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Uma crítica dura à presidente Dilma

Dilma tem responsabilidades, e se houve um aumento grande no número de crimes contra gays no Brasil, ela tem obrigação de liderar um combate político, de alto nível, contra esse tipo de intolerância.

14 comentários
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Vamos temperar esse Cafezinho com um pouco de polêmica. Enquanto a popularidade presidencial se mantém nas alturas, a situação na planície, vista de perto, não é tão calma, com focos diversos de insatisfação irrompendo aqui e ali. Em tempos de internet e redes sociais, pequenos núcleos de rebelião conseguem fazer um tremendo barulho, principalmente se as reinvindicações são justas, como é o caso, por exemplo, daquelas que vem sendo veiculadas pelas organizações LBGT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

O professor Wanderley Guilherme dos Santos já havia nos advertido, em artigos, que as dificuldades políticas de Dilma seriam ainda mais complexas que as de Lula, pelas seguintes razões:

  1. Com as agruras sociais mais desesperadoras já devidamente encaminhadas por iniciativas como o Bolsa Família, de um lado, e queda no desemprego, de outro, as pressões teriam natureza mais polêmica, com maior divergência de interesses. O consenso em torno do combate à miséria não foi tão difícil alcançar, apesar da histeria inicial de setores reacionários. Planos de combate à homofobia geram uma divergência de ordem infinitamente mais complexa.
  2. Os deslocamentos econômicos realizados pelas camadas mais pobres caracterizam-se por seu ritmo febril e percentuais altíssimos de crescimento. Se uma família semi-indigente que tinha renda de 200 reais ao mês passa a auferir mais de 700 reais, em virtude de programas sociais e um emprego formal de algum membro, há um salto de 250% na renda. Uma família já posicionada na classe média muito raramente verá um avanço semelhante em seu nível de renda. Essa é lógica do crescimento meteórico da China, e também porque este crescimento arrefece paulatinamente na medida em que o país se desenvolve.
  3. O processo de rearrumação social, muito intenso nos últimos anos, perde força. Para prosseguir, esbarra em obstáculos que demandam muito mais tempo para serem removidos, como a deficiência na educação e, mais ainda, preconceitos de ordem cultural.
  4. O ser humano caracteriza-se pela insatisfação. É uma de suas maiores virtudes, que o impulsiona a melhorar de vida e a almejar sempre, para seus descendentes, uma situação melhor do que a desfrutada por si. Essa é a razão também pela qual os níveis de “felicidade” ou “satisfação” costumam ser bem menores em países altamente desenvolvidos do que em nações pobres. Quanto mais instruído for um jovem, maiores e mais complexos se tornam os objetivos de sua vida.
  5. Encaminhados os problemas mais básicos, explodem pressões de ordem mais sofisticada: liberação das drogas, ciclovias nas cidades, combate mais assertivo à homofobia.

Além disso, os próprios programas sociais perdem popularidade. As pessoas querem mais. Dito isto, a presidente até que tem lidado razoavelmente bem com os novos desafios, mantendo bons níveis de popularidade. Um mercado de trabalho aquecido, com salários em alta, e o emprego próximo da plenitude, com certeza ajudam a manter o otimismo.

Uma sociedade que se desenvolve, porém, tende a se fragmentar. O que parece agradar a maioria na verdade produz uma série de focos de insatisfação. O crescimento das redes sociais, além disso, confere um poder novo a todos os grupos, desde que minimamente organizados e coesos.

Analisemos o caso da revolta do movimento LGBT, que explodiu por ocasião do veto da presidente ao kit anti-homofobia, que o Ministério da Educação distribuiria nas escolas públicas de todo país. Eu acompanhei o caso desde o início. A informação do governo era que a ação seria postergada para o final do ano, mas o que houve foi realmente o engavetamento do projeto e uma declaração infeliz da presidente, feita em maio do ano passado, que provocou profundo desgosto e contrariedade entre a militância: Dilma posicionou-se contra o kit e disse que não fazia sentido fazer propaganda de “opção” sexual. Os militantes ficaram particularmente chocados com o uso do termo “opção sexual”, considerado politicamente incorreto. O certo é “orientação sexual”.

