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Os ataques do golpe às leis trabalhistas

“Reforma” trabalhista em tempos de golpes e golpismos contra a classe trabalhadora(*) Por Grijalbo Coutinho[**] Os partidos de direita no Brasil, os mais graúdos deles nascidos sob a inspiração da social-democracia europeia, como alternativa para limitar os ímpetos mais selvagens da burguesia mundial e oferecer dignidade ao trabalho nos marcos do sistema do lucro, odeiam […]

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“Reforma” trabalhista em tempos de golpes e golpismos contra a classe trabalhadora(*)

Por Grijalbo Coutinho[**]

Os partidos de direita no Brasil, os mais graúdos deles nascidos sob a inspiração da social-democracia europeia, como alternativa para limitar os ímpetos mais selvagens da burguesia mundial e oferecer dignidade ao trabalho nos marcos do sistema do lucro, odeiam a democracia social porque, em tempos de mundialização do capital, em sua vertente financeirizante, não passam de meros pontas de lança ou clássicos despachantes dos interesses do modelo econômico dominante ávido pelo aniquilamento das conquistas trabalhistas reconhecidas pelo Estado após aguerridos processos políticos de luta por Direitos Humanos. Tais agremiações conseguem ser mais neoliberais e reacionárias do que as cores partidárias conservadoras na Inglaterra ou mais hostis aos trabalhadores do que os integrantes das fileiras partidárias republicanas nos Estados Unidos da América.

Não obstante avassaladora crise política e moral envolvendo o governo de plantão, verdadeiro fomentador de “reformas” para arrasar a classe trabalhadora, governo o qual pode ser substituído a qualquer momento por outro de igual quilate, para tudo continuar como dantes no quartel de Abrantes, ainda assim, registre-se, os partidos do grande capital com representação no Parlamento(Câmara dos Deputados e Senado Federal), responsáveis pela ascensão ilegítima dos atuais dirigentes ao topo da República, simplesmente relegam a presente tempestade política em nome do fiel cumprimento das ordens do mercado financeiro e dos financiadores de suas campanhas eleitorais.

Por isso mesmo, as forças partidárias de direita no Brasil pretendem massacrar a classe trabalhadora, com a aprovação urgente de uma “reforma” trabalhista que retrocede ao século XIX, ainda que o problema mais premente repousa sobre a análise da legitimidade de um governo ”caindo pelas tabelas”, acusado da prática de graves crimes contra o povo brasileiro, para patrocinar o fim do Direito do Trabalho no Brasil como medida imprescindível para prolongar a sua própria permanência no poder.

Ora, é surreal que se pretenda, no Brasil de 2017, aprovar proposta legislativa que dilacera os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores para garantir a sobrevivência política de um governo ameaçado de ser implodido a qualquer momento após ser acusado formalmente pelo cometimento de crimes diversos e, principalmente, para atender aos interesses econômicos de grandes empresas igualmente acusadas da prática reiterada desses e de outros crimes, muitas delas corruptoras confessas no atual imbróglio.

Em outras palavras, em momento de suposto combate à corrupção são os respectivos acusados, ativos e passivos, os verdadeiros atores da “reforma” e únicos a ganhar com o ataque aos direitos do trabalho.

Ironia do destino?

Sem nenhuma dúvida, são aparentes paradoxos capazes de atestar o fim de qualquer pudor quando o assunto é atender aos anseios do mercado financeiro e atacar os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores. Perdeu-se qualquer vergonha, para dizer o mínimo, no estranho momento da vida brasileira, sendo certo que a velha mídia do capital cumpre o seu papel histórico, no sentido de ludibriar a imensa maioria da população brasileira, que se tivesse a exata noção da dilapidação de seus direitos, com o projeto de “reforma” trabalhista, não deixaria de reagir.

Por outro lado, é imprescindível frisar, desde logo, que a democracia burguesa jamais passou de uma falácia, especialmente no Brasil. Sempre que pretendeu aumentar os níveis de exploração da classe trabalhadora e de maximização dos seus lucros, a classe dominante rompeu com o ordenamento jurídico por ela própria instituído, alterando as regras do jogo e substituindo os gerentes dos seus negócios capitalistas.

