Como excluir o povo do processo eleitoral

A democracia brasileira virou um laboratório onde eleição, política, voto e democracia formam uma coisa só. É preciso mostrar aos cidadãos que são coisas diferentes.

Wellington Calasans, especial para O Cafezinho, em Estocolmo

A cada nova eleição a palavra “democracia” é explorada com uma intensidade sufocante. Entre outros, o motivo desta “propaganda” é convencer o cidadão de que há uma similaridade entre as palavras democracia e voto. No entanto, se faz necessário transcender e observar que essa superficialidade nos impõe o necessário debate acerca do poder real de escolha do eleitor. Limitar o papel do cidadão à tarefa de escolher, a cada quatro anos, os representantes apenas legitima o acesso ao poder dos nomes que nos são apresentados por uma estrutura invisível. E isso culmina com o abandono do exercício do voto, meta maior deste jogo de sombras.

A derrota de Fernando Haddad para João Doria na corrida pela prefeitura de São Paulo no domingo (2) é um exemplo muito bom para aprofundarmos o debate. Bombardeado desde o primeiro dia do seu mandato, Haddad (que é de longe o melhor e mais moderno político brasileiro da atualidade) foi impedido de dialogar com a sociedade paulista. A necessidade de explicar cada gesto, cada medida tomada, como se tivesse praticado um crime, foi a estratégia usada contra ele pela imprensa mais reacionária do Brasil, a de São Paulo.

A democracia não está limitada ao ato de votar, pois nem sempre o ato de eleger o seu representante torna o cidadão um agente da política. A democracia, no verdadeiro significado da palavra, só é consolidada quando, entre outras conquistas, existe o direito a uma comunicação social democrática e plural. Somente ao conhecer diferentes realidades, o cidadão será capaz de exercitar o poder crítico da própria escolha. Sem isso, será apenas um “legitimador do pleito eleitoral”.

Não podemos ignorar a necessária igualdade mínima de possibilidades dos cidadãos (tangíveis e intangíveis) para a existência daquilo que chamamos de “inserção social”, onde o combate à pobreza, à violência urbana, somados ao respeito às questões ambientais e a participação direta na gestão pública são apenas uma prática saudável na rotina das pessoas, e não um luxo.

Entre outras coisas, é a concentração da comunicação social (que no Brasil coincide com a concentração da riqueza) que impede a participação cidadã. Governantes são “fulanizados” e limitados ao espectro barroco das figuras simbólicas, estrategicamente associadas a “Deus” ou ao “Diabo”. Impossibilitado de exercer sua cidadania em sua plenitude, limitado ao papel de eleitor, o brasileiro é alijado da participação na condução dos próprios governos que elege, negligenciado como agente mesmo quando organizado em comunidades, associações e outras instituições que primem pelo bem comum.

É urgente que os modelos ditos democráticos sejam revistos. A concentração do poder (através da mídia e do dinheiro) consolidou no pleito eleitoral de 2 de outubro um passo muito arriscado para o futuro de qualquer democracia: o desprezo do eleitor pela política. Este cenário ocorreu em nove capitais do país. Em São Paulo o número de eleitores que ignoraram o poder do voto, expressado nos votos em branco, nulos e as abstenções, somaram 3.096.304. O prefeito eleito, Doria, obteve um total de 3.085.187 votos. Ao ter como principal discurso a afirmação de que não era político, Doria foi sim um político, mas em sua acepção mais perniciosa e diabólica, pois ignorar a presença da política ou do político na coisa pública é antecipar o descompromisso com a própria sociedade que representa.

O certo é que com Temer, Geraldo Alckmin e Doria, a grande mídia golpista assume o poder no Brasil. O fracasso decorrente deste processo de afastamento da política, porém, não será apenas dos que promoveram golpe, mas de todos. O cidadão deve urgentemente ser estimulado pelos setores progressistas a participar ativamente da política, da cultura e a cobrar espaços na comunicação social que permitam o diálogo entre as representações (individuais e coletivas) e os políticos. Caso contrário, estaremos apenas a confundir eleição com política e democracia com voto.

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