Stefan Zweig e a atmosfera moral

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Análise Diária de Conjuntura – 27/04/2016.

Stefan Zweig tem um livro fabuloso, O Mundo que Eu Vi – Memórias de um Europeu, sobre a passagem dos anos dourados da Europa pré-guerra para a realidade tumultuosa e violenta que se inicia em 1914 e se estende até pelo menos até o fim da II Guerra. Como quase tudo que eu leio, não paro de pensar no Brasil e fazer comparações.

Os anos dourados da Europa, eu os comparo ao brilhante decênio iniciado com a vitória de Lula em 2002. Tudo bem que nunca houve paz: o processo de desgaste, a perseguição midiático-jurídica, a criminalização da política, teve início assim que Lula pôs os pés no Planalto – ou, vá lá, alguns meses depois, após o término da fingida lua-de-mel que a mídia se sentiu forçada a celebrar com o sapo barbudo. [/s2If]

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Em 2013, começam os tumultos que eu poderia comparar – guardadas as devidas proporções – ao início da I Guerra.

Zweig explica que é mil vez mais fácil reconstituir os fatos históricos que caracterizam um tempo do que a sua atmosfera moral. Esta, diz ele, não se manifesta nos eventos oficiais, e sim em pequenos episódios particulares.

O escritor austríaco relata, então, um episódio que lhe marcou muito, em Tours, pequena cidade camponesa da França, onde estava de passagem, poucos meses antes da guerra. Ele e um amigo foram a um cinema à tardinha, e antes de começar o filme, exibiu-se, como era de praxe, um breve noticiário. A sala estava cheia de gente simples da comunidade, que fazia muito barulho, divertindo-se facilmente com as notícias na telona. Quando aparece o imperador alemão, Guilherme II, os espectadores se transformam, fazendo “um grande estrépito de assovios, vaias e xingamentos. Todo mundo gritava e vaiava, mulheres, homens, crianças, como se tivessem sido pessoalmente ofendidos.”

Zweig fica horrorizado com aquilo, porque jamais imaginaria que as campanhas de ódio movidas pela imprensa francesa tivessem já envenenado até mesmo o povo mais simples de uma pequena e pacata cidade rural.

Isso me fez lembrar as violências em hospitais e restaurantes contra quadros do PT, a perseguição fascista a Stédile no aeroporto de Fortaleza, e os xingamentos à senadora Gleise, no aeroporto de Curitiba.

Tal é – como é triste e preocupante constatar! – a atmosfera de nosso tempo, o que também explica a votação no dia 17 de abril, aquele espetáculo de horrores.

Pouco depois, às vésperas da deflagração militar de 1914, Zweig – um jovem escritor de 32 anos – descreve como os jornais austríacos, num movimento por demais sincronizado, iniciam uma agressiva campanha de incitação à guerra.

Isso me fez pensar nas razões que levaram os europeus, um povo orgulhoso de seus valores democráticos e de sua intransigente defesa da liberdade de expressão, a criarem, no pós-guerra, uma forte regulamentação da mídia. Eles conhecem as consequências trágicas de uma imprensa irresponsável, sem compromissos com os próprios valores que garantem a paz social. Sabem eles, igualmente, que a melhor maneira de atenuar o perigo de uma imprensa assim é estimular a diversidade de opiniões, entendendo que o contraponto é a melhor maneira de evitar a criação de focos de radicalismo, intolerância e histeria coletiva.

A I Guerra Mundial foi um fenômeno particularmente assustador porque milhões de europeus caminharam voluntariamente em direção ao matadouro, incitados por editoriais furibundos.

No Brasil, vivemos situações parecidas. O sistema de comunicação não foi tocado após o fim do regime militar. Ao contrário, os feudos se consolidaram ainda mais. O universo midiático tornou-se ainda mais oligárquico e corrupto ao longo dos últimos 30 anos de democracia.

