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Zizek: “A causa definitiva pela qual estamos presos no círculo vicioso de Le Pen e Macron é o desaparecimento da alternativa de uma esquerda viável”.

Por Theófilo Rodrigues A eleição presidencial francesa do último domingo marcou números expressivos de abstenções e de votos brancos e nulos. De certo, os eleitores que no primeiro turno rumaram com Benoit Hamon, do Partido Socialista, ou Jean Luc Mélenchon, do Partido Comunista, não viram motivos para depositar com alegria seus votos no segundo turno […]

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Por Theófilo Rodrigues

A eleição presidencial francesa do último domingo marcou números expressivos de abstenções e de votos brancos e nulos.

De certo, os eleitores que no primeiro turno rumaram com Benoit Hamon, do Partido Socialista, ou Jean Luc Mélenchon, do Partido Comunista, não viram motivos para depositar com alegria seus votos no segundo turno em candidatos identificados com a extrema-direita conservadora, como Marine Le Pen, ou com um programa neoliberal, como Macron.

Esse é o dilema que o filósofo esloveno Slavoj Zizek pretende superar. Para Zizek, “na situação desesperada em que nos encontramos, diante de uma falsa eleição, deveríamos reunir coragem e simplesmente nos abstermos de votar”.

Zizek já havia apontado algo semelhante na eleição presidencial estadunidense, quando nadou contra a maré ao apontar Hillary Clinton como a verdadeira inimiga a ser enfrentada pela esquerda e não Donald Trump.

Para o filósofo não é possível que o medo do fascismo transforme o neoliberalismo no único caminho alternativo.

Há de se criar uma alternativa pela esquerda. Esse é o tema do artigo de Zizek publicado no jornal argentino Página 12 e que reproduzimos abaixo.

A tradução original é de Henrique Denis Lucas para a revista IHU – Unisinos.

A chantagem liberal

Por Slavoj Zizek

O título do comentário de Hadley Freeman no The Guardian, a voz britânica da esquerda liberal anti-Assange-pro-Hillary, diz tudo: “Le Pen é a revisionista de extrema-direita do Holocausto. Macron, não o é. Uma eleição difícil?”

Previsivelmente, o texto propriamente dito começa com: “Ser um banqueiro investidor é a mesma coisa que ser uma revisionista do Holocausto? O neoliberalismo é igual ao neo-fascismo?”, e descarta ironicamente inclusive o apoio condicional da esquerda para o voto em Macron no segundo turno, com a postura de: “Eu votaria em Macron – MUITO relutantemente”.

Esta é a chantagem liberal no seu pior estado: uma pessoa deveria apoiar incondicionalmente a Macron, não importando que ele seja um neoliberal de centro, apenas por que ele é contra Le Pen… É a velha história de Hillary contra Trump: ante a ameaça fascista, todos deveríamos nos reunir no entorno de nossa bandeira (e convenientemente esquecer como sua campanha fez manobras brutais para tirar Sanders da corrida presidencial e, assim, acabou por contribuir para sua própria perda na eleição geral).

Não podemos ao menos discutir a questão? Sim, Macron é pró-europeu – mas, que tipo de Europa ele personifica? A mesma Europa, cujo fracasso alimenta o populismo de Le Pen, a Europa anônima a serviço do neoliberalismo! Este é o cerne da questão: sim, Le Pen é uma ameaça, mas se colocarmos todo o nosso apoio em Macron, não ficaríamos presos, andando em círculos, e combatendo o efeito ao apoiar a sua causa?

Isto me faz recordar de um laxante de chocolate disponível nos Estados Unidos. Sua publicidade traz o preceito paradoxal: “Você está com prisão de ventre? Coma mais desse chocolate!” – em outras palavras, comer mais do que provoca a constipação para curá-la. Nesse sentido, Macron é o candidato laxante de chocolate, que nos oferece como cura a mesma coisa que causou a doença.

