A humana contra o robô


 

Acho que o debate de hoje, como esperávamos, foi um risco tremendo para Dilma. Um risco necessário, porém.

A presidenta chega completamente exausta ao final de uma disputa agressiva.

Mas com uma excelente campanha, orgânica e autêntica, que produziu uma inédita união das esquerdas, que cobrarão duramente de seu governo maior ousadia e mais sinalização a um conjunto de mudanças.

Dilma e Aécio começaram visivelmente nervosos, sentindo o peso do cansaço, da pressão e, sobretudo, do astral opressivo da Globo.

Até William Bonner se embananou, esquecendo uma das tréplicas de Aécio.

Aécio se comportou com a desenvoltura artificial de um humanóide treinado para política desde a infância.

Com 17 anos já tinha empregos dentro do governo. Seu pai era um deputado federal da ditadura, e deu ao filho uma carteira de policial que, certamente, lhe permitia dar carteirada em qualquer um.

Dilma teve uma vida dura, cheia de traumas e derrotas.

As vitórias que ela colheu não vieram do poder econômico e político de sua família, mas da confiança do povo brasileiro.

Aécio respira arrogância de classe por todos os poros, e por isso as classes altas se agarram a ele como a um igual.

Na Globo, o tucano sabia estar em casa. O ambiente lhe era propício.

As agressões da mídia são quase todas contra Dilma. Nenhuma contra Aécio.

Ele ainda vem falar de “campanha sórdida”, o que é uma espécie de justificativa para derrota que seus militantes já estão alardeando.

Como prevíamos, Aécio iniciou a entrevista citando a reportagem da revista Veja, cujo nome ele até evitou declinar, provavelmente por saber que é um nome queimado junto a muita gente.

Aécio repetiu a postura de todo tucano ao final de eleição presidencial: papagaiando a Veja ou a Globo.

Dilma conseguiu se sair muito bem da primeira pergunta de Aécio, o presentinho da Veja ao filhinho de papai. Com palavras firmes e uma postura ao mesmo tempo indignada e serena, ela conseguiu neutralizar brilhantemente o ataque de Aécio. Foi a sua melhor performance neste debate.

Tanto é que o tema corrupção só voltou vários blocos depois, quando o tucano tenta encurralar Dilma lhe perguntando sobre Dirceu. A presidenta também soube se esquivar dessa armadilha, contra-atacando com os escândalos tucanos.

Aliás, o Jornal da Globo também não mencionou a mentirada da Veja, o que sinaliza uma completa desmoralização da revista. E também uma preocupação da Globo em não ultrapassar o sinal, ainda mais quando Dilma parece tão perto da vitória.

A presidenta teve alguns momentos bons. Outros nem tanto.

Claro que ela poderia ter sido muito melhor. A pergunta sobre água poderia ter sido formulada de maneira muito mais consistente, porque de fato não há explicação plausível para o que São Paulo tem vivido.

Mas a tirada sobre o programa social tucano, Meu Banho Minha Vida, deverá explodir nas redes sociais. Foi bola dentro.

Dilma demonstrou, sobretudo, humanidade. É uma pessoa como nós, nervosa, simples e preocupada.

O risinho cínico de Aécio, típico de um playboy, mais obecado em passar a (falsa) impressão de vencedor do que em tocar a alma brasileira, retrata perfeitamente as razões de sua possível derrota no domingo.

Numa democracia, assim como na arte, não vencem os que se portam como campeões.

Em geral, esses são os medíocres.

O povo gosta dos humildes, daqueles em quem eles identificam as angústias e os temores de que ele mesmo, o povo, é vítima diária.

Dilma é uma senhora preocupada. Mas não está preocupada com sua imagem pessoal, como Aécio.

Seu interesse não é posar de vencedora.

Não é expor um riso cínico de boyzinho truculento.

Ela está preocupada com um projeto, que é muito maior que ela.

Um projeto do qual ela é só uma modesta e diligente representante.

Suponho que, daqui em diante, a campanha vai explodir para todos os lados.

Boatos, mentiras, denúncias falsas, denúncias verdadeiras.

Haverá uma overdose de informação que certamente cansará o eleitor.

Dificilmente haverá mudança de voto brusca.

A onda Dilma já cresceu. O momento é dela estourar nas urnas.

O momento é de ter fé na democracia e confiança no povo brasileiro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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