrar o governo .

Fernando

19/04/2017 - 12h20

Esse contumaz bebedor de chá de ayahuasca , medíocre e brevíssimo ministro e inexpressivo procurador não deve saber, mas foi a democracia que impediu que a estelionatária Dilma Roussef continuasse a fraudar as contas públicas e que em seu lugar assumisse aquele , por direito e pelo voto popular , Temer, assumisse o governo !

    Marcelo PeTista de Faria

    19/04/2017 - 13h22

    Não, Fernando. Sua mente limitada de coxinha, não consegue ver. por simples estupidez, que foi um golpe na democracia que invalidou o projeto de estado eleito pela maioria do povo brasileiro(54.000.000 de votos) e permitiu que tomassem o estado do povo e o entregassem a um bandido e sua quadrilha, incentivando imbecis a se manifestarem como você faz!

    Marquim de Crato Ceará

    19/04/2017 - 14h14

    É senhor fernando ou melhor FHC , vejo que o senhor mostra um desprezo incrivel por DILMA mas saiba que o maior governo de todos os tempos foram os de esquerda tanto com o grande LULA como o da nossa eterna presidente DILMA, vejo que você é daqueles coxinhas ou melhor TROUXINHAS saiba que governo algum do psdb, pmdb ou pps fizera tanto o bem a nação como o PT fez, ei cuidado pois LULA vai ganhar em 2018 e não adianta mimimi…..(kkkkkk)

    Benoit

    19/04/2017 - 14h51

    Excelente artigo……


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