Na história recente do Brasil, é possível confirmar a hipótese antes exposta a partir do suicídio de Vargas em 1954, acuado no Palácio do Catete por forças golpistas reacionárias; da deposição de Jango pelo golpe civil-militar de 1964; e do impedimento de Dilma Rousseff, em 2016, este último ato liderado pela ostensiva campanha promovida por setores da grande mídia em parceria com agentes do poder público em investigações selecionadas. Todos esses eventos políticos se deram a partir do rompimento das balizas constitucionais vigentes em cada momento.

Os atuais detentores do poder político no Brasil, depois do êxito do golpe travestido de processo legítimo de destituição presidencial, querem cumprir os compromissos com os seus apoiadores rentistas nacionais e internacionais, esvaziando o conteúdo progressista da CLT e liquidando, ainda, a previdência pública, tudo no mais breve tempo possível.

O Brasil, como país da periferia do capitalismo ou em “desenvolvimento”, sofre os efeitos da crise estrutural do sistema em nível mundial. O mercado globalizado, portanto, exige maiores sacrifícios por parte do trabalho em uma nação que integra o pacto econômico BRICS (Bloco comercial integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) fora do controle ou do domínio do imperialismo norte-americano, ameaçado pelo seu processo de contundente desindustrialização nas últimas décadas.

Embora os governos Lula e Dilma tenham contribuído para a expansão de lucros dos negócios capitalistas em atividade no Brasil, a partir de sua exacerbada generosidade com os ricos, sem desprezar as inúmeras políticas econômicas e cambiais valorizadoras da financeirização, o fato é que a partir de 2014 a euforia começou a ceder lugar a um cenário de preocupações, tanto pela influência do quadro internacional, quanto pelo clima de terra arrasada propagado pela mídia oligopolista para derrotar eleitoralmente os governos da denominada “Frente Brasil Popular” .

Como não foi possível derrotar, do ponto de vista eleitoral, o projeto em curso desde 2003, que buscava conciliar os lucros crescentes dos capitalistas nacionais e internacionais com algumas políticas inclusões sociais destinadas aos setores mais humildes da população brasileira, a direita tradicional intensificou a sua campanha para tomar o poder mediante golpe parlamentar. Para tanto, além das possíveis interferências dos Estados Unidos da América (EUA) na montagem de campanha contra a Petrobrás, uma das maiores empresas estatais do mundo de setor estratégico, segmentos da repressão penal do Estado cuidaram de desenvolver midiáticas investigações cuidadosamente voltadas para criminalizar a centro-esquerda. O intento foi alcançado em abril de 2016 e sacramentado em agosto do mesmo ano.

Ora, como a centro-esquerda havia perdido a sua utilidade para as elites, especialmente porque o governo eleito em 2014 não se mostrava apto a entregar a totalidade ou ao menos setores estratégicos da Petrobrás (empresa estatal do petróleo brasileiro) aos investidores internacionais, nem reunia condições políticas para promover reformas trabalhista e previdenciária capazes de permitir maior extração de valor do trabalho em favor do capital, o mote dos neoliberais no Brasil consistiu na desmoralização pública dos governos Lula e Dilma, com pesadas e sistemáticas acusações de corrupção, ao mesmo tempo em que velhos dirigentes dos partidos de direita, igualmente envolvidos em atos contra o patrimônio público, foram não apenas preservados pelas denúncias mais midiáticas como também assumiram os postos mais importantes da República a partir de maio de 2016.

É necessário relembrar que as riquezas da burguesia advêm de duas fontes: da exploração do trabalho humano sem remuneração (mais-valia) e da corrupção sistêmica por meio da apropriação de recursos públicos pela classe dominante. Isso não significa dizer que a corrupção deve ser tolerada, muito menos normalizada. Ao contrário, os seus autores precisam ser punidos nos limites autorizados pelo ordenamento jurídico. O problema é o falso moralismo, que diz combater a corrupção quando, em última análise, contribui para o seu aumento exponencial, ao proteger os profissionais dos negócios entre o público e o privado, além de aumentar os níveis de exploração dos mais pobres (privatização, reformas trabalhista e previdenciária).