Nossos meios de comunicação apresentam os dois competidores do segundo turno como se apresentassem duas visões radicalmente opostas da França: o centrista independente versus a racista de extrema-direita – sim, mas oferecem uma opção real? Le Pen oferece uma versão feminizada/suavizada do brutal populismo anti-imigrante (de seu pai), e Macron oferece o neoliberalismo com um rosto humano, com a sua imagem também suavemente feminizada (perceba o papel maternal que sua mulher desempenha na mídia).

Dessa forma, o pai está descartado e a feminilidade está em voga – mas novamente, que tipo de feminilidade? Como assinalou Alain Badiou, no universo ideológico de hoje os homens são adolescentes brincalhões, ilegais, enquanto as mulheres aparecem como duras, maduras, sérias, legais e punitivas. As mulheres não são chamadas hoje pela ideologia governante para serem subordinadas. Elas são chamadas – solicitadas, esperadas – para serem juízas, administradoras, ministras, presidentas, mestras, policiais e soldadas. Uma cena paradigmática que acontece todos os dias em nossas instituições de segurança é a de um mestre/juiz/psicólogo feminino cuidando de um imaturo e jovem delinquente… A nova figura da feminilidade está emergindo: um concorrente agente do poder frio, sedutor e manipulador, que atesta o paradoxo de que “sob as condições estabelecidas pelo capitalismo, as mulheres podem fazer melhor do que os homens” (Badiou).

Isto, naturalmente, de modo algum converte as mulheres em suspeitas de serem agentes do capitalismo; simplesmente afirma que o capitalismo contemporâneo inventou sua própria imagem ideal de mulher que representa o poder administrativo frio, mas com um rosto humano.

Ambos os candidatos se apresentam como anti-sistema. Le Pen de uma forma obviamente populista e Macron de uma forma muito mais interessante: é um estrangeiro entre os partidos políticos existentes, mas precisamente como tal, defende o sistema, em sua indiferença ante as eleições políticas estabelecidas. Ao contrário de Le Pen, que representa a paixão política adequada, o antagonismo de Nós contra Eles (dos imigrantes às elites financeiras não patrióticas), Macron representa uma tolerância apolítica que abrangente tudo.

Muitas vezes ouvimos a afirmação de que a política de Le Pen extrai sua força do medo (o medo de imigrantes, das instituições financeiras internacionais anônimas…), mas não acontece a mesma coisa para Macron? Ele terminou em primeiro lugar porque os eleitores temiam a Le Pen, e porque o circo estava fechado, portanto, não há uma visão positiva dos dois candidatos, pois ambos são candidatos do medo.

O que realmente está em jogo nesta votação fica claro se localizarmos em seu contexto histórico mais amplo. Na Europa Ocidental e Oriental, há sinais de uma reorganização do espaço político a longo prazo. Até recentemente, o espaço político era dominado por dois partidos principais que dirigiam todo o corpo eleitoral: um partido de centro-direita (democrata-cristão, liberal-conservador, do povo…) e um partido de centro-esquerda (social-democrata…), com partidos menores dirigindo-se a um eleitorado mais estreito (ambientalistas, neo-fascistas, etc.)
Agora, há um partido que está surgindo progressivamente que representa o capitalismo global como tal, geralmente com relativa tolerância em relação ao aborto, os direitos dos homossexuais, as minorias religiosas e étnicas, etc. E quem faz oposição a este partido é um partido populista anti-imigração que, em suas margens, é acompanhado por grupos neo-fascistas ou diretamente racistas.
O caso exemplar é o da Polônia: após o desaparecimento de ex-comunistas, os principais partidos são o partido liberal centrista “anti-ideológico” do ex-primeiro-ministro Donald Tusk e o partido conservador cristão dos irmãos Kaczynski. Os interesses do Centro Radical hoje são: qual dos dois principais partidos, conservadores ou liberais, terá sucesso em apresentar-se como aquele que encarna a não-política pós-ideológica contra o outro partido descartado como aquele que “ainda está preso em velhos espectros ideológicos”? No início dos anos 90, os conservadores eram melhores nisso. Mais tarde, foram os esquerdistas liberais que pareciam estar ganhando vantagem, e Macron é a última figura de um radical de centro, puro.

