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Delação premiada e a desonestidade intelectual do procurador do MPF

Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho Na quarta-feira a Folha informou que o procurador Deltan Dallagnol, um dos coordenadores da força tarefa do MPF responsável pela Lava Jato, criticou a intenção de Renan Calheiros, revelada em um dos áudios gravados por Sérgio Machado, de alterar a legislação que trata da delação premiada para proibir […]

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Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho

Na quarta-feira a Folha informou que o procurador Deltan Dallagnol, um dos coordenadores da força tarefa do MPF responsável pela Lava Jato, criticou a intenção de Renan Calheiros, revelada em um dos áudios gravados por Sérgio Machado, de alterar a legislação que trata da delação premiada para proibir a delação de pessoas presas. O procurador afirmou que “não faz sentido algum limitar as colaborações de pessoas presas a não ser dentro de um contexto em que se busque frear as investigações”.

Na verdade o que não faz sentido é a frase do procurador. Afinal, há uma discussão intensa no meio jurídico sobre a delação premiada, inclusive acerca da sua constitucionalidade. Seguindo a lógica de Dallagnol, todos os juristas e estudiosos do tema que defendem a proibição da delação de presos estariam buscando “frear as investigações”. Sabemos que o que move Renan provavelmente é mesmo o medo da Lava Jato, mas afirmar que a única motivação possível para a defesa desse ponto de vista é a tentativa de parar investigações é pura e simples desonestidade intelectual.

Analisando os argumentos dos críticos à delação premiada de presos percebe-se que a frase do procurador faz menos sentido ainda, pois são pontos de vista no mínimo bem fundamentados, para não dizer difíceis de rebater. Por exemplo: a Lei 12.850/13 diz que somente quem colaborou voluntariamente com a investigação pode receber benefícios como a redução de pena. Ora, quando o juiz abusa da prisão preventiva e só concede a liberdade a quem aceita delatar, medida medievalesca (palavras do ministro do STF Teori Zavascki) utilizada sem moderação por Sérgio Moro, não resta dúvidas de que a voluntariedade da delação foi para o espaço: quem pode dizer que não delataria caso fosse essa a condição para sair das verdadeiras masmorras que são os presídios brasileiros?

A delação premiada arrancada de pessoas acuadas pela face punitivista e truculenta do Estado, quando obtém um status de prova que não deveria ter (e legalmente não tem), pode gerar ainda efeitos graves em outras pessoas. O MPF e a PF citaram, para sustentar o pedido de prisão do ex ministro Paulo Bernardo, deferido e cumprido ontem, depoimentos de Delcídio do Amaral em delação premiada no sentido de que Paulo Bernardo é “muito influente” e tem “muita força política”. Um bandido confesso e mentiroso contumaz, acuado, que certamente fará tudo para diminuir sua pena, faz afirmações totalmente subjetivas sobre alguém e essas afirmações são usadas como base para encarcerar a pessoa!

Outra frase de Dallagnol citada na matéria é a seguinte: “A grande questão referente à colaboração e à prisão é determinar garantias para que as pessoas que realizam a colaboração a façam de modo voluntário e não impedir que a pessoa presa tenha acesso a essa estratégia de defesa, que não é apenas de investigação”. Show de cinismo: falando da necessidade de garantir a voluntariedade da delação premiada o procurador finge que não endossa a estratégia de Moro de forçar presos a delatarem usando a prisão preventiva – verdadeira tortura de Estado em plena democracia -, quando é evidente que na Lava Jato há uma sintonia fina entre a atuação do juiz (Moro) e a do órgão acusador (MPF). Esse trabalho em conjunto é ilegal porque o papel do juiz deve ser o de mediador imparcial entre defesa e acusação, não o de atuar em conluio com um dos lados.

A estratégia do MPF, com o apoio essencial da mídia monopolizada, deu certo. O vazamento dos áudios gravados por Sérgio Machado e a cobertura da velha imprensa no sentido de que qualquer mudança na delação premiada é inválida pois só pode ser tentativa de escapar da Lava Jato provocou o recuo de Renan. Quem detém o poder no Brasil pós-golpe são eles: mídia familiar e MPF. O político (que é eleito pela população, ao contrário dos meganhas, juízes e obviamente barões da mídia) que se atrever a pensar em botar freios na sanha punitiva do Ministério Público será enquadrado. O editorial da folha de hoje manda o recado: “Tudo indica que não há fim à vista para a Lava Jato e seus desdobramentos – e é exatamente isto que se deseja (…)”. Quem ficar no caminho dessa operação inconstitucional eterna será esmagado.

“Coincidências”

Depois de o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ter que vir à público negar que a sua visita quase secreta a Sérgio Moro, na terça-feira, teve relação com a operação Custo Brasil, outra coincidência (ou não) ligada à operação chama a atenção: o juiz Paulo Bueno de Azevedo, que deferiu os pedidos de prisão preventiva, condução coercitiva e busca e apreensão cumpridos ontem, é doutorando em direito penal pela USP sob a orientação de Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Roussef e notória reacionária, daquela turma que acredita piamente que o PT é bolivariano e/ou comunista. A “filial” da Lava Jato em São Paulo aparentemente caiu nas mãos do juiz certo para os objetivos do golpe.

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Pedro Breier

Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.

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Comentários

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gilberto

24/06/2016 - 20h09

Infelizmente, a verdade sobre os métodos utilizados na Lava Jato somente virão à tona daqui a algumas décadas, quando o remorso atormentar algum de seus integrantes, assim como aconteceu com o ex-delegado Cláudio Guerra -assassino confesso de opositores do golpe de 64-, em seu livro “Bastidores de uma guerra suja”.