Em nome de um moralismo tacanho abraçado pelos setores mais alienados e retrógrados da sociedade brasileira, o poder político foi entregue a determinados personagens acusados há décadas pelo cometimento das mais variadas irregularidades e pela celebração de negócios escusos. É certo que foram todos eles alçados ao centro decisório da política nacional para entregar o patrimônio público a particulares por intermédio de privatizações relâmpagos, bem como para promover radicais “reformas” trabalhista e previdenciária em nome da maximização dos lucros, na tentativa de resolver a crise estrutural do sistema capitalista, tudo isso impondo sacrifício adicional à classe trabalhadora.

Em outras palavras, os ricos e os mais aquinhoados economicamente ganharam com o golpe parlamentar de 2016, pois estão comprando estatais, com destaque para a Petrobrás, em condições próprias de negócios familiares, assim como estão reduzindo os seus custos com o trabalho e privatizando a previdência do povo brasileiro.

Sobre as raízes ou reais motivações da “reforma” trabalhista do governo Temer patrocinada pelas representações empresariais do mercado – cujos despachantes de tais interesses econômicos são os poderes constituídos, a começar pelo golpe parlamentar de 2016, bem como os atos subsequentes dos agentes políticos do Estado –, é inegável reconhecer, desde logo, que o Projeto de Lei n. 6.787/2016, já aprovado na Câmara dos Deputados, ora tramitando no Senado Federal sob o título PLC n. 38/2017, é fiel à lógica do sistema do lucro e da acumulação de riquezas.

O propósito supostamente reformista, conforme dezenas de alterações perseguidas em dispositivos da CLT, é reduzir drasticamente o custo do valor-trabalho mediante sua extrema precarização em todas as dimensões possíveis, com especial destaque para o tema da jornada extenuante, intensa e intermitente, com evidente rebaixamento de seus patamares remuneratórios, em resposta às necessidades do capital de ampliação de seus ganhos com base na potencialização do labor humano como mercadoria.

Por conseguinte, a denominada “reforma” trabalhista do governo Temer materializada por intermédio do Projeto de Lei n. 6.787/2016 (Câmara dos Deputados), ora tramitando no Senado Federal como PLC n. 38/2017, cuida-se de típico código de direito material e processual de proteção ao capital, a ponto de nos fazer lembrar o tempo das leis europeias fundamentais para a estruturação do capitalismo em sua fase de acumulação primitiva, normas as quais foram editadas antes do século XIX com o fito de autorizar a máxima exploração da classe trabalhadora e a sua consequente punição, do ponto de vista coletivo ou individual, na hipótese de qualquer levante operário.

É possível concluir do conteúdo das alterações propostas ao texto da CLT que as mudanças possuem um único vetor, qual seja, o da redução de direitos e garantias dos trabalhadores, tendo como natural contrapartida o aumento exponencial de poder conferido aos donos dos meios de produção e aos seus prepostos terceirizantes.

A CLT, nos moldes em que foi editada em 1943, tinha 921 artigos, incluindo as disposições finais e transitórias em suas normas de direito material e processual do trabalho, havendo, hoje, vários dispositivos revogados ou não recepcionados pela Constituição da República. O projeto de lei da reforma trabalhista do governo Temer realiza uma espécie de pente fino na referida legislação (CLT), retalhando, pois, quase todos os comandos protetivos do Direito do Trabalho, iniciando no artigo 1º e terminando no de número 899, com mais de duas centenas de mudanças, sempre no sentido de buscar, em cada norma criada ou substancialmente alterada, outro patamar de disciplinamento da relação jurídica entre o capital e o trabalho, sobressaindo, assim, o seu evidente propósito de eliminar ou mitigar direitos obreiros consagrados na CLT e na jurisprudência trabalhista dominante.

Não há, em todo o projeto, nenhuma ampliação de direitos à classe trabalhadora senão o aumento exacerbado do poder da burguesia, para a definição das cláusulas dos contratos individuais ou coletivos de trabalho.

