A estranha reportagem “investigativa” de Fernando Rodrigues, que mais esconde do que revela

Os “repórteres investigativos” (é preciso muitas aspas) que receberam os vazamentos da Mossack Fonseca, esperaram várias semanas antes de veicular denúncias sobre participação de barões da mídia, seus principais executivos, seus familiares, em offshores ligadas à firma panamenha, centro do escândalo conhecido como Panama Papers.

Esperaram, evidentemente, passar a votação do impeachment na Câmara. Divulgaram num sábado, dia de menor audiência. Fica até a desconfiança de que esperaram alguns deles regularizarem a sua situação.

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), ao que parece, vai divulgar a lista completa daqui a uma semana, quiçá já na próxima segunda-feira, o que explica o UOL se sentir forçado a publicar alguma coisa neste momento, para ir já blindando os barões da mídia.

Além do mais, as informações vem diluídas deliberadamente para não causar nenhum impacto.

O supro-sumo da “reportagem” de Fernando Rodrigues, do UOL, é a participação da Globo e família em alguns rolos (não tenho como usar outra palavra) que levam ao triplex de Paraty, mas a informação aparece apenas no meio do texto, quase escondida.

Ao invés de começar pela Globo, a matéria começa falando de um tal de Antonio Luiz Droghetti Neto, ilustre desconhecido, acionista do SBT…

A “reportagem” é incrivelmente cínica.

Depois deste início insosso, ela fala de contas de um executivo da Globo, na Mossack Fonseca, devidamente declaradas…

Ora, se são declaradas, por que a notícia? E por que começar por elas?

Depois de um punhado de denúncias vazias e desinteressantes, o texto chega na parte que falará da propriedade dos Marinho, e aí começa mencionando… Lula!

Não é piada!

A nossa grande imprensa demorou meses para repetir o que a blogosfera já vinha publicando, sobre o estranho jogo de participações acionárias que liga a família Marinho à propriedade em Paraty.

É muito curioso: Fernando Rodrigues divulga quase exatamente aquilo que já tínhamos descoberto.

Ou seja, mesmo tendo acesso ao “maior vazamento” da história, Rodrigues não encontrou praticamente nenhuma novidade sobre as offshores dos Marinho! Ele repetiu quase exatamente aquilo que havíamos publicado, com meses de atraso!

Estranho, não? Que vazamento vagabundo!

Ele encontrou informações novas sobre executivos da Globo, aí sim, mas a informação quente, óbvio, são os esquemas da família mais rica do país, donos de uma concessão pública de TV.

Quem se interessa pelos esquemas de peixinhos da mídia? Queremos saber dos tubarões, a Globo e seus donos!

Nós, da blogosfera, não temos acesso privilegiado a nenhum vazamento, não quebramos sigilo de ninguém, não destruímos nenhuma empresa, não precisamos prender ninguém com fins de tortura, para extrair delações premiadas.

Apenas pesquisamos lá e cá, com persistência e boa vontade. E descobrimos as mesmas coisas!

O trecho da “reportagem” de Fernando Rodrigues sobre a Globo e o triplex de Paraty não apenas está diluído no texto. Ele é positivamente omisso de investigações e fatos já revelados pela blogosfera: algumas das firmas mencionadas tem ligações, por exemplo, com a Brasif, empresa responsável pelo pagamento de mesadas à ex-amante de FHC.

Mas já que Fernando Rodrigues decidiu publicar tão pouco sobre os Marinho, eu talvez possa ajudá-lo agregando alguns fatos.

Infelizmente, não tenho acesso aos dados da ICIJ, esta bizarra associação internacional “investigativa”, bancada por empresas ligadas ao governo americano, que dá a chave do galinheiro às raposas.

Olha que interessante: a Contar Contadores, de propriedade de Jorge Lamenza, citado na reportagem de Fernando Rodrigues como um dos sócios das empresas ligadas a família Marinho e ao “triplex” de Paraty, tem entre seus clientes no Brasil a Glen Entertainment, que pertence ao ex-genro de João Roberto Marinho, e a SF Engenharia, responsável pela construção da Casa Paraty… que é exatamente a propriedade de que estamos falando.