Para conferir o grau de irritação do movimento, assista ao vídeo de Luiz Mott, fundador do Movimento Gay da Bahia, em vídeo que assisti originalmente no blog Cidadania.

E abaixo, a entrevista em que Dilma usou o termo “opção” e se declarou contra o kit anti-homofobia:

Eu pensei muito sobre esse caso, e partilho com vocês minha opinião:

Luiz Mott está totalmente certo e o governo Dilma, totalmente errado. Concordo inclusive com a linguagem agressiva de Mott. Os dados e os exemplos trágicos que ele apresenta são alarmantes e justificam seu posicionamento e a forma pela qual ele o expressa. Mott é um homem por demais culto e experiente para se deixar levar por uma histeria leviana. Além do mais, a internet inaugurou uma era de transparência e franqueza. As pessoas dizem o que sentem, com muita liberdade, e o resultado às vezes são declarações duras, nervosas, quiçá exageradas, mas muito mais verdadeiras.

Dilma tem responsabilidades, e se houve um aumento grande no número de crimes contra gays no Brasil, ela tem obrigação de liderar um combate político, de alto nível, contra esse tipo de intolerância.

Gostaria de acreditar que a presidente irá ouvir esse apelo do movimento LGBT e dar uma resposta satisfatória e corajosa. É triste ainda constatar o espaço crescente que alguns setores religiosos reacionários vem ganhando na mídia, no parlamento e até no governo, ameaçando a laicidade do Estado brasileiro. Dilma prometeu dar prioridade aos direitos humanos. E conquistou segmentos reticentes ao lulismo através de argumentos de que estaria mais atenta a essas questões. A homofobia é um crime. Pode não sê-lo ainda do ponto jurídico constitucional, mas é num sentido ainda mais poderoso: é um crime de ordem moral. Um atentado ao espírito humanista que desejamos ver representado pelo governo de um país como o nosso.

O Cafezinho tem a presunção de ser um blog que defende o humanismo, então não podemos nos furtar de prestar solidariedade a Mott e a todos os militantes que defendem maior engajamento das autoridades, das mídias e de toda a sociedade, na luta contra a homofobia.

Ilustração: Gay Pride Parade.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Joao Barbosa

24/03/2012 - 21h59

As mudanças estruturais no Brasil deram-se pela conquista da sociedade.
Para os pederastas (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pederastia) conquistarem os seus direitos eles terão que convecer a sociedade.

Eles acham que fazendo videos como esse e colocando a faca no pescoço do presidente de plantão, alcançarão os seus objetivos.

Estão errados.

NENHUM presidente irá contrariar a maioria da população.
Não é assim que funciona a democracia.
O político tem o DEVER de agir em prol da maioria pública.

As minorias tem que GANHAR a simpatia da sociedade para que as suas causas sejam atendidas.
Vejam a situação dos negros no Brasil….Mesmo depois de 400 anos de escravidão, ainda não conseguiram firmar concretamente NENHUM política de favorecimento aos povos negros.

Aos pederastas ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Pederastia ) faltam muito ainda para terem os seus obejtivos alcançados. Não porque não merecem, mas porque eles preferem chocar a sociedade a dialogar com a mesma.

Quem sabe o dia que tivermos pederastas fazendo coisas nobres na TV, por exemplo, que é um grande canal formador de opinião, as pessos possam a enxergá-los de forma diferente?

Enquanto eles se prenderem a fazer fofocas, defamarem as pessoas, ilações e agirem de forma provocativa, ao invés de conciliatoria e construtiva, talvez as pessoas passem a dar mais atenção aos personagens e consequetemente aos seus ideais.

Porque o negro ainda é desprezado na sociedade?
Porque ele é apresentado como empregado subalterno, ladrão, cachaceiros e todas as formas depreciativas na tv. Assim inconcientemente as pessoas absorvem isso e reproduzem no dia a dia.

