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As lições de House of Cards para o governo brasileiro

  Ontem comecei a ver a terceira temporada de House of Cards, e gostaria de partilhar algumas ideias que tive enquanto assistia as aventuras de Frank Underwood, o personagem de Kevin Spacey – que agora se tornou presidente dos Estados Unidos. Em primeiro lugar, chama a atenção o papel de seu secretário de imprensa. Ele […]

28 comentários
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Ontem comecei a ver a terceira temporada de House of Cards, e gostaria de partilhar algumas ideias que tive enquanto assistia as aventuras de Frank Underwood, o personagem de Kevin Spacey – que agora se tornou presidente dos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, chama a atenção o papel de seu secretário de imprensa. Ele faz o papel de porta-voz na relação com a mídia, conversa com os jornalistas, escreve os discursos de Underwood, e participa do estrito núcleo político duro do presidente, basicamente formado pelo próprio Underwood, sua esposa, o chefe de gabinete, além do secretário de imprensa.

Como acredito que a série retrata, com alguma fidelidade, o mundo real dos políticos americanos e sua relação com a mídia, acho útil estabelecer comparações com o Brasil.

A nossa imprensa imita, confessadamente, sua congênere norte-americana, o que é normal, visto que os EUA tem uma democracia bem mais antiga e sólida que a nossa.

Entretanto, é preciso estabelecer diferenças. A imprensa norte-americana é uma das mais ecléticas e plurais do mundo democrático. Já foi mais, porém, na comparação com o Brasil, continua sendo plural. Sem contar os blogs de lá, que se tornaram um elemento essencial nas lutas políticas.

Há grandes jornais, mas que não possuem propriedade cruzada, ou seja, são puramente jornais, e não conglomerados de mídia e, portanto, não põem seus interesses econômicos e políticos acima de seu profissionalismo. A imprensa americana gosta de escândalos, mas não é obcecada, como a nossa, em derrubar governos.

A principal diferença, contudo, é o equilíbrio entre órgãos de imprensa vinculados aos dois principais espectros políticos do país: democratas e republicanos.

Há jornais, âncoras, blogs republicanos; e há jornais, âncoras e blogs democratas.

Entre as tvs fechadas mais populares, os republicanos tem a Fox, mais à direita. Os democratas tem a MSNBC, mais à esquerda. A audiência de ambas é parecida.

No Brasil, o governo tenta se relacionar com a mídia imitando o governo americano, mas a mídia brasileira é um bloco homogêneo de oposição.

O principal jornal, o Globo, é um império midiático do tipo que não existe nos EUA, em função da lei vigente por lá, que proíbe a propriedade cruzada.

Nesta terceira temporada, Frank Underwood enfrenta um sério problema de aprovação, o que põe em risco a sua reeleição em 2016. Ele perde o apoio de seus companheiros democratas (ele é do partido democrata) e se isola politicamente.

Então ele tem a ideia de fingir que não quer mais se reeleger, tentando ganhar espaço dentro de seu partido, e apoio para o America Works, um ambicioso programa que visa gerar 10 milhões de empregos ao custo de US$ 500 bilhões.

Os comunicadores do governo brasileiro deveriam aprender com a série. Os discursos de Underwood jamais são protocolares. Ele não perde tempo agradecendo fulano ou sicrano. O discurso inicia diretamente com alguma tirada criativa, uma técnica óbvia para prender a atenção do ouvinte. Bem diferente de Dilma, que inicia qualquer discurso agradecendo por meia hora todas as lideranças presentes, e fazendo adormecer todos os ouvintes.

No discurso que faz para anunciar que não está interessado em se reeleger e para defender o America Works, que ele pretende ser uma espécie de New Deal, Underwood cita Franklin Delano Roosevelt.

Roosevelt foi o 32º presidente dos EUA e cumpriu quatro mandatos. Fosse latino seria classificado como ultra-chavista. Seus mandatos se deram antes da aprovação da 22ª emenda, que estabeleceu o limite máximo de dois mandatos para presidentes da república.

É sempre assim. Os EUA podem tudo, até mesmo ter presidentes que cumpriam quatro mandatos sucessivos. Aqui na América Latina, seria “atentado à democracia”.

Claro que Roosevelt não fez como FHC, que aprovou reeleição para si mesmo. Ele apenas segui a Constituição, sem mudá-la.

Antes de continuar, deixemos de lado qualquer esquerdismo vulgar. Independente dos erros da política externa americana, os EUA são uma grande democracia, com uma belíssima historia de luta pelas liberdades individuais, direitos civis, e valores democráticos. Uma historia cheia de altos e baixos, avanços e recuos, mas impulsionada de baixo para cima, pela coragem de ativistas, manifestantes, juristas, artistas, intelectuais.

A citação de Roosevelt deveria ensinar Dilma Rousseff:

“O país precisa de ousada, persistente, experimentação. Faz parte do bom senso adotar um método e tentá-lo: se ele falhar, admiti-lo francamente e tentar outro. Mas, acima de tudo, é preciso tentar alguma coisa. Os milhões que estão em estado de necessidade não irão esperar silenciosamente para sempre, quando as coisas de que precisam para satisfazê-los estão ao alcance da mão.

