Dilma e o tabefe no povo


 

Reproduzo abaixo o texto do Torturra, com o qual concordo, mas antes acrescento algumas coisas.

Primeiro, um esclarecimento. O governo Dilma, infelizmente, nunca valorizou as redes sociais.

O twitter da presidenta (os dois, o da Dilma e o do Planalto) fica dias, às vezes semanas, sem ser atualizado. Nos últimos meses, foi usado especialmente para necrológios. E quando atualiza, não usa linguagem própria para twitter. É antes um depositário de frases recortadas de discursos da presidenta.

A mesma coisa vale para o blog do Planalto. Não tem linguagem própria. Apenas reproduz discursos, ou publica comunicados oficiais.

O blog do Planalto nunca entrevistou a presidenta. Nunca produziu um texto feito especialmente para o blog. Tanto é que o compartilhamento de seus posts é bem próximo de zero.

Ou seja, Dilma não criou um ambiente nas redes sociais. Não criou um hábito, uma técnica, uma tradição.

E ainda acabou com o Café com a Presidenta, o único canal direto que tinha com a população.

E estou falando de agora, do novo governo. A primeira gestão de Dilma já havia abandonado completamente a internet, assim que terminou a eleição.

Era o tempo em que Dilma preferia fazer omeletes no programa da Ana Maria Braga.

Diz Torturra: “É óbvio que a intenção do governo é esconder o pronunciamento. Não apenas pelo medo de panelaço, mas pela percepção – correta ao meu ver – de que independente da gritaria pelas janelas, a figura e a as palavras de Dilma já são autofágicas. A simples entrada impositiva nos lares vai adubar ainda mais a rejeição que se expande, justamente, nas camadas de menor renda.

De fato, só que a solução é, sempre, fazer a disputa política. Os políticos tucanos até tem a opção de se esconderem em momentos difíceis, deixando que os grandes meios de comunicação se encarreguem de melhorar a sua imagem.

Dilma não tem esse privilégio.

Momentos difíceis exigem mais comunicação do que nunca, porque é tarefa do governo gerenciar expectativas e esclarecer o povo sobre o tipo de problema que enfrentaremos.

Kennedy, diante das dificuldades, dizia aos americanos: “não pergunte o que o país pode fazer por você, e sim o que você pode fazer pelo seu país”.

Lenin, diante dos problemas econômicos terríveis que a revolução russa enfrentou em seu início, e da necessidade do governo de adotar medidas difíceis, esclarecia: “um passo atrás, dois à frente”.

Simples, popular, brilhante.

Dilma podia usar a oportunidade para fazer a defesa de seu governo, e não apenas no campo do emprego e do trabalho.

Seria interessante usar um formato novo, e não aquele convencional.

Uma coisa original, menos chata. E podia fazer dois discursos, um para a TV aberta, outro para a internet.

Um para os pobres, outro para a classe média, pela internet.

Para os pobres, um discurso escrito especialmente para eles, de preferência acompanhado de iniciativas políticas concretas, como um plano para expandir e baratear a banda larga. Além da defesa de políticas de valorização do salário mínimo.

Para a classe média, um texto mais politizado, abordando questões mais complexas.

Dilma preferiu falar apenas pela internet, mas usando um formato convencional, com um texto previsível, tanto em conteúdo como em forma.

A classe média que saiu da TV e agora está na internet não tem interesse em ouvir discurso da presidenta, quanto mais sobre salário mínimo.

Quem teria interesse seriam as camadas mais baixas da população, que não tem hábito de assistir vídeos pela internet.

Até porque, não nos esqueçamos, a internet do pobre é de qualidade sofrível e vídeo é o conteúdo que mais consome a internet pré-paga caríssima que o Brasil cobra de sua população.

Como milhões de nordestinos pobres, mais milhões de pobres do Sudeste, e dos rincões de todo o Brasil, que não tem sequer banda larga decente, e que votaram em massa em Dilma, poderão assistir ao discurso de sua querida presidenta?

Enfim, um erro lamentável.

Sem contar que a decisão em si de não falar na TV foi um ato de comunicação negativo. O prejuízo que esperavam evitar, de não ouvirem panelas, foi substituído por algo ainda pior, a acusação de covardia.

Não foi um tabefe na Globo, porque a TV é uma concessão pública, pertencente a todos os brasileiros.

Foi um tabefe no povo, que perdeu a oportunidade de ouvir a presidenta da república falar sobre o nosso país, em rede nacional, na TV, para dezenas de milhões de brasileiros, como era direito dela, como é direito nosso.

*

Vamos ao texto do Torturra, publicado em seu facebook:

Bruno Torturra: O ridículo transcendental de não falar na TV

1o DE ABRIL?

É de um ridículo transcendental esse papo do governo de que o pronunciamento apenas online da Dilma é para “valorizar as novas mídias”. Ou, pior, como escutei de alguns militantes, para “tirar o protagonismo da TV”. Afe…

Primeiro: ainda é a TV e o rádio que seguem ligados na sala das famílias a quem o discurso se dirige: gente que realmente se importa e depende do valor do salário mínimo, tema de sua fala. Se alguém perde protagonismo ao prescindir da TV é o discurso.

Segundo: mesmo que o brasileiro de baixa renda estivesse hiperconectado, a rede nacional tem uma função que a internet simplesmente não substitui. A simultaneidade, a interrupção da programação, o sentido coletivo e excepcional do pronunciamento da chefe de Estado. De novo, Dilma diminuiu a importância do que tinha a dizer.

Terceiro: a TV é uma concessão pública. É não apenas prerrogativa presidencial usar a cadeia nacional quando achar necessário, mas desejável quando tantos de nós esquecemos desse fato.

Quarto: há uma diferença crucial entre ver algo na TV e DECIDIR clicar em um pronunciamento. O que me leva ao que queria dizer com tudo isso.

É óbvio que a intenção do governo é esconder o pronunciamento. Não apenas pelo medo de panelaço, mas pela percepção – correta ao meu ver – de que independente da gritaria pelas janelas, a figura e a as palavras de Dilma já são autofágicas. A simples entrada impositiva nos lares vai adubar ainda mais a rejeição que se expande, justamente, nas camadas de menor renda. Exatamente os que não estão na internet nem acompanhando o bate boca online. Principalmente em tempos de erosão acelerada de direitos trabalhistas, perda de poder de compra dos salários e credibilidade política quase nula.

A conta é simples: já que não dá pra simplesmente não falar nada, faz um vídeo pro Youtube e beleza. Aproveita e diz que é pra “valorizar as novas formas de comunicação”.

Numa boa?

Se Dilma estivesse falando sério em valorizar a internet, deveria entregar um plano nacional de banda larga decente e nos poupar desse caô.

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PS: dado que o dia da trabalho é comemorado em 1o de maio por conta de um massacre que grevistas certa vez sofreram na mão da polícia nos EUA, é especialmente triste que Dilma não cita os professores de Curitiba agredidos pela PM de Beto Richa. Justamente uma presidente que, bem ou mal, é do Partido dos Trabalhadores…
Bom feriado!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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