Deus e o diabo na terra de Eduardo Cunha ? As ciladas do golpe

Brasília- DF 26-04-2016 Presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha durante sessão da câmara. Lula Marques/Agência PT

Foto: Lula Marques

por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho

Há quem pense que pode fazer pacto com marginais e depois dispensá-los com um aceno. E que, após isso, é só arrumar a cena do crime, varrer o lixo e lavar as machas de sangue, enfim, limpar a cena do crime, e estará tudo bem.  Quem pensa assim, não atinou para o nível de sofisticação e profissionalismo a que chegou o punguista parlamentar brasileiro típico. A arraia miúda, que engordou com nacos generosos de propinas lançados pelos grandes empresários, não é mais uma turba de zé arigós prontos a engolir em seco um chute no traseiro.

A questão deixada pelo episódio protagonizado pelo deputado Waldir Maranhão é sobre o que ele prenuncia. Esse primeiro ato de vingança de Cunha, digamos, a sua facada pelas costas, malogrou. Mas será que ele vai parar por ai? Os mentores do golpe poderão dormir sossegados daqui para frente sem temerem ciladas, emboscadas ou revelações?

O mundo da lei, da justiça e da ordem, os bons pater famílias, os respeitáveis juízes togados, a imprensa golpista e moralizadora, imaginaram que bastaria assinar a demissão por justa causa de Eduardo Cunha e contar com a sua humilíssima aceitação da queima de arquivo. Silencioso e perplexo sairia de cena, incapaz de agir e de reunir forças para fazer frente à sua dispensa.

Contudo, no mundo dos lumpens, da escória, da cracolândia política, as leis são outras. A bandidagem também tem sua ética profissional. A razão não fala tão alto quanto se imagina. Do nada, às vezes até depois de uma piada, quando os cúmplices ainda estão gargalhando, um deles saca uma faca e dá conta do recado ali mesmo, sem mais delongas. Não se deveria esperar por reflexão demorada, por longas cogitações e cálculos complexos de um jagunço jogado aos leões. Aliás, na história das correrias ao longo do rio São Francisco, naqueles obscuros tempos narrados por Euclides da Cunha em Os sertões, mais de um fazendeiro foi degolado pelo seu próprio cabra.

E é assim que se abre Deus e o diabo na terra do sol, o fazendeiro que ataca seu vaqueiro, que por sua vez não hesita em usar o facão contra o poderoso senhor. E isso ele sabe fazer bem. Cunha foi usado pelas elites por seus dons de manipulação regimental e condução da Câmara. Não esperavam é que, quando despedido, empregasse esses mesmos dons para tentar desfazer o feito e jogar o impeachment na estaca zero.

Foi uma peça pregada na elite política brasileira, um grande susto para todos que pegaram carona no bonde da traição. No portal UOL, antes da notícia, aparecia um Eduardo Paes afirmando “Se há governo, sou a favor”. Mas agora, embora continuando as tratativas para formar um ministério, o governo Temer não é mais líquido e certo. O que é certo, é que Cunha diz ter cartas na manga. Podem elas afetar a posse de Temer? Não se sabe. Serão revelações devastadoras contra o mordomo do Jaburu? É uma incógnita. O clima de suspense tende a tomar conta da cena.

Matéria recente na Folha de São Paulo, refletia bem o que as elites esperavam de Eduardo Cunha após seu afastamento. A matéria dizia que ele estava contemplativo, taciturno, convertido em um homem de poucas palavras ? será que planejava um retiro espiritual? ?, enfim, ele teria se convertido num poeta lírico ferido pela ingratidão dos homens.

“Contemplativo. É assim que aliados que visitaram Eduardo Cunha descrevem seu humor um dia após ser afastado de seu mandato e da presidência da Câmara por unanimidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo relatos, embora esteja menos abatido do que na quinta (5), Cunha tem falado pouco e, quando fala, pensa por alguns segundos antes de se pronunciar.”

Ao invés do facínora melancólico (“embora esteja menos abatido do que na quinta”), lançado em cava depressão, se poderia ter procurado atentar um pouco mais no chefe político, que caído na sarjeta ainda era visitado pelo novo presidente da Câmara Federal, o obscuro Maranhão. Esse deputado de quem até ontem ninguém havia ouvido falar, deu sinais de que uma reação talvez já estivesse engatilhada e que ele, na verdade, era o messias que traria a boa nova: “Vocês vão se surpreender comigo”, ele disse na sua primeira fala pública como interino da Câmara. E estamos todos extremamente surpresos com ele. Sem dúvida nenhuma.

De um instante para outro tudo ficou momentaneamente de pernas para o ar. O que expôs, a despeito da decisão de Renan Calheiros, a imensa fragilidade das bases do golpe. O lance foi carnavalesco e estrambótico. No entanto, inteiramente em acordo com o baixíssimo nível, de chanchada mal dirigida, que vem desde o início conduzindo o golpe.

Um golpe, como dissemos em outro artigo, é feito de muitos golpes. Pois é. Os conspiradores poderosos, depois que Cunha realizou sua obra, o chutaram para escanteio, o que significa dizer, o conduziram até a porta do presídio. Ocorre que, tendo passado a maior parte de sua vida adulta em meio a golpes, geralmente golpes do vigário, tanto que até a sorte lhe sorriu com uma casa com o número 171 no muro, ele já tinha uma maquinação pronta.

Evidentemente, que a anulação por Maranhão nada teve que ver com os argumentos da AGU e as firulas de Eduardo Cardozo.

A declaração de Maranhão, de que seu destino era nos surpreender, foi dada na sexta-feira, dia 06, portanto, há três dias atrás. Ou seja: a resposta de Eduardo Cunha ao golpe que lançaram contra ele, a “liderança do impeachment”, já estava escrita e tramada naquela data.

Se não tivemos o que comemorar, também não chega a ser motivo para lastimar. Dificilmente uma manobra tão, digamos, contra-intuitiva, poderia surtir efeito consistente. Se fosse aceita por Renan, certamente receberia inúmeras contestações no STF.  E no momento atual, em que os interesses coligados que movem os grupos, partidos e corporações unidos na conspiração do golpe estão na mais perfeita harmonia, talvez apenas se acirrasse o clima de confrontos e ódios no país.

O que é novo, porém, é a sensação, que talvez tenha vindo para ficar, de que a qualquer momento um raio pode cair do firmamento e transformar a luz em caos, e que sob o olhar distante e sorumbático de um pretenso poeta, sob seus punhos de renda, escondem-se adagas envenenadas. É de se prever que o futuro reserva novas ciladas aos golpistas.

Vamos aguardar os próximos atos dessa tragichanchada.

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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