Há uma outra informação curiosa, que pode nos ajudar a desvendar este angustiante mistério sobre quem é o verdadeiro dono da famosa casa em Paraty: dentro da casa, há dois quadros extremamente valiosos, desses que – sendo autênticos – valem quiçá alguns milhões de dólares e que apenas famílias da mais alta plutocracia brasileira poderiam possuir: um deles é o “Rei do Mau Gosto”, de Rubens Gerchman, de 1966. O outro é “Pshiuuuu!”, de Maurício Nogueira Lima, de 1967.

Informações encontradas facilmente na internet dizem que o primeiro pertencia, em 2007, à coleção Evandro Carneiro. O Pshiuuu! pertencia ao autor em 1994.

Até hoje estamos querendo descobrir também, porque, em prêmio de arquitetura vencido na Itália, o sobrenome da filha de João Roberto Marinho, Paula Marinho Azevedo, aparece como “contratante” do arquiteto que construiu a mansão em Paraty.

De qualquer forma, a “reportagem” de Fernando Rodrigues confirma uma coisa: a Globo era uma das maiores clientes da Mossack Fonseca e de suas offshores. Seus familiares, suas empresas e seus principais executivos usavam e abusavam de seus serviços de evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

É um show de hipocrisia: enquanto usa todas as brechas possíveis (legais ou não) para sonegar contribuição fiscal ao Estado brasileiro, a Globo usa uma concessão pública para veicular o Criança Esperança, uma campanha de marketing – de ética obscura – na qual arranca dinheiro dos brasileiros incautos (estes sim, pagadores compulsórios de impostos) para aplicar em “projetos sociais”.

Este é o modus operandi da plutocracia brasileira: o uso de paraísos fiscais para esconder seu dinheiro sujo, fruto de lavagem, sonegação e corrupção.

Essa corrupção vampiresca, vazia, que não constrói nada, focada na evasão fiscal, não parece incomodar nem a mídia, nem os capangas da plutocracia instalados no Ministério Público, no Judiciário e na Polícia Federal.

Para eles, os alvos prioritários são apenas as empresas de engenharia e construção civil, que empregam milhões de pessoas e respondem pela infra-estrutura do país. Estas sim, devem ser destruídas implacavelmente, e seus executivos encarcerados em prisão perpétua: quem mandou acreditar no Brasil?

Quem continua se dando bem no Brasil são aqueles plutocratas que ganham dinheiro apenas através da especulação financeira, investindo dinheiro (sonegado) em offshores ou usando-as para comprar apartamentos em Miami, como João Dória, Joaquim Barbosa e caterva.

Estes plutocratas (ou que estão em sua folha de pagamento), quando seus esquemas são descobertos pela imprensa corporativa, são protegidos através de todos os meios possíveis. Leis especiais são criadas para eles, para que possam reincorporar dinheiro não declarado. As reportagens são feitas no momento certo. Não há editoriais, campanhas ou charges agressivos. Nenhum órgão de repressão cogita em abrir inquéritos sobre lavagem de dinheiro, ocultação de propriedade, ou nada parecido. Como haveria, se os próprios editores, donos e executivos das empresas de mídia estão envolvidos até o pescoço nessas práticas?

E Lula, com um sítio que não é dele, com um triplex em Guarujá que não é dele, é tratado pelos meganhas da plutocracia como o “grande líder” da corrupção no país.

Como não encontraram uma mísera prova, mesmo após terem feito devassa até a terceira geração na família de Lula, vazado telefonemas íntimos de Lula e toda sua família, vazados suas contas bancárias para a Globo e Veja, como mesmo assim não se encontrou nada, o argumento do procurador geral da república, Rodrigo Janot, para denunciar Lula, é que ele “não poderia não saber”.

Argumento contraditório, doentio. Se Lula sabia dos esquemas de corrupção por que – ao contrário de FHC – investiu tanto na autonomia da Polícia Federal, ampliando recursos, contratando gente, aumentando salários? Por que aumentou a autonomia concedida ao Ministério Público? Por que implementou programas de transparência que seriam essenciais para o combate à corrupção?

Como não encontraram um centavo não explicado nas contas de Lula e de suas empresas, querem prendê-lo por duas propriedades que não são dele. Duas propriedades que fazem a plutocracia morrer de rir: um triplex minúsculo em Guarujá e uma chácara simples em… Atibaia!

Um sem número de offshores e esquemas ligam o triplex de Paraty à família Marinho e à Globo, mas é Lula quem vai preso por “ocultar” propriedade…

E viva o Brasil!

Foto: Mídia Ninja, claro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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