A festa dos urubus

(Foto capa: Anna Karina, musa da Nouvelle Vague, homenageada do Festival Internacional de Cinema de Brasília)

Amigos, preparem-se que a mídia agora vai tocar o bumbo do apocalipse até meados de agosto ou setembro. A recuperação econômica do Brasil deverá se dar somente no segundo semestre, e os dados referentes à junho, julho e agosto, só serão divulgados, é claro, a partir daí pra frente.

Eu não quero ficar culpando a mídia por tudo. Sei que há dificuldades reais na economia mundial, que afetam o Brasil. Isso é óbvio, já que não somos uma ilha isolada. E concordo que o governo é ineficiente. A estrutura do Estado brasileiro ainda é precária. Temos eventualmente administradores ou dirigentes talentosos, bem intencionados. Há dinheiro para investimento. Mas tudo acaba sempre esbarrando nos gargalos da burocracia burra, despreparada, com formação ruim e, sobretudo, dona de uma cultura viciada.

Soma-se a isso o pânico geral no funcionalismo público com as novas leis de transparência, de um lado, e com a disposição guerreira de promotores públicos e agentes federais de mostrarem serviço. Ninguém quer assinar nada. Ninguém quer liberar nada. As obras ficaram paradas meses, anos, todo mundo empurrando um para outro a responsabilidade de fazer uma nova estrada, uma nova barragem, um novo trilho férreo.

É positivamente ridículo que o Brasil esteja há quase 30 anos tentando fazer a ferrovia norte-sul, enquanto a China acaba de concluir uma obra similar em dois anos.

Mas é melhor que os funcionários estejam com medo de assinar, e haja transparência pública, do que vivermos num regime totalitário. Aliás, é infinitamente engraçado que analistas econômicos ultraneoliberais festejem tanto o desempenho da China sem fazerem a necessária ressalva democrática.

Enfim, admitimos que há problemas. Mas os empresários tem que botar a mão na massa. A Dilma não vai conseguir mudar a cabeça de 600 mil funcionários públicos em 1 ou 2 anos. Lula escolheu ela justamente porque entendeu que a maior dificuldade do Brasil hoje é aprimorar a gestão do Estado brasileiro, e ao mesmo tempo não fazer disso um pretexto para desmantelar programas sociais.

O Banco Central divulgou hoje o seu relatório semanal Focus, onde reúne as previsões do setor privado para a economia nacional. As notícias não são boas. Os executivos estimaram que o crescimento econômico em 2012 será de 1,90%; na semana anterior, achavam que seria de 2%.

Apesar de eu ser um otimista quase bitolado, eu prezo o conservardorismo em termos de previsão econômica. É sempre melhor esperar o pior, porque se as coisas melhorarem, teremos uma surpresa agradável. Se o pior se confirmar, já estamos conformados e com um plano.

Na verdade, os agentes públicos e mesmo os privados já entenderam que a economia brasileira passou por uma retração a partir de meados do segundo semestre do ano passado, estimulada inclusive pelo próprio governo, que aumentou juros e reduziu gastos públicos. O conservadorismo da política econômica em 2011, aparentemente, foi um pouco maior do que o necessário, tanto que ele compensou à larga este ano, com redução forte não só de juros como do spread bancário, concessão de financiamentos a juros quase subsidiados, desoneração tributária e uma série de medidas para alavancar a economia.

Os mesmos agentes vêem que há, claramente, uma recuperação, já a partir de maio e sobretudo junho. As vendas de veículos explodiram em junho, e os juros baixos seguramente vão fazer a diferença nos próximos meses. Lembrando: juro baixo desestimula o capitalista a guardar dinheiro no banco e o incentiva a aplicar seus recursos em investimentos produtivos.

A conjuntura econômica, mesmo com o PIB crescendo menos do que gostaríamos, é boa. Juros baixos, crédito alto, desoneração tributária, desemprego em declínio. Os dados sociais também são positivos. Quando o ano de 2012 terminar, provavelmente teremos bons números sobre a queda da miséria, do analfabetismo. Dilma mandou ampliar fortemente os programas sociais, ofereceu crédito subsidiado para aquisição de casa própria, e implantou alguns programas de saúde bem sucedidos, sobretudo os que se referem ao tratamento de grávidas e crianças.

Minha maior angústia agora é que o governo e os sindicatos de servidores consigam se entender. Sempre defendi a valorização do serviço público, mas é evidente que há um ponto de equilíbrio delicado. Torço para que o governo seja generoso mas que os servidores também sejam responsáveis e pragmáticos em suas reinvidicações, sem apelar para um radicalismo que, prejudicando a economia brasileira, acabaria por jogar a água e o bebê pela janela.

O blogueiro está em Brasília, trabalhando no Festival Internacional de Cinema (Biffe, ver programação). Como já lhes contei, tenho uma firma que presta serviços de tradução e legendagem eletrônica. O blog ficará então um pouquinho menos intenso até o dia 23. Estou aproveitando a experiência para ter longas conversas com gente articulada na capital federal, conhecendo histórias de bastidores de partidos e personalidades da política e da mídia.

Abaixo o quadro do Focus (clique na imagem para ampliar):

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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