Maria Thereza G. de Freitas

24/06/2016 - 16h31

fora de pauta: estou há 3 dias sem acesso à análise de conjuntura. Nem aparece a aba para fazer login. Já enviei 2 zaps e, até agora, nada

Maria Thereza G. de Freitas

24/06/2016 - 16h28

a delação feita por uma pessoa presa, à vezes por longo tempo, equivale à confissão sob tortura. Até onde sei, tortura é crime e torturadores devem ser punidos. Mas como estamos sob a constituição do justiceiro do Paraná, fica tudo como dantes e arcamos com mais um peso: ser contra a tortura imposta pela república do Paraná equivale a compactuar com a corrupção. Surreal!

    Wesley Pinheiro

    24/06/2016 - 18h39

    Chega a ser engraçado estes comentários anti-delação, se assim posso chamar. Lembrem que caso não seja provado o que o delator fala ele pode duplicar a pena atual(ou seja, mentir é pior). Ora, o cara fez coisa errada e quer entregar, todos(no caso a sociedade) irão sair ganhando porque as mascaras vão cair, e ainda tem gente falando de “tortura”? É melhor então se ferrar sozinho?(Cadeia é lugar pra bandido, quem tem que viver bem é o povo de bem, assim como eu e você). Juro que faço força pra tentar entender. E ainda chamar de “justiceiro do Paraná”, sinceramente, tem que é falar mal dos que estão presos e ja foi provado que comeram o crime contra TODA a população. Como diria o outro “O errado agora é certo”. Vai entender…

      Maria Thereza G. de Freitas

      24/06/2016 - 21h03

      Não existe comentário anti-delação, a princípio. O que se contesta é a maneira como as delações estão sendo usadas. A delação, como concebida, deve ser feita de livre vontade, em troca de algum benefício (redução da pena, pena alternativa e tal) e serve apenas como ponto de partida para investigações que produzam provas. Não é o que está acontecendo. As pessoas estão sendo presas para delatar. É completamente diferente. Se a pessoa for presa por um crime e, no decorrer, fizer uma delação, tudo bem. Basta ver o caso do delator mais famoso, o Youssef, que foi delator no caso Banestado, voltou a delinquir e vira delator de novo. Nesse ritmo, não só os criminosos são penalizados. O arbítrio pode atingir qualquer um de nós e, como o exemplo vem de cima, qualquer “otoridade” se sente no direito de fazer qq coisa, pois as regras foram mandadas às favas. Basta ver que , nesses últimos dias, 2 rapazes foram assassinados pela polícia, por motivos absolutamente fúteis. Há alguns meses, um comerciante de tapetes em São Paulo foi ameaçado por um funcionário da corregedoria de SP (inclusive com arma), por causa da “delação” de uma cliente. Um rapaz foi jogado no chão, por um policial federal (não sei se no Rio ou em São Paulo), porque esbarrou no tal policial e não pediu desculpas. Poderia ter acontecido com você, comigo. O que se deseja é que a s leis sejam respeitadas por quem tem a função de respeita-las. Os bandidos não respeitam, mas não precisamos nos igualar a eles. Se assim for, seremos tão bandidos quanto

        Roberval Broncoschini

        24/06/2016 - 23h45

        Maior parte das delacoes foram feitas por pessoas respondendo em liberdade, para diminuir pena.

        Procure se informar melhor sobre os “metodos” da lava-jato.

          Maria Thereza G. de Freitas

          25/06/2016 - 09h24

          Confesso que não fiz nenhuma estatística sobre quantos delatam em liberdade e quantos não. Entretanto, penso que não é uma questão de quantidade. Bastaria um preso irregularmente, para que o método não fosse legítimo. E temos diversos exemplos, como o Marcelo Odebrecht. O problema do arbítrio é que sabemos como ele começa, até achamos bonito, mas ele vai num crescendo que ameaça todo mundo. As prisões espetaculosas são outra característica da operação, que pode ser tudo, menos instrumento de combate à corrupção.

Jst

24/06/2016 - 16h19

Quem mandou a Dilma não dar os aumentos salariais que estes sanguessugas concursados pleitavam há anos? Cadeia nela.

James Stewart

24/06/2016 - 14h29

O Ministério Público é a privada cheia de m* de tanta coisa ruim que existe por lá.

“Marcelo Auler mostra em seu blog – com gravação para prová-lo – que, durante a propositura de um questão na prova oral do Ministério Público do Rio de Janeiro, o promotor Alexandre Joppert, ao narrar a dinâmica de um crime de estupro relaizado coletivamente diz que:

“Um segura a mulher, o outro aponta a arma; outro guarnece a porta da casa. o outro FICA COM A MELHOR PARTE, dependendo da vítima. Faz a conjunção carnal”.

Além de imaginar que fazer sexo à força com uma mulher, sob a mira de arma, possa ser “a melhor parte” de alguma coisa, ainda sugere que, “dependendo da vitima” isso possa ser agradável, na mesma linha daqueles comentários já famosos que “dão qualidade” ao estupro pela eventual beleza da vítima.”

http://goo.gl/ZYn4xl

Augusto Celso Reis Nogueira

24/06/2016 - 13h18

É lamentável o que está acontecendo. Essas decisões são os efeitos de um judiciário parcial, amparado pela mídia. Tudo isso se agravou com o julgamento do “mensalão” do STF, presidido por Joaquim Barbosa e endissado por todos os ministros. Isso não justiça, é inquisição…

    Daniel

    24/06/2016 - 22h10

    A nova ditadura agora é a da Mídia/Judiciário.


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