Sobre derrotas, poder e transformação

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(Ilustração da capa: Basquiat).

Segundo Nietzsche, por mais que o interesse e a vaidade desempenhem um papel importante na política, o fator mais poderoso, que motiva seus agentes a continuarem na luta, é o sentimento de poder, ou a necessidade de sentir esse poder. Acho que esse raciocínio ajuda a entender a atual crise de relacionamento entre Planalto e Congresso, e porque os parlamentares decidiram impor uma derrota ao governo ao adiarem a votação da Lei da Copa.

Ninguém acredita que a Lei da Copa do Mundo deixará de ser votada. A rebelião parlamentar serve a um jogo de nervos, mas não há razão para crer que ela chegue ao ponto de sabotar voluntariamente o maior evento a ser realizado no país. De qualquer forma, a obstrução no Congresso não impede que as obras sigam em frente, de maneira que não estamos diante de nenhum problema de gravidade urgente.

Os deputados conseguiram, porém, o que desejavam: chamar a atenção, do Planalto e da sociedade. Desfrutaram por algumas horas, e quiçá por mais alguns dias, da sensação de que têm poder.

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No entanto, a interpretação de que as derrotas do governo na Câmara, ontem, derivam apenas da insatisfação de lideranças partidárias com a maneira pela qual o Executivo tem tratado suas demandas por cargos e verbas, põe de lado o nascimento de divergências programáticas concretas, ou até mesmo ideológicas, que existem no seio do parlamento.

Essas diferenças existem, e não cabe atribuí-las apenas à postura pirracenta dos deputados e senadores. O governo conseguiu montar uma vasta base política, e durante o primeiro ano obteve uma extraordinária coesão, aprovando quase todas as reformas almejadas. Mas essa coesão só durou porque os temas não inspiraram divergência. À medida que os temas foram se tornando mais polêmicos, tem início uma decantação natural entre as partes, uns indo prum lado, outros, para o lado oposto.

Além disso, a situação hoje está mais tensa não só pela inflexibilidade moral e republicana da presidenta. As articulações para as eleições municipais já estão influenciando o comportamento dos deputados. E de várias maneiras. Uma delas é o tensionamento partidário entre PMDB e PT, na luta para ampliar as bases municipais das respectivas legendas. Esse tensionamento nasce, por sua vez, da luta surda (e sangrenta) que agora se inicia pela conquista do poder executivo em mais de 5 mil municípios.

Muitos parlamentares protestam contra a falta de atenção dos ministros e da presidente. Este pode ser um agravante, e a aprovação de requerimentos para que alguns ministros compareçam ao Congresso para prestarem contas de suas atividades é a melhor resposta para tal. Nada mais democrático do que ministros esclarecendo o Congresso.

Mas as divergências no debate sobre o código florestal, que respingaram ontem na Comissão de Constituição e Justiça, a qual aprovou texto onde se transfere competência sobre a demarcação de terras indígenas para o Congresso, apesar de também influenciadas pelo clima partidário, refletem antes posicionamentos ideológicos antagônicos.

De maneira que a crise, pela primeira vez, produziu um cenário de coerência, com partidos votando em linha com suas ideias, e não somente em virtude de um alinhamento automático com as opiniões do Planalto.

A mudança, porém, só será efetivada após votação em plenário. Aí haverá um debate público, aberto, onde a sociedade também poderá participar.

Seja como for, certa ou errada na maneira como tem lidado com o parlamento, Dilma parece ter conseguido impor a sua narrativa da crise política: a faxina chegou ao Congresso, e o Planalto agora combate as “velhas práticas políticas”. As declarações do novo líder do governo no Senado (PMDB-AM) encontraram forte eco na sociedade. As caixas de comentários dos jornais estão repletas de mensagens de apoio à presidente. E o experiente jornalista Gerson Camarotti apurou que o governo tem pesquisas que apontam um crescimento de aprovação à sua gestão, e justamente em virtude de seu rigor no trato com a própria base aliada. Se estes números se confirmarem, haverá um novo deslocamento e reajuste nas correlações de forças que regulam o relacionamento entre o governo e o legislativo.

A Classe C atingiu 54% da população, segundo pesquisa divulgada hoje pelo Instituto Ipsos. Ou seja, a classe média se afirma como maioria, e a comunicação do Planalto tem dado resultados positivos em termos de imagem simbólica.

Em termos econômicos, o Brasil continua sólido, apesar do modesto PIB em 2011. Segundo a CUT, 80% dos trabalhadores obtiveram aumento real (acima da inflação) de salário no ano passado.

Outra análise que achei pertinente fala do cuidado do presidente Lula em não transmitir sinais contraditórios. Não divulgou foto com Sarney, que veio visitá-lo e cancelou visita de Collor. Ao invés disso, divulgou foto ao lado do novo líder do governo, Eduardo Braga, o qual espalhou aos quatro ventos que a decisão de Dilma de dar um fim às “velhas práticas” teve apoio do ex-presidente. A dobradinha entre Dilma e Lula deixou os colunistas políticos desorientados, e a opinião pública embarcou entusiasmada na narrativa do Planalto.

A crise na relação Executivo e Legislativo, portanto, apesar dos percalços que ocasiona, pode ter como consequência um fortalecimento da autoridade da presidente e, de fato, incitar uma evolução republicana. Ninguém espera que o fisiologismo possa ser vencido com facilidade. Uma crise seria inevitável. Os riscos que ela comporta, contudo, são neutralizados pela melhora na renda do cidadão e pela popularidade em alta. Como diz Guimarães Rosa, “a vida pode às vezes raiar numa verdade extraordinária”.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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