As mesmas empresas de comunicação que se enriqueceram na ditadura e nos ciclos neoliberais tornaram-se as donas da informação no regime democrático. Pertencem, todas elas, a uma plutocracia familiar de pensamento ultra-conservador, que não suporta ver o poder político, ou parte dele, em mãos de um partido popular e trabalhista.

Corrupção?

Uma plutocracia que idolatra um presidente que mudou as regras eleitorais para si mesmo, sem consultar o povo, que subornou deputados para aprovar a mudança que lhe permitiu se reeleger, como pode falar de corrupção?

A plutocracia, porém, é minúscula numericamente. Para ampliar seu poder político, ela precisa de massa de manobra, e daí a importância da mídia e seu jogo de manipulação, em especial das classes médias.

Assim como nas grandes guerras europeias, a plutocracia está disposta a destruir países, devastar economias, sacrificar as liberdades, comprometer o futuro de várias gerações, apenas para ganhar mais dinheiro.

É muito sintomático que o juiz Sergio Moro tenha estado ontem, dia 26 de abril de 2016, nos Estados Unidos, recebendo prêmio da revista Time, como um dos cem homens mais poderosos do mundo.

É um prêmio por destruir a economia brasileira, e criar a atmosfera moral e política que deu sustentação ao golpe consumado no último dia 17 de abril.

A Lava Jato resultou, na prática, na destruição de setores inteiros da economia. As notícias sobre a “recuperação” de valores por parte da operação são um piada de mau gosto. O último cálculo dava conta de perdas de mais de R$ 200 bilhões para a economia brasileira, apenas em 2014, decorrentes do fechamento de grandes empresas de engenharia.

Esse número pode triplicar muito quando somarmos o ano de 2015 e 2016. Sem contar o dano incalculável, em termos de sofrimento humano, causado às famílias de trabalhadores que perderam seus empregos.

Ontem, li notícia de que o procurador geral da república entrou com representação contra a presidenta Dilma, por causa da MP da Leniência, que faz parte do esforço do governo para evitar que a Lava Jato termine de destruir a economia brasileira.

A mídia corrobora tudo isto: ela nem chama mais as empresas de engenharia por seu nome. Agora são as empresas da Lava Jato. As empresas que construíram hidrelétricas, ferrovias, portos, pontes, aeroportos, que construíram toda a nossa infra-estrutura, são sacrificadas no altar do golpe.

É assim o mundo: Lula, que criou 20 milhões de empregos, que tirou 40 milhões da miséria, que investiu em infra-estrutura, está sob ameaça de prisão por causa de um sítio em Atibaia que ele apenas frequentava…

Os empresários que construíram o Brasil estão presos.

Sergio Moro, que destruiu milhões de empregos, que destruiu nossas principais empresas de engenharia no momento em que elas atingiam seu apogeu e conquistavam o mundo, que subsidiou um golpe de Estado, recebe prêmio da Globo e de uma revista norte-americana…

No próprio site da revista Time, vem escrito que “embora a presidenta Dilma não esteja ligada diretamente a nenhuma corrupção, ela agora enfrenta o impeachment em parte por causa do trabalho de Moro”.

Ainda na ficha de Moro na Time, o autor admite que o juiz é acusado de “ignorar o devido processo legal, e que ele tem feito um grande esforço para ganhar apoio na opinião pública”.

Que elogios maravilhosos para um juiz!

Realmente, ele merece prêmios da Time e da Globo e de todas as mídias corporativas e ultraconservadoras do mundo!

Enquanto isso, Eduardo Cunha continua à frente da Câmara dos Deputados, e presidiu um processo criminoso, um verdadeiro motim de delinquentes, que foi o primeiro passo para derrubar uma presidenta eleita com 54 milhões de votos.

Michel Temer, aliado de Cunha e traidor, deverá ser o novo presidente da república, mesmo não tendo um mísero voto.

A Globo, esse monstro parido pela ditadura, pode posar como grande vencedora.

Ainda bem que existe a história, que saberá perfeitamente pôr os golpistas em seu devido lugar: o lixo.

(A foto é de Moro em Nova York, recebendo o prêmio da Time…)[/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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