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Esses agostos tristes e sem blues

Morreu Celso Blues Boy, o bluesman que encantava as noites da minha primeira juventude, num circo voador enfumaçado e delirante.

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Morreu Celso Blues Boy, o bluesman que encantava as noites da minha primeira juventude, num circo voador enfumaçado e delirante. Quando o dia amanhece, o brilho da noite se vai, cantava o poeta máximo do blues carioca, entre um solo triste e outro. Tudo que foi dito, proposto e assumido – se perde no vazio, nesse dia que se anuncia, prossegue a canção. É uma letra com ares políticos, porque a desilusão do boêmio que vê o sol despontar, anunciando o fim de sua linda fantasia, um mundo feito apenas de amor, amizade e diversão, talvez se pareça com aquela outra, do militante, que constantemente contempla o desastre de suas utopias.

Apesar de tantas intervenções quase cínicas, em defesa do pragmatismo, de uma postura dura e objetiva na luta pelo poder, eu também sou, no fundo, um utópico, um boêmio, um cidadão que escuta Celso Blues Boy e lê a história da revolução russa com lágrimas nos olhos.

Nessas tardes melancólicas e perigosas de agosto, ouço os cães ladrando ao longe, junto às bancas de jornais e revistas. Leio alguns, de má vontade. É um trabalho, consolo-me, e o país, essa entidade misteriosa, flutua com ar superior sobre os detritos da maré baixa.

A noite chega, avança, pura como uma criança. Encontro os amigos. Mensalões, análises, trabalho, PIG, blogosfera, não se diluem, todavia, nos copos de cerveja. É ao contrário. A cerveja se dilue neles, fecunda-os com sua calma oriental, transforma-os em lembranças cômicas de um mundo infantil e absurdo.

Voltam as esperanças. As utopias, socadas à força no fundo da consciência, espiam, com olhos alegres, por entre as frestas do espírito desarmado. O agosto sombrio, repleto de memórias de golpes e armadilhas midiáticas, não se faz ouvir em meio ao burburinho do bar. Não há mais futuro, só um presente infinito, impossível e louco.

Dentro eu sei, dizia Celso, nunca senti, nada além de amor, em tudo que vivi. Estou deixando o céu, continua o cantor, rumo ao inferno, só sem você, não há nada a fazer. As coisas são assim, pra que se lamentar, se dentro de nós, sempre brilhará – diz o refrão.

É quase uma letra revolucionária, como aliás todo blues e todo rock genuínos. O amor e a política tem muito em comum. Ambos lidam constantemente com a desilusão, porque a vida constantemente desfaz sonhos e ideais. Mas se não sucumbirmos à amargura, veremos que os sonhos, o amor, as utopias, prosseguem existindo, brilhando, com a força concentrada de uma estrela nova, no interior de nós mesmos.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Elson

06/08/2012 - 21h20

Não conheci Celso Blues Boy, minha geração e adolescência de jovem do interior, talhado no trabalho duro do canavial, só me apresentou a Legião Urbana, e o grande mestre Raul Seixas. Más, sei, que destes interpretes que ouvi, tem um pouquinho de Celso Blues.


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