Cúcuta, o corredor estadunidense contra Venezuela.

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(Imagem: Hispan TV)

Com êxito, superamos em nossa América do Sul mais de cinquenta anos de paz entre nossas nações. Em qualquer região do mundo poderia significar condições de desenvolvimento nas cidades de divisa, seria natural buscar este modelo em Ciudad del Leste (Paraguai), Porto Suarez (Bolívia), Arica (Chile) ou Tacna (Peru). São cidades que cresceram a partir de entrepostos comerciais, fruto de oportunidades que uma desordenada integração permite em alguns momentos para um lado ou para outro.

Sem embargo, a divisa entre Colômbia e Venezuela supera períodos de aclive e declive. Ela está mais para corredor que sustenta uma guerra não convencional que beneficia grupos econômicos e que confronta a força política do governo de socialista da Venezuela.

San Jose de Cúcuta é uma cidade de duzentos e oitenta e quatro anos, emprestou seu solo ao libertador Simon Bolívar e Francisco de Paula Santander na elaboração da primeira carta de constituição em 1821. Uma relação de nações que nasceram juntas, foram separadas, mas que nutre uma contemporaneidade de dependência, embora objetivos distintos. Neste contexto este município, com 650.000 habitantes e com mais de 2.000 casas de câmbio, desempenha uma posição estratégica. A sua principal indústria que é de calçados não responderia a tanta demanda por câmbio, nem mesmo sua localização de divisa.

Não resta dúvida que o principal negócio do norte colombiano não são suas riquezas, e sim os da Venezuela. Mas é necessário se abordar as variáveis que compõe esta atividade, que não se restringe ao campo econômico, mas alcança o político. Mesmo que a independência aproxime os países, os objetivos atualmente muito os afasta.

O que se apresenta por ser um modelo de região de divisa, Cúcuta tem evidentemente a atividade do mercado de câmbio como primordial. Entretanto, o volume e as funções que desempenham estes serviços é o que importa. Dentro de uma realidade de uma gasolina extremamente barata com o preço de 1 bolívar ou US$ 0,00011 o litro, se baseando no dólar paralelo,a primeira fonte seria importar combustível e exportar mercadorias. Esta relação de troca sempre beneficiou o lado colombiano como uma fonte de recursos. Se nas décadas de oitenta e noventa, foi garantida pelo cartel da droga, agora se acrescenta o cartel do câmbio.

Neste último aspecto, a análise é que a cidade não apenas usa, mas formata os valores do dólar, não para Colômbia, mas para Venezuela. Merece destaque que a cada troca de patamar do dólar, o patrimônio venezuelano fica mais reduzido e, por conseguinte, o capital acumulado na divisa com maior poder de compra. Esta estratégia esta inserida na guerra econômica lançada pelos fundos financeiros em reduzir o crédito a Venezuela, gerando desvalorização de sua moeda para forçar a mudança de seu governo, mas principalmente o paradigma petroleiro.

O governo chavista escolheu o câmbio oficial para subsidiar produtos de primeira necessidade a camadas de mais baixa renda da população. Este montante a custo menor, permite acesso aos que possuem um soldo inferior. Entretanto, é o acesso a este câmbio reduzido, chamado de “dipro”, que as grandes companhias importadoras demandam para especular com o sumiço de mercadorias, e assim poder vender produtos atrelado não ao oficial, mas ao paralelo. Em 17 de julho de 2017 o governo vendia o dólar a dez bolívares para gênero básicos, dois mil setecentos bolívares a produtos supérfluos enquanto que o paralelo de Cúcuta alcançava oito mil e oitocentos[1].

Em meio a este contexto, Cúcuta, a elite venezuelana e o mercado financeiro internacional na prática atuam sem gerar produção, no maior negócio em rentabilidade da região. Esta articulação permite que a cada elevação da moeda estadunidense, os detentores delas ou quem tenha recursos atrelados a esta indexação, possam pagar menos a classe trabalhadora que não possui acesso a esta modalidade. É um modo semelhante ao período do governo do período do Punto Fijo (1958-1998), quando os funcionários da petroleira PDVSA tinham correção pelo dólar e o resto a margem desta condição. A atual oposição que era governo naquele momento, usa esta pressão para desconstruir os anos de distribuição de renda do período chavista.

O governo Maduro tem uma margem de atuação restrita neste momento, possui reservas cambiais reduzidas[2], o crédito internacional foi estrategicamente restringido, as taxas cobradas são de vinte e cinco por cento ao ano, onde para outras nações são de seis. Enfrenta desde o final de 2015 uma inflexão do preço do petróleo pela crise mundial e excesso de produção, em muito devido ao gás de xisto estadunidenses ou areias betuminosas canadenses.

Tomando como referencial o campo político, podemos abordar que a Colômbia possui uma larga experiência em utilizar recurso estadunidense para suprir interesses de seu governo. Desde a supressão ao comércio da droga, até a instalação de bases militares, foi a relação entre estes países que garantiram recursos que cobriram o “déficit” fiscal do governo colombiano. Em troca, deveria representar interesses do norte na geopolítica da região.

No palco desta seara, a atração do empresariado venezuelano para cruzar a fronteira debilitando a produção venezuelana foi incentivada pelos acordos comerciais com os Estados Unidos; o intento de fragilizar o governo vai de encontro a uma ação conjunta entre o empresariado e o governo, tanto estadunidense como colombiano em alvejar o chavismo. As ações terroristas das ¨guarimbas¨ nas ruas de Chacao na grande Caracas, são financiadas indubitavelmente por esta “parceria pública-privada” além da divisa. Cúcuta suga a gasolina barata, desvaloriza o bolívar, e remete recursos à oposição venezuelana, que se originam na ajuda de Washington e do empresariado. A divisa é refúgio, mas principalmente a fonte monetária através de seus doleiros. Pode-se encontrar nesta situação o caráter violento das “guarimbas”, pois longe de estar no campo das reivindicações dos direitos individuais, ela tem uma intensão de desequilibrar o governo, gerando mortes e feridos, práticas utilizadas na Ucrânia (2013-2017) