A divertida guinada à “esquerda” de Reinaldo Azevedo

O temor de ver seus queridos tucanos tragados pela fúria judicial, tucanos esses que patrocinaram sua carreira desde o tempo que editava a revista Primeira Leitura, somado à decepção de assistir o eleitorado conservador migrar em peso para Bolsonaro, fazendo os candidatos do PSDB despencarem, produziu o primeiro grande milagre do século.

Reinaldo Azevedo, até então, o Tio Rei dos coxinhas reaças, fez uma brusca guinada à esquerda e passou a atacar os “justiceiros” da Lava Jato, a defender Lula, e a ilustrar seus posts com imagens de livros de Sartre e pinturas de Delacroix sobre a revolução francesa de 1848…

O resultado esperado é sumamente divertido. Os leitores do Tio Rei acusam Reinaldo de receber “dindin” dos petralhas…

Risadas diabólicas.

Como se o PT, há tempos brutalmente sitiado pela ditadura judicial, tivesse algum dinheiro…

Seu post falando mal do Dallagnol e da Lava Jato produziu, obviamente, profundo desconforto entre o público coxinha que o acompanha.

Eu selecionei alguns comentários:

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Entretanto, não são apenas críticas. Os comentários que aprovam o texto sobre Dallagnol denunciam riscos de uma “ditadura de justiceiros”.

Em seus posts sobre a Lava Jato, Reinaldo critica os mais recentes arbítrios jurídicos, como o fato de Dallagnol dar uma entrevista, ao jornalista Ricardo Boechat, em que fornece uma data para a condenação de Lula, antecipando o juízo de Sergio Moro. É mais ou menos o que fez a própria esposa de Sergio Moro, naquela vergonhosa audiência do TRF, na qual ela afirmou que Moro irá condenar Lula e que sentenciará o sítio de Atibaia como propriedade do presidente (ou seria o “triplex?).

O problema é que Reinaldo está fazendo isso com mais de dez anos de atraso. Os arbítrios jurídicos e, em especial, essa parceria delinquente entre mídia e justiça, tiveram início em 2005, com o escândalo do mensalão, que foi um assunto que rendeu enorme popularidade ao blogueiro da Veja, no tempo em que ele era favorável aos arbítrios da justiça.

Não tem problema, Reinaldo. Para mim não importa o motivo, se é por interesse comercial, cálculo político ou ordens que recebeu de algum cacique tucano, o fato é que, se você quiser denunciar o arbítrio judicial, seja bem vindo.

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Tenho visto que alguns setores da esquerda tem feito uma leitura perigosa, a meu ver, de seus próprios erros, aderindo a um sectarismo tardio. Ah, o erro foi se aliar ao PMDB, dizem. A leitura é, em primeiro lugar, arrogante e moralista, como se o PT fosse santo e o PMDB, o diabo. O erro não foi esse. É evidente que a esquerda precisou se aliar ao centro, e mesmo com a centro direita, para poder ganhar eleições, constituir maioria no parlamento, e governar.

Os erros maiores foram: 1) renunciado à sua capacidade de produzir inteligência (em 13 anos, não criou um think tank); 2) não ter construído uma estratégia de comunicação política.

Se a direita, que tem apoio da mídia, dá enorme prioridade à comunicação, a esquerda deveria ter eleito, desde o início, a comunicação como sua prioridade número 1.

O apagão de inteligência do PT não se explica pelo assédio judicial, porque este deveria ter produzido, ao contrário, uma grande tensão criativa, que produzisse estratégias de resistência e combate que serviriam para bloquear o golpe de 2016.

A adesão de Reinaldo Azevedo à luta contra o arbítrio judicial revela, além disso, um fenômeno que eu tinha observado desde as manifestações contra o golpe do ano passado. Os setores verdadeiramente liberais (liberais não no sentido de “direita política”, mas no sentido de oposição ao conservadorismo) estão ficando com medo da ascensão do fascismo, em todas as suas formas, na sociedade, na política, no judiciário.

Com essa última patacoada da Polícia Federal, tratando com sensacionalismo uma investigação sobre o setor de carne que deveria ser conduzida com responsabilidade e discrição, em virtude da importância estratégica da carne para a economia brasileira (sobretudo num momento tão delicado de recessão, como agora), depois da Lava Jato ter destruído as nossas mais sofisticadas indústrias de engenharia, depois de um sub-Moro do Rio ter condenado o Almirante Othon Ribeiro, heroi nacional, a 43 anos de prisão, eu quero acreditar que há setores de fora da esquerda acordando para o caminho suicida que o Brasil tomou após apoiar esse golpe de tucanos derrotados, ladrões e traíras.

Reinaldo Azevedo deve suspeitar que esse movimento, essa lenta e firme tomada de consciência, esteja por trás da forte ascensão de Lula nas pesquisas de intenção de voto para 2018. E, por isso, procura, na contramão dos coxinhas vulgares, tirar uma casquinha também de uma crítica à politização da justiça que, a bem da verdade, nasceu e tomou forma dentro de um setor minoritário da própria esquerda.

É bom observar que até hoje a esquerda, cujas organizações permanecem acéfalas, se deixa fisgar, com imensa facilidade, pelas iscas jogadas pela direita midiática.

O partido da direita não é o PSDB, e sim o PIG, sob direção da Globo.

Não tem sentido criticar os arbítrios contra José Dirceu, Lula, José Genoíno, e não fazer o mesmo quando as vítimas são políticos tucanos ou empresários. O justiçamento político, os processos inquisitoriais, a vindita jurídica, são problemas que estão afetando todos os brasileiros, paralisando a nossa economia e transformando a nossa vida política num insuportável, autoritário e manipulado boletim policial.

O judiciário, para entrar no jogo, pode denunciar e prender alguns tucanos, embora já esteja claro que sempre deixará isso como sua última opção, mas esse movimento não beneficia o campo progressista, porque o maior adversário da esquerda e, sobretudo, da democracia, é justamente esse consórcio incrivelmente desonesto e golpista, formado por mídia e judiciário. Dar força a esse grupo, apenas para jogar na fogueira da inquisição lavajatense figuras já queimadas do tucanato, não ajudará o campo progressista, além de ser uma tremenda incoerência.

Agora só falta Reinaldo Azevedo admitir que o golpe travestido de impeachment abusou dos mesmos arbítrios jurídicos aos quais ele hoje simula fazer oposição.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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