Precisamos de entusiasmo, imaginação e habilidade para encarar os fatos, mesmo os desagradáveis, com bravura. Precisamos corrigir, com medidas drásticas se necessário, as faltas do nosso sistema econômico que nos fazem sofrer. Precisamos da coragem da juventude. A sua missão não é simplesmente abrir caminho no mundo, mas mudar o mundo que está diante de nós. Que cada um de nós tenha a coragem, a fé e a visão para dar o seu melhor que existe em nós para realizar esta mudança!”

O ensinamento, a meu ver, está em vários pontos.

1) Na forma do discurso. Um texto saboroso, sem clichês, equilibrando poesia e política, que valoriza sempre mais o interlocutor do que o emissor. Os discursos de Dilma, e do PT, em geral, se tornaram cansativos pela autopropaganda. Me parece claro que o povo brasileiro quer se ver como uma força autônoma, que contribui para o desenvolvimento de si e do país por conta de suas próprias qualidades, e não por benesses do governo. Esse é um orgulho natural, que deve ser incentivado pelo governo, até porque o país só crescerá se houver esforço, trabalho e criatividade de todo o povo brasileiro. A repetição do mantra dos 20 ou 40 milhões que o governo tirou da miséria ou levou para a classe média perdeu força política, tornou-se de repente um discurso melancólico e reacionário. O governo tem de renovar seu discurso. Ele pode até citar essa informação, mas com um outro enfoque, mais criativo, com outras palavras. O enfoque deve ser empoderar a população.

2) No conteúdo. Conforme já vimos, a mídia brasileira é um bloco de oposição monolítico, construído e consolidado na ditadura. Isso faz sofrer milhões de brasileiros e prejudica o ambiente de liberdade de expressão. O governo precisa de ideias arrojadas, persistentes, para mudar isso. Tem de mudar a sua relação com a imprensa, fomentando a criação de novos empreendimentos jornalísticos, sobretudo na área digital. É preciso demonstrar coragem e criatividade neste sentido. Será tão difícil o governo enxergar que o sistema oligopolista da nossa mídia agride a nossa democracia e provoca instabilidade política e econômica? De que adianta fazer ajuste fiscal, economizando alguns bilhõezinhos a custa do trabalhador, se a instabilidade política provocada pela mídia vai comer muito mais?

Dilma não poderia lançar uma espécie de PAC da Pluralidade da Informação, com financiamentos e subsídios à criação de milhares de mídias alternativas, para que os brasileiros possam, por fim, se libertar de uma estrutura midiática viciada, autoritária, golpista, formada numa era sem liberdade, sem democracia?

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Anônimo

20/03/2015 - 12h46

Bloguizinho de zerda e de esquerda

cleo

04/03/2015 - 23h39

Um discurso para Dilma:
“O trabalho de vocês todos é fundamental para o País. Graças ao esforço de cada um aqui presente, e de todos os brasileiros, conseguimos avanços importantes nos últimos anos, apesar das dificuldades. Por reconhecer a importância do trabalho dos senhores e das senhoras que me ouvem, quero agradecer por este instante de atenção que me concedem. O trabalho é a coisa mais digna que existe na vida. É o que permite suprir todas as necessidades que temos. Permite educar e alimentar nossos filhos, nossos país, as pessoas que amamos. O trabalho liga pessoas que nem se conhecem, mas que atendem, um a necessidade do outro. Por isso, me sinto honrada por este tempo em que vocês pararam com os seus afazeres para me ouvir. Quero reforçar o meu compromisso com vocês, de dedicar todo o esforço do meu governo para que o trabalho de vocês seja mais produtivo. Para que o cansaço que sentirem ao final do dia seja compensado por um Brasil melhor. E graças ao esforço de todos, os filhos de vocês vivem em um país melhor do que aquele que vocês viveram. Os filhos de vocês têm o estudo que vocês não tiveram e terão oportunidades que vocês não tiveram. Poderia falar agora dos milhões de pessoas que melhoraram de vida em meu governo, mas prefiro falar diretamente daquela mãe que agora tem comida para dar três refeições por dia para seus filhos. Falar daquele agricultor que hoje colhe o dobro do que colhia tempos atrás. Falar daquela pessoa que hoje chega em casa e pode ligar a luz. Que vê seus filhos estudando, que tem um emprego melhor, um salário melhor, uma casa própria, que tem crédito para comprar um carro, para mobiliar a casa, para comprar roupas. Falar daquelas pessoas que hoje tem conta bancária e que antes não podiam passar na frente de um banco. Falar daquelas pessoas que trabalharam a vida toda e hoje tem uma aposentadoria. Pode ser pouco, e eu gostaria que os aposentados ganhassem mais, mas é garantido. Com muito sacrifício, do meu governo e, principalmente, pelo trabalho dos mais jovens.Poderia passar o dia citando conquistas importantes que cada brasileiro teve nos últimos anos, mas sei que vocês precisam voltar ao trabalho. Sei que, infelizmente, em alguns lugares as torneiras estão vazias, e que colocar a culpa na incompetência de nossos opositores não vai diminuir a revolta do trabalhador que chega em casa cansado e precisa conviver com a falta de água. Mas posso garantir que todo o meu governo está disponível para ajudar a garantir água de boa qualidade para toda a população, da forma como fizemos em muitos lugares do nordeste, que sofriam com a seca e agora tem água para viver e produzir. Pergunto a vocês quando foi a última reportagem que vocês viram sobre pessoas passando fome no sertão do nordeste? O Brasil tem superado a fome, tem superado a miséria, e vai superar e toda e qualquer dificuldade que tiver, porque tem um povo que trabalha, e que sempre vai encontrar no meu governo a parceria necessária para construir um país melhor e uma vida melhor.

