Estadão lembra aos tucanos que “PSDB é Temer”

No meio de tanta desgraceira, o Estadão desta segunda-feira é um bálsamo de humor. Humor involuntário, mas humor.

O Estadão se leva a sério, mas é uma piada.

Eu quero comentar dois editoriais do Estadão publicados hoje. Os dois são divertidos. O primeiro é um pito nos tucanos, por sua falta de lealdade em relação a um governo ao qual, lembra o pasquim, o PSDB está ligado “umbilicalmente”.

O jornal lembra que…

Todos os motivos que levaram o PSDB a apoiar em 2016 o governo de Michel Temer permanecem intactos, em especial a necessidade imperiosa de aprovar as reformas previdenciária e trabalhista. O que tem mudado é a disposição de parte do tucanato

Em relação à denúncia contra Temer, o Estadão ataca ainda a incoerência do PSDB. O partido quer leniência das autoridades em relação a seus envolvidos (Aécio, Serra, Aloysio, etc) e severidade contra seu aliado Michel Temer?

É um editorial muito engraçado, por evidenciar o profundo estado de desorientação que acomete o PSDB neste momento. A legenda não sabe o que fazer. Um dia afirma que vai abandonar o governo, no dia seguinte promete ficar. O fato é que os tucanos ocupam vários ministérios do governo Temer, conseguiram indicar um ministro do STF (Alexandre de Moraes) e tem os mesmos objetivos do governo Temer: entregar o Brasil às multinacionais, fazer as reformas antissociais, derrotar a esquerda.

O outro editorial que eu gostaria de comentar é um ataque ao PT. O título é positivamente divertido, de tão previsível: “A lógica torpe do petismo”. No texto, o Estadão fustiga o PT por ter feito a justíssima autocrítica em relação ao “republicanismo” dos governos Lula e Dilma, que escolheram procuradores-gerais e ministros do Supremo a partir de critérios estranhos ao interesse popular.

Trecho do editorial:

No texto, o PT ataca o que classificou – entre aspas, vale ressaltar – como “republicanismo” de Lula da Silva e Dilma Rousseff no processo de escolha dos nomes para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para a Polícia Federal (PF) durante seus mandatos na Presidência. No caso da Procuradoria-Geral, os ex-presidentes escolheram os primeiros colocados na lista tríplice enviada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Já a indicação de ministros para o STF teria recaído sobre juristas que não estavam comprometidos, a priori, com a agenda do partido. E a não interferência dos chefes do Poder Executivo nas indicações para a diretoria da PF constituiu o tal “republicanismo”.

De acordo com o documento, a postura “republicana” de Lula e Dilma durante as referidas nomeações foi diretamente responsável pelas agruras vividas pelo partido a partir da eclosão do escândalo do mensalão, em 2005. “Sem aquele tipo de ‘republicanismo’, a Operação Lava Jato e antes dela a Ação Penal 470 (mensalão) não teriam conseguido instalar a ‘justiça de exceção’ organizada com o objetivo de destruir o PT e Lula”, diz o projeto de resolução aprovado pela direção petista.

É claro que essa tomada de consciência foi um tanto tardia, mas antes tarde do que nunca. O ódio do Estadão contra esse avanço é a prova de sua importância. Diz o jornalão, depois de protestar contra o “cinismo”, “soberba” e “desfaçatez” do partido:

Tudo soa tão descabido e surreal que o texto está mais próximo de um roteiro de comédia pastelão do que de um documento oficial de um partido que governou o País por 13 anos.

O ódio do jornal é compreensível. A resolução do PT revela um partido começando a se libertar dos grilhões mentais impostos pela mídia.

O Estadão está correto ao dizer que o PT opera numa “realidade alternativa”. O que o jornalão esquece de observar, no entanto, é que a sua “realidade” é uma ficção infinitamente mais delirante, mas que é imposta pela grande mídia como a única narrativa possível.

O Brasil vive, num grau exasperante, uma das mais dramáticas guerras narrativas de sua história.

De um lado, o mundo fantasioso da grande mídia e do governo Temer. É um mundo onde, segundo Temer, “a crise econômica não existe”. Um mundo no qual a recuperação econômica, bizarramente, faz aumentar o desemprego; que nos leva de volta ao mapa da fome da ONU; onde os juros básicos caem mas os juros reais oferecidos pelos bancos explodem; onde os estados, como o Rio, vivem à beira do colapso dos serviços públicos.

De outro, temos não apenas uma narrativa, mas diversas. Um mundo de visões plurais, democráticas, onde é possível superar a crise aumentando investimento em educação, saúde e infra-estrutura. Onde é possível impor tributos aos especuladores e ultrarricos. Onde é possível quebrar o monopólio da mídia, em nome da defesa de uma informação plural e democrática para a sociedade brasileira.

O editorial do Estadão, no entanto, é algo incoerente consigo mesmo, quando afirma que o PT ataca a crise política como se fosse um “mero observador, e não o seu responsável direto”.

Ao criticar o “republicanismo” de seus próprios governos, o PT, pela primeira vez, admite que tem culpa por toda a crise pela qual passamos, porque foi esse republicanismo que, em última instância, nos levou ao golpe.

É uma responsabilidade apenas indireta, que, de resto, todos nós temos. Mas é uma responsabilidade.

Entretanto, o Estadão, assim como toda a grande mídia, terá dificuldade para provar ao povo brasileiro que o PT é responsável único e direto por uma crise econômica provocada por decisões do governo Temer, como de suspender investimentos, cortar financiamentos dos bancos públicos, eliminar programas de educação, dar um cavalo de pau na política externa, concentrar energias em reformas antissociais que provocam forte rejeição popular e, portanto, trazem ainda mais instabilidade política.

O governo Temer é exatamente o contrário de um governo de “união”. Ele recusa o diálogo. Ele hostiliza o diálogo. Quer apenas impor reformas que interessam à plutocracia. Nem governo nem a grande mídia se interessam em ouvir, quanto mais publicar, soluções diferentes para sairmos da crise. É um bloco de poder completamente embriagado pelo fanatismo neoliberal, que parece não se comover com as consequências trágicas que suas decisões estão provocando na economia, na segurança pública, no bem estar do povo brasileiro.

Para ser justo, no entanto, é sempre importante lembrar que as decisões de Temer, embora adotadas com volúpia por seus integrantes, jamais seriam politicamente possíveis sem a chancela do judiciário e da grande mídia, as duas forças que, na prática, vem comandando o país desde que a operação Lava Jato começou, ao final do primeiro trimestre de 2014, a avançar sobre todas as instituições brasileiras.

A Lava Jato mudou o Brasil, de fato: feriu de morte os setores industriais mais estratégicos da nossa economia, como o de óleo e gás, matou as refinarias, matou a construção pesada, matou a engenharia. Até mesmo a carne, o setor mais avançado do agronegócio, com maior valor agregado, foi atingida pela “república de Curitiba”. Os níveis de corrupção, num país acossado pelo desemprego e pela falta de perspectiva, tendem a crescer, naturalmente. Com um agravante: a corrupção deixa de ser um problema de funcionários do Estado extorquindo empresas ou empresários corrompendo servidores em troca de favores, e passa a ser uma saída econômica desesperada para servidores sem salário, ou com salários atrasados e/ou defasados. O avanço da pobreza, do desemprego, da fome, da miséria, aumenta o grau de desespero de toda a sociedade, reduzindo a força moral das leis.

Diante da fome, a lei perde a força.

Como cobrar integridade ao servidor sem salário, com filho doente, numa cidade cuja saúde pública entrou em colapso?

A Lava Jato e o governo Temer, dois lados da mesma moeda, deixaram o Brasil muito mais vulnerável à corrupção.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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