Espiando o poder – A marcha do golpe no inferno que se avizinha

Police move a couple of handcuffed, recently detained men at Pavao Pavaozinho slum during a police operation in Rio de Janeiro, Brazil, Monday, Oct. 10, 2016. A shootout between police and criminals killed at least one gunman, closed shops and blocked streets of fancy areas in Copacabana and Ipanema in Rio de Janeiro. Rio police said in a statement that the shootout happened during a raid to halt drug traffickers and reinforce the presence of security forces in the area. (AP Photo/Silvia Izquierdo)

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Foto: Silvia Izquierdo/AP

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

Por 366 votos a 111, foi aprovada ontem, em primeira votação na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela os gastos federais pelos próximos 20 anos, e nas manchetes comemorativas de hoje Estado e Folha de São Paulo casam o destaque maior para o novo passo adiante do golpe em curso, dado pelos deputados, com a chamada no alto, ao lado da manchete, pra mais uma denúncia sem provas da Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois jornais ignoram, inclusive nas páginas de dentro, a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro de arquivar o Caso Marka-FonteCindam, escândalo financeiro que abalou o governo federal em 1999, que vem na página 22 do Globo, sem uma linha de chamada na capa em que Lula também está presente, mas não no alto. O ex-presidente vem ao lado do tiroteio com morte entre policiais militares e traficantes, em plena Zona Sul carioca, que ilustra a maior foto das primeiras páginas dos três jornais, a meter medo no povo enquanto avança o golpe.

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No editorial de hoje, depois da abertura do pré-sal o Globo pede a redução do conteúdo nacional no petróleo pregando que “falta redefinir para níveis realistas os índices de nacionalização dos equipamentos a serem usados nestes investimentos”. Na capa, o jornal grita que o “tráfico aterroriza a Zona Sul” embaixo da “ampla maioria” na aprovação da PEC 241 e do subtítulo com a “vitória do governo Temer” das manchetes do Estadão e da Folha. Na grande foto da primeira página do Globo, de Fernando Lemos, policiais fardados, fortemente armados, descem o Morro Pavão-Pavãozinho após conflitos que, segundo o subtítulo, “se disseminam pelas ruas” dos bairros nobres, turísticos, de Copacabana e Ipanema. Traficantes atacaram as unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) dos morros do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo ontem, diz o texto da chamada que fala em “horas de tiroteios intermitentes”, conta que “três pessoas morreram e cinco ficaram feridas, entre elas o comandante da UPP do Pavão-Pavãozinho, e arremata citando a morte certa de um dos traficantes, a queda do sujeito do alto de um penhasco, em meio ao tiroteio, compartilhada livremente pelas redes sociais.

O Jornal Nacional teve o pudor de não mostrar a imagem certamente chocante em sua edição, mas deu o devido destaque ao caso, assim como o Estadão, que alerta os paulistas para os “896 roubos por dia” no estado bem ao lado da foto de Fabio Motta com o mesmo policial encapuzado, armado, que no Globo vem com outros dois atrás deles, também encapuzados, e com uma metralhadora em cada braço, além dos borrões em vermelho nos buracos do capuz de ninja pra não ser reconhecido, ele que, nos tempos atuais, no entender da grande mídia, é o mocinho da história. Na chamada embaixo, para a coluna de Ancelmo Góis, o secretário de Segurança do estado do Rio, José Maria Beltrame, grande arauto, executor desde o governo de Sergio Cabral, do projeto das UPPs, avisa que “esta é sua última semana no cargo”. A implantação das UPPs teve cobertura de guerra da mídia corporativo-familiar. Repórteres de colete e capacete acompanharam as operações da PM em favelas cariocas e, diante das fugas em massa de traficantes, anunciaram vitórias como o fim da violência, a paz definitiva nas favelas, mas nada disso aconteceu, e agora o fracasso do projeto vem servir, por ironia nada feliz, à mesma grande mídia que o apoiou sem reservas.

A Folha foi a única a não publicar uma imagem própria e optou pela foto de Silvia Izquierdo que também vem no alto deste texto e talvez, quem sabe, seja a melhor das três. Tendo ao fundo manchas amareladas, desfocadas, que se não forem fogo, parecem, a foto remete a pintura antiga, clássica, com os presos algemados, favelados, e a corrente bem visível no centro da imagem que vem colada, envolvida pela aprovação da PEC 241, como sinal inequívoco do inferno que se avizinha, sobretudo para os mais pobres, enquanto a classe média batedora de panela, atemorizada, só quer saber da segurança. Como avisa Mario Sergio Conti hoje, na mesma Folha, o congelamento dos investimentos públicos marca, junto com o avanço da operação Lava Jato sobre Lula, “uma reconfiguração total na política e na economia” do País. Sai a visão do Estado forte, presente, a manter programas sociais como o Bolsa Família em meio à crise, volta à submissão ao mercado financeiro e às ordens, vontades e caprichos do estrangeiro.

E nas chamadas de capa para a Lava Jato, a enfatizar a terceira denúncia contra Lula no Globo e no Estadão, e a “acusação de quatro crimes” na Folha, não há nada sobre a negação, por parte do Ministério Público Federal (MPF), da delação de Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht, que não incrimina Lula. Nas páginas de dentro, a Folha diz no título que “Lava Jato nega delação de ex-diretor de empreiteira próximo de petista”, e não dá nada, não publica absolutamente nada sobre o arquivamento, pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, do caso Marka-FonteCindam, escândalo gerado na crise cambial de janeiro de 1999, pela mudança do sistema de câmbio do País que provocou o aumento da cotação do dólar, segundo a matéria publicada só no Globo, sem que o nome de Fernando Henrique Cardoso, presidente à época do “prejuízo ao governo federal de US$ 1,5 bilhão”, tenha sido citado nem no título, nem no subtítulo, nem no primeiro parágrafo.

O MPF, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Receita e a Polícia Federal concluíram, após dois anos de investigação, que autoridades do Banco Central (BC) “tinham ligações com os donos dos pequenos bancos” Marka e FonteCidam, que receberam socorro do BC para não serem liquidados. As penas para os principais acusados, segundo a matéria, giravam em torno de 10 a 12 anos de prisão, mas só Salvatore Cacciola, dono do Marka, “ficou pouco mais de três anos preso”, por ter fugido e perdido, com isso, o direito aos benefícios legais. Também condenados, o ex-presidente do BC Francisco Lopes, os ex-diretores do banco Claudio Nesse Mauch, Demóstenes Madureira de Pinho Neto e Luiz Bragança (já falecido), além do ex-diretor do FonteCidam Luiz Antonio Andrade Gonçalves, ficaram definitivamente livres da pena pelas mãos da juíza que decidiu pela prescrição do caso, transcorridos oito anos já, da última condenação, sem que nenhum deles tenha sido preso, muito menos algemado.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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