Assim, os pederastas, deveriam focar os seus esforços em fazerem coisas mais produtivas à sociedade.

    David

    26/03/2012 - 15h43

    Nosso colega Joao abusou do preconceito e da falta de sensibilidade política. Não é assim também Joao, o governo tem obrigação de defender toda a população dentro do que está escrito na constituição federal, não importa se determinado grupo é minoria, a constituição deve ser aplicada a todos. O preconceito, os assassinatos e espancamentos não são permitidos pelas nossas leis. Dito isso, concordo com o Antonio Passos, já está na hora de parar com esse chororô, tem muita coisa pra fazer no país do que ficar discutindo se é opção ou orientação, se o kit que o Lula também teve inúmeras oportunidades de colocar nas escolas (inclusive com um capital político muito maior), é bom ou ruim. E outra, se depois se quer falar que o problema não é a terminologia (fizeram a mesma coisa sobre a "rede-cegonha"), então porque essa é a primeira crítica concreta que se faz?

    Roberto SP

    26/03/2012 - 16h53

    "Pederastas" ? tu é muito ignorante, hein?
    Negros e "pederastas" só vão conseguir respeito quando aparecerem fazendo coisas boas na TV?

    O que a inclusão digital não faz.

    Volta pra escola porque não é na Wikipédia (consultada errada e sem critério) que tu vai aprender algo que preste.

      Joao Barbosa

      27/03/2012 - 22h16

      Roberto,

      Por favor, aguardo você apresentar uma definição melhor de "pederasta" do que a da Wikipedia.
      https://pt.wikipedia.org/wiki/Pederastia = Eu usei essa ferramenta, de reconhecimento MUNDIAL, para que não houvesse dúvidas sobre a definição deste termo.

      Quanto a formação escolar; eu tenho dois cursos técnicos; duas faculdades e duas pós-graduações (sendo uma delas feita no exterior).

      E você? Já se formou no Mobral?

      Aguardo, ancioso, o seu link com a "correta" definição de pederasta…se é que existe outra?!?

      Alías, porque dizer a verdade e usar os termos corretos…"ofende"???

Antonio Passos

21/03/2012 - 14h26

Permito-me discordar completamente do artigo, não do enfoque humanista, justíssimo, mas de quase toda a argumentação. O que transparece é uma visão míope e bastante egoísta a respeito dos problemas brasileiros. Sugerir que a miséria, a educação e outras questões nacionais estão “encaminhadas” no Brasil e que portanto já podemos virar esta página e nos concentramos “nas ciclovias e na homofobia” é um absurdo. Existe em nosso país uma luta acirrada e permanente das forças do atraso, lideradas pelo PIG, contra este governo popular que está mudando o Brasil em favor de seu povo. Positivamente não é este o momento de se “olhar apenas o próprio umbigo”, e fazer cobranças injustas de forma desequilibrada. O famoso “kit anti-homofobia” foi avaliado por inúmeros profissionais da área de psicologia e de outras áreas, e condiderado por eles mal feito e inapropriado. Para concluir, nosso país está crescendo e também está na hora do brasileiro amadurecer e parar de exigir a solução de tudo dos seus governantes. O fim da violência homofóbica passa por uma mudança extremamente profunda na sociedade e não serão medidas tópicas que a realizarão. Se fosse simples resolver problemas deste tipo, a Europa não os teria no nível que temos visto.

    Miguel do Rosário

    21/03/2012 - 16h38

    Obrigado pela participação, Antônio. Repare que a ideia de que os problemas estão encaminhados é apenas uma visão política, e não significa propriamente uma realidade. Mas é uma postura obviamente muito mais característica da classe média, inclusive a mais politizada, do que da população pobre.

    De resto, acho que você talvez tenha razão, mas o objetivo central do post foi tentar dar mais visibilidade à questão da homofobia no país.