Segundo estudo realizado pelo professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior (2017) e a professora da FEMARGS Valdete Souto Severo, são 201 ataques aos trabalhadores contemplados na “reforma” trabalhista do governo Temer. Para o historiador Carlos D’Incao (2017), considerando apenas os artigos da CLT, 120 deles são pontos ou vítimas de massacre naquela proposta legislativa.

Aqui, contudo, o recorte abordará exclusivamente o tema da jornada de trabalho como elemento decisivo para o crescimento da taxa de lucros do sistema capitalista de produção e consequente diminuição do poder remuneratório dos trabalhadores.

Nessa direção, nota-se a existência das seguintes modificações referentes à jornada de trabalho, conforme proposta de mudança da CLT: i) ausência de cômputo de parte do tempo em que o trabalhador permanece nas dependências da empresa empregadora (§ 2º do art.4º); ii) fim das horas in itinere (§ 2º do art. 58); iii) elevação da jornada do contrato a tempo parcial, de 25 para 36 horas semanais (art. 58-A); iv) chancela à realização de horas extras nos contratos a tempo parcial (§ 4º do art. 58); v)compensação da jornada extraordinária para além do limite semanal (§ 5º do art. 58); vi) contratação de horas extras por acordo individual de trabalho (art.59); vii) expansão do denominado “banco de horas” para também autorizá-lo por acordo individual de trabalho (§5º do art. 59); viii) compensação de jornada por acordo individual, tácito ou escrito (§ 6º do art. 59); ix) estabelecimento da jornada de 12 h x 36 h (doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso), mediante acordo individual de trabalho (art. 59-A), sem descanso semanal remunerado ou gozo de feriado (parágrafo único, do art. 59-A) e com simples indenização do intervalo intrajornada (art.59-A ); x) ainda que horas extras habituais sejam realizadas para além do acordo de prorrogação e compensação ou do estabelecido em banco de horas, estes modos de legitimação de falta de pagamento de horas suplementares restam intactos (art. 59-B); x) dispensa de licença prévia para a prestação da jornada de 12 h x 36 h (parágrafo único do art. 60); xi) o excesso de jornada pode ser exigido independentemente de previsão em norma coletiva (§ 1º do art. 61); xii) empregados do teletrabalho não fazem jus ao recebimento de horas extras (art. 62, III); xiii) estímulo à não concessão do intervalo, com a sua simples indenização (§ 4º, do art. 71); xiv) mesmo comparecendo regularmente à empresa, o empregado continua vinculado ao teletrabalho e sem direito à percepção de horas extras (art. -B); xv) criação da figura do contrato intermitente (art. 443), quando o empregado trabalhará de acordo com os interesses da empresa, recebendo somente pelas horas trabalhadas, podendo auferir salário inferior ao mínimo legal, incluindo o denominado “salário zero” ao final do mês, sem cômputo do tempo de serviço à disposição da empregadora, com todas as parcelas salariais e rescisórias extremamente mitigadas (§ 3º do art. 443, art. 452-A, §§ 1º-6º do art. 452-A); xvi) prevalência do negociado sobre o legislado sobre jornada de trabalho, banco de horas anual, intervalo intrajornada, limitado a 30 minutos, teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente, registro de jornada de trabalho, troca do dia de feriado e prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (art. 611-A, incisos I, II, III, VIII, X, XI e XIII).

Como se percebe da descrição acima, entre os principais pontos da “reforma” trabalhista 2016/2017 encontra-se o da jornada de trabalho, lastreado em três eixos básicos: aumento exponencial do trabalho extraordinário, com ausência de remuneração para os mais diversos tipos de extrapolação da jornada, crescimento do labor intensivo e adoção do contrato de trabalho por remuneração “zero”, na intermitência inspirada em modelos flexibilizantes adotados por alguns países.

Não por acaso, a “reforma” trabalhista (2016-2017), movida por verdadeira obsessão de ordem econômica, esquadrinha o tema da jornada de trabalho em inúmeras passagens da proposta em debate no Congresso Nacional, com o claro propósito de diminuir o preço da força de trabalho ao final do processo produtivo.