Assim, chegamos ao ponto mais baixo de nossas vidas políticas: a pseudo-eleição, se é que alguma vez houve uma. Sim, a vitória de Le Pen traria possibilidades perigosas. Mas o que mais temo são as possibilidades que se seguem à vitória triunfante de Macron: suspiros de alívio de todos os lados, “graças a Deus o perigo foi mantido à distância”, “a Europa e a nossa democracia estão a salvos, então, poderemos voltar ao nosso sonho capitalista liberal outra vez” … A triste perspectiva que nos espera é a de um futuro em que, a cada quatro anos, entraremos em pânico, assustados por alguma forma de “perigo neo-fascista”, e desta forma, chantageados para emitir nosso voto para o candidato “civilizado” nas eleições absurdas que são carentes de uma visão positiva…

É por isso que, em pânico, os liberais que nos dizem que agora devemos nos abster de todas as críticas a Macron estão profundamente enganados: agora é o momento de trazer à tona sua cumplicidade com o sistema em crise, pois após a sua vitória será tarde demais e a tarefa perderá a sua urgência na onda de auto-satisfação. Na situação desesperada em que nos encontramos, diante de uma falsa eleição, deveríamos reunir coragem e simplesmente nos abstermos de votar. Abster-se e começar a pensar.

O lugar comum “basta de agir, vamos conversar” é profundamente enganoso – agora, temos de dizer exatamente o oposto: basta de pressão para que se faça alguma coisa, vamos começar a falar a sério, ou seja, a pensar! E com isso quero dizer que também devemos deixar para trás a auto-complacência esquerdista radical que repete sem cessar que as opções que nos são ofertadas no espaço político são falsas e que apenas uma esquerda radical renovada pode nos salvar… Sim, de certa forma, mas por que, então, a esquerda não surge?

A esquerda poderia oferecer alguma perspectiva que seria forte o suficiente para mobilizar as pessoas? Nunca devemos esquecer que a causa definitiva pela qual estamos presos no círculo vicioso de Le Pen e Macron é o desaparecimento da alternativa de uma esquerda viável.

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Theo Rodrigues

Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.

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Comentários

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Maria Eugênia Xavier

10/05/2017 - 08h30

Muito interessante o seu artigo. SO faço uma observaçao: Ha um erro quando você diz “Jean Luc Mélenchon, do Partido Comunista”. Não, ele é o porta-voz, o leder do movimento France Insoumise. O Partico Comunista esteve junto com ele nesse momento mas nao vai estar para as legislativas. A relaçao entre eles é muito complicada.
No mais, a analise é muito boa. E a esquerda, atualmente, corre o risco de errar de novo e deixar os Macrons governarem a França e propiciarem mais ainda a subida do le Pen…

marco

09/05/2017 - 19h48

Pois eu acho que,enquanto os que pensam,não souberem que o CAPITALISMO LIBERAL nos nossos dias,é representado pela ABSTRAÇÃO ” DEMOCRACIA ” que todos saúdam,sem levar em conta que do ponto de interesse das MAIORIAS MISERÁVEIS, essa ABSTRAÇÃO ,nunca resolveu nenhum dos problemas das maiorias miseráveis. Nenhum,eu incorro em exagero,pois em somente um caso ela ,a ABSTRAÇÃO, nos permite GRITAR.Ou mais alto ou mais baixo. Conclusão,para os que por acaso lerem o que escrevo aqui, REVOLUÇÃO SOCIALISTA.Pura e difícil,mas não impossível. Resumindo,todo o DEMOCRATA,é um FARSANTE.

roberto luiz

09/05/2017 - 19h08

E no Brasil temos o projeto “Brasil Nação” que é feito apenas por bancos ricos!


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