    Abraço

    Maria 1

    21/03/2012 - 16h45

    Se escrevesse tão bem assim, teria feito um comentário com esse teor. Não tendo esse dom, deixo apenas os meus cumprimentos a vc, Antonio.

elson

21/03/2012 - 08h07

Olá Miguel , estou de volta .
Este é sem dúvida é um tema espinhoso para a presidencia da república e infelizmente a maioria do povo brasileiro não sabe como lidar com o tema já que vivemos em uma sociedade cuja orientação religiosa ensina a combater o homossexualismo em vez de ensinar a tolerância e o respeito ao próximo .
Será nescessário mais tempo para que nossa sociedade aprenda a ver os homossexuais como seres humanos iguais e não como motivo de chacota ou doentes .
Infelizmente nossos congresistas estão tentando transformar o Brasil em uma república teocrática e isto não é bom , foram pessoas com pensamentos radicais assim que levaram Hitler ao poder e todos já sabemos como acabou a história .

    Miguel do Rosário

    21/03/2012 - 08h26

    Bem vindo de volta, Elson. Estava com saudades. Abraço.

Carlos Velloso

20/03/2012 - 20h35

Pois é, Miguel. É triste. É um problema da democracia. Como ela é a vontade da maioria, e a maioria é hétero, então a tendência é esmagar as minorias. Para isso, é preciso montar sistemas de proteção às minorias, e o homofobia, como é forte no Brasil, deve ser combatida através de lei específica. Mas acho difícil o Congresso atual aprovar algo assim, porque o lobby religioso ganhou muita força nos últimos anos. Pra piorar, tá rolando crise entre o Planalto e o Congresso.

Antonio Olinto

20/03/2012 - 20h30

Na minha opinião, está havendo uma confusão. Falam-se em queimar pontes, etc. Claro que é idiotice falar em "derrubar o governo", essas coisas. As pontes sempre haverão desde que o governo seja democrático, e um movimento social, autêntico. O que é preciso, na verdade, é que haja realmente uma pressão maior para que não só o governo, mas os partidos, abracem essa causa, que é um pilar dos direitos humanos. Essa pressão tem que ser inteligente. O governo é democrático. A presidente foi eleita, e para mim está evidente que não é uma homofóbica. Pode ter homofoba "internalizada, como disse o Mott, mas aí qualquer um pode ter, até mesmo um gay. Então, é preciso construir, não uma ponte, mas um discurso bonito, que mobilize a sociedade, o partido e a presidente.

Abraço e parabéns pelo post.

Sofia Vargas

20/03/2012 - 20h24

Bem posto, Miguel. Acho o que cara exagerou um pouco ao dizer que Dilma tem as mãos manchadas de sangue. Infelizmente, a presidente não tem condições de acabar com a homofobia numa canetada. Esse tipo de coisa, como você disse, está enraizado na cultura e sua mudança efetiva se dá muito lentamente.

Beijos!

Antonio Leal

20/03/2012 - 20h20

Interessante é constatar ainda que para os radicaizinhos mais reacionários, a Dilma representa uma comunista revolucionária, e que apesar da política conservadora na questão LGBT, ainda assim acham que ela "defende" os gays e a atacam violentamente por isso.

Os ataques ao kit gay adquiriram uma proporção monstruosa. Vieram de baixo e de cima. E acho que Dilma é meio traumatizada com o que sofreu nas eleições. Não quer passar por isso de novo em 2014.

Abs,
Antonio

Monica Lee

20/03/2012 - 20h16

Miguel, eu concordo contigo. Acho meio bobo se pegar na questão da terminologia, entre opção e orientação. Dilma é economista e o termo foi usado numa entrevista quebra-queixo, em que o político mal tem tempo para pensar. Isso dá para desculpar. Mas ela precisa ser mais sensível a questão da homossexualidade, que enfrenta hoje uma forte ataque dos evangélicos, que por sua vez estão deslumbrados com poder que as urnas lhes conferiram.


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