Nas economias periféricas ou dependentes do capitalismo internacional, como é o caso do Brasil, a superexploração da força de trabalho mediante o pagamento de baixos salários e de precarizações laborais outras integra a trajetória da classe trabalhadora; assim, satisfaz-se a demanda do capitalismo global de acumulação em seus níveis máximos nos locais de resistências frágeis ao despotismo do capital. Por isso mesmo, a burguesia, consoante diretrizes do mercado financeiro, ao pretender revisar ou revogar a legislação trabalhista protetiva, está convicta de que a medida, além de se mostrar adequada para a conjuntura econômica internacional, enfrentará menor reação onde prepondera a superexploração da força de trabalho, ou seja, nas nações de capitalismo hipertardio, dependente, de natureza colonial-escravista e de forte preconceito contra o valor-trabalho humano.

Em tal contexto, aumentar e intensificar a jornada, até mesmo sem o pagamento adicional correspondente, outros casos de sobrejornada até então remunerados precariamente, bem como estabelecer o salário “zero” para os contratos intermitentes, tudo isso, diga-se, apenas atesta a voracidade do capital em acabar com os direitos conquistados pela classe trabalhadora.

A exploração da mão de obra humana é a condição fundamental para a existência do sistema capitalista de produção, assertiva essa suficientemente reforçada pela proposta de “reforma” trabalhista (2016-2017) do mercado financeiro ao Brasil. O cenário se mostra favorável à burguesia em tempos de golpe político proferido com o intuito de aumentar os níveis de exploração da classe trabalhadora, tanto pela ampliação e intensificação da jornada de trabalho sem remuneração adicional, quanto pelo corte para tantas outras situações de alargamento laboral hoje precariamente remuneradas.

É forçoso reconhecer que o principal enfrentamento à “reforma” trabalhista deve se dar na esfera política, por sindicatos e partidos identificados com a causa obreira mobilizados contra quaisquer retrocessos sociais, independentemente da aprovação ou não do projeto de lei.

Por outro lado, antes e depois de qualquer votação, seja qual for o resultado, o mundo jurídico do trabalho deve declarar que as mudanças temerárias pretendidas pelos partidos de orientação empresarial não passam pelo crivo do Direito do Trabalho. Elas não se sustentam frente à Constituição de 1988, a sua principiologia, aos seus fundamentos comprometidos com o valor trabalho humano e a justiça social.

Inegavelmente, o Direito do Trabalho, consagrador de direitos sociais conquistados pela luta dos trabalhadores, é evidente intruso na sociedade capitalista, porque comprime a essência do regime do lucro, limitando sobremaneira parte de sua veia liberal, não sendo outro o motivo de sua constante e furiosa perseguição, como ocorre atualmente por intermédio das “reformas” trabalhistas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo governo Temer. Também pode ser temporariamente útil à burguesia, sempre que for utilizado como contemplação ou freio às transformações revolucionárias de classe, embora maduras as respectivas condições para tanto.

Em tempos de contrarrevolução burguesa, faz-se necessária a defesa do Direito Constitucional do Trabalho fiel às suas origens e à sua principiologia protetiva para afastar do mundo jurídico as interpretações judiciais ou mudanças legislativas comprometidas com o aprofundamento das desigualdades sociais nas relações conflituosas entre o capital e o trabalho.

Para derrotar a mais radical reforma da CLT já apresentada ao Parlamento, é preciso recuperar as balizas fundadoras do Direito do Trabalho e os pinncípios que o orientam, que não demandam normatização para a sua aplicação, estando, inclusive, assegurados pela Constituição da República de 1988, pelo Direito Internacional do Trabalho e por pactos e declarações de Direitos Humanos, bem como nas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Direito do Trabalho encontra-se fundado em princípios, tendo a mais absoluta compatibilidade com toda e qualquer diretriz principiológica afirmativa dos Direitos Humanos da classe trabalhadora, como se nota, por exemplo, da essência do princípio da vedação do retrocesso social. A observância desse princípio pelo intérprete preserva o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados, de modo que esses direitos são constitucionalmente garantidos (CANOTILHO, 2003, p. 475). Por incidência desse princípio, extraem-se, também, o princípio da progressividade social (art. 7º, I) e os princípios da proteção e da norma mais favorável (REIS, 2010, p. 10), bem como que se afastam do ordenamento jurídico todas e quaisquer normas violadoras da função do Direito do Trabalho (RODRIGUEZ,1993).

Uma proposta legislativa voltada para ampliar todos os limites de jornada, além de subtrair as remunerações respectivas, eliminar descansos e outros direitos imprescindíveis para a preservação da saúde dos trabalhadores, configura explícito rebaixamento das condições gerais de trabalho vetado pelo comando do caput do art. 7º da Constituição da República, do qual emana o princípio da proibição do retrocesso no âmbito das relações de trabalho.

Para além dessa barreira constitucional, existem tantas outras como o princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como fundantes da República (art. 1º), a garantia de um ambiente saudável de trabalho (art. 7º, XXII), a limitação da jornada (art. 7º, XIII, XIV, XV e XVI) e o funcionamento da ordem econômica pautada pela valorização do trabalho humano e pela redução das desigualdades sociais (art. 170, VII).

No plano internacional, os pactos sobre Direitos Humanos – com destaque para o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU) e para as Convenções da OIT – repelem a possibilidade de o trabalho ser tratado como mais uma mercadoria, ao menos de forma tão explícita como se apresenta na reforma trabalhista do governo Temer, bem como vedam quaisquer retrocessos sociais e medidas inexpugnavelmente ofensivas à saúde laboral, como se dá em jornadas extravagantes, com falta de intervalos, trabalho intenso e trabalho intermitente.

Na quadra política, reitere-se, cabe à classe trabalhadora organizada em sindicatos e partidos operários derrotar a reforma trabalhista do governo Temer, independentemente de sua aprovação pelo Congresso Nacional, o fazendo como uma das expressões ou vertentes da luta de classes contra o despotismo do capital.

Sob o ângulo jurídico, a “reforma” trabalhista deve ser enfrentada por viés de direito contra-hegemônico ao receituário burguês neoliberal. A Constituição de 1998 e o Direito Internacional do Trabalho oferecem rico panorama normativo para afastar os retrocessos sociais presentes na proposta debatida no Parlamento. Ademais, examinar o tema a partir de luzes principiológicas inspiradoras do Direito do Trabalho e do Direito Constitucional do Trabalho muito auxiliará na tarefa persistente de evitar a derrocada da civilização laboral alcançada nos marcos da frágil democracia burguesa.

?Todos os caminhos escolhidos devem dialogar e se entrecruzam no processo contínuo de luta de construção e afirmação dos Direitos Humanos da classe trabalhadora mundial.

Os neoliberais e outros atores responsáveis pelo desmonte trabalhista ora em curso, incluindo os agentes que deliberadamente ingressaram na instituição com o propósito de liquidá-la por dentro, ou seja, de dizimar o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, podem ter certeza disso: jamais conseguirão calar a magistratura do trabalho efetivamente comprometida com o Estado Democrático de Direito, nem mesmo por intermédio das mais diversas ameaças em tempos notoriamente de exceção na quadra política, que espraia os seus tentáculos fascistas para o conjunto de ações da sociedade.

Brasília, 10 de julho de 2017.

(*) Resumo do artigo acadêmico escrito para a conclusão da disciplina Sociologia Jurídica, Turma “C”, no curso de doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, ministrada pela Professora Daniela Muradas Reis, também orientadora do autor do artigo, cujo título originário é “Reforma” Trabalhista: a potencialização do valor trabalho como mercadoria em tempos de governança burguesa ilegítima”, regularmente depositado na UFMG no dia 05 de julho de 2017. Este aqui é uma síntese do artigo acadêmico originário.

(**) Grijalbo Coutinho é mestre e doutorando em Direito e Justiça pela UFMG. Magistrado (desembargador) do TRT 10(DF e TO).

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
D’INCAO, Carlos. Reforma trabalhista: massacre em 120 pontos. [Internet]. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2017.
REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2010.
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 1993.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Os 201 ataques da “reforma” aos trabalhadores. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2017.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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