O papagaio de R$ 2,7 milhões de Michel Temer

A reportagem do Viomundo, publicada no dia 10 de junho, sobre um inquérito contra Michel Temer que vem mofando nas enormes gavetas do sistema judicial, traz duas denúncias.

A primeira: os esquemas em si, nos quais se investiga a participação de Michel Temer.

A segunda denúncia é o roteiro clássico seguido pela burocracia quando deseja assegurar impunidade às autoridades queridas ao status quo.

Inquéritos importantes são engavetados por tempo indeterminado, mudam de nome, seguem para outras instâncias, onde são novamente engavetados ou arquivados.

Essa denúncia me parece ainda mais importante que o foco central da reportagem, que é trazer à pública a existência de uma série de inquéritos sobre uma suposta propina de R$ 2,7 milhões recebida pelo atual presidente interino, Michel Temer.

Me parece evidente que os processos de investigação do Ministério Público precisam ser mais transparentes. É preciso democratizar o Ministério Público, aproxima-lo da população, inclusive para mantê-lo sob escrutínio atento da sociedade, que precisa vigiar suas ações e omissões.

Trecho da reportagem do Viomundo:

Em novembro de 2000, o processo de separação de uma estudante de psicologia e do então presidente da Companhia Docas de Santos (Codesp), Marcelo de Azeredo, provocou um terremoto na 3ª Vara de Família e Sucessões de Santos.

Junto com o pedido de reconhecimento e dissolução de união estável, Érika Santos juntou um dossiê com planilhas e documentos que, segundo ela, comprovariam o milionário esquema de arrecadação de propinas no porto de Santos.

Além do ex-marido, Érika acusou de fazerem parte do esquema o então deputado federal Michel Temer e uma pessoa identificada como “Lima” – provavelmente o empresário João Baptista Lima Filho, amigo e homem de confiança de Temer, dono da fazenda Esmeralda e de outras terras na região de Duartina, no interior de São Paulo.

Ao ocupar a propriedade, em maio último, o MST acusou Lima de ser “laranja” de Temer:

João Batista Lima Filho, o Coronel Lima, sócio da Argeplan e proprietário formal da fazenda Esmeralda, é coronel da reserva da Polícia Militar da Paraíba, mas curiosamente é proprietário de milhares de hectares de terras em São Paulo.

As informações contidas nos documentos juntados por Érika ao processo de separação expuseram o esquema que seria comandado por Azeredo.

A ex copiou arquivos que estavam no computador de Marcelo de Azeredo como forma de provar que ele era capaz de pagar a pensão de R$ 10 mil que ela pleiteava.

As planilhas revelavam a divisão da propina. Segundo os documentos, 25% eram de Azeredo, 25% de Lima e 50% de Temer.

Os arquivos tratavam de obras, serviços e valores repassados. A concessão dos terminais 34 e 35 para a empresa Libra Terminais teria rendido ao grupo R$ 1,28 milhão. Neste negócio, Temer teria embolsado R$ 640 mil.

Nas obras civis do terminal de grãos e do terminal ferroviário, a propina de Temer, identificado nos arquivos digitais como MT, teria sido de R$ 1,56 milhão.

Em negócio aparentemente relacionado ao lixo do porto, a parte do agora presidente interino teria sido de R$ 26.750,00.

Já em contrato com a empresa Rodrimar o então deputado Michel Temer teria levado R$ 300 mil, “+200.000 p/ camp”, anotação que segundo os advogados de Érika sugere que houve um extra pago à campanha eleitoral de Temer.

Contabilizadas as planilhas noticiadas pela imprensa, a parte de Temer só nos negócios revelados por Érika foi de R$ 2.726.750,00.

O esquema no Porto de Santos era muito parecido com os revelados posteriormente pela Operação Lava Jato.

Mas, o que aconteceu com as apurações?

A reportagem do Viomundo em seguida descreve a trajetória da denúncia pelos labirintos da burocracia. É uma aula sobre como a corrupção endêmica da classe política brasileira tem sido sistematicamente jogada para debaixo do tapete. De vez em quando, um espetáculo de investigação é encenado, com luzes e pompa, para dar algum tipo de satisfação superficial à sociedade e justificar os incríveis privilégios concedidos às corporações que operam na justiça.

Para isso ocorrer, porém, é preciso haver interesse político e apoio midiático. Daí nascem os arbítrios.

O Ministério Público Federal é uma instituição caríssima, gerida pelos impostos pagos por todos os cidadãos.

Não pode se tornar um braço armado da Globo.

As denúncias contra Michel Temer precisam ser investigadas.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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