Marleide Leite

04/03/2015 - 19h28

Bruno Leite

Mariana Velloso

04/03/2015 - 19h04

David Zulo

Mariana Velloso

04/03/2015 - 19h04

Lais Brasil

revenger

04/03/2015 - 15h11

Não entendo muito bem disso, mas o governo não pode dirigir suas propagandas para os blogs, principalmente os que apoiam o governo?

E diminuir a propaganda em quem bate no governo?

Carlos Roberto

04/03/2015 - 09h10

Dilma conhecimento e sabedoria é igual a sorte ,note isto então:
“O discurso inicia diretamente com alguma tirada criativa, uma técnica óbvia para prender a atenção do ouvinte. Bem diferente de Dilma, que inicia qualquer discurso agradecendo por meia hora todas as lideranças presentes, e fazendo adormecer todos os ouvintes”.

Assim, pergunte ao cidadão como foi seu final de semana? tomou uma cerveja, fez um churrasco com a família? e você mamão trocou o fogão comprou uma maquina de levar? e você ex empregada doméstica como está seu curso de pós graduação?
e seus filhos a escola?
Converse com o povo Dilma urgente.

Tamosai

04/03/2015 - 08h29

Brilhante texto. Me pergunto se existe alguma pessoa que possa dizer isso à Dilma. Parece que os conselheiros dela são zeros à esquerda.

Jerry

04/03/2015 - 00h18

“Há grandes jornais, mas que não possuem
propriedade cruzada, ou seja, são puramente
jornais, e não conglomerados de mídia e,
portanto, não põem seus interesses econômicos
e políticos acima de seu profissionalismo.”
Chomsky não concorda. Ele enfatizou o vínculo das corporações com os grupos de mídia, mostrou que é uma relação entre parte e todo.

    Miguel do Rosário

    04/03/2015 - 00h31

    sim, mas isso é outra coisa. não há nada parecido como a globo nos eua.

Fernando

03/03/2015 - 22h57

como a garotada diz; Spoilers!!

juarez

03/03/2015 - 20h51

Dilema chegou a Presidenta e Vc Mari Claudia?

Bárbara Costa

03/03/2015 - 23h29

olha Saulo Dantas…

Brainer Kist

03/03/2015 - 23h22

Tarso, recomendo a série. É interessante ver o que fazem lá é fichinha perto do fazem aqui.

Tarso Cabral Violin

03/03/2015 - 23h05

Miguel Do Rosario estou vendo a primeira temporada, se eu ler esse post vou saber coisas das demais temporadas?

Almir

03/03/2015 - 18h42

Vejam aí como os golpistas conseguem a “adesão total” à greve dos caminhoneiros.
https://www.youtube.com/watch?v=8iA2wKYCYO0

Philipe Matieli

03/03/2015 - 21h34

O governo poderia lançar o “comunicação para todos”.

Francisco Bissoli Malaman

03/03/2015 - 21h20

Uma coisa tem que dar valor: Frank Underwood é um workaholic!Impressionante!

Gilberto Marcio Hilario Ferreira

03/03/2015 - 21h08

4- REFORMAS( POLITICA E JUDICIARIA) .TODOS COMPROMETIDOS COM A CORRUPÇÃO..

fernando perchin

03/03/2015 - 18h05

O finado Sergio guerra ,que era presidente o psdb recebeu 10 milhões,e o Alvaro Dias também recebeu segundo o delator

Aldir Soares

03/03/2015 - 20h59

já assisti os 13 episódios..

Cássio Moreira

03/03/2015 - 17h45

Maravilhoso artigo, especialmente pra quem assiste a série.

Vagner Santos Guarani Kaiowá

03/03/2015 - 20h43

Pedro Machado

Virginia Mesquita

03/03/2015 - 20h42

A comparação provoca até arrepios!!!!! Kct!!!! Cadê os jornalistas/marketeiros do partido que não atuam pra mudar isso?!?!?!

    Philipe Matieli

    03/03/2015 - 21h37

    O PT gosta de agir como uma espécie de geni.

Cássio Moreira

03/03/2015 - 20h38

Comecei a ver tb. Estou no segundo episodio da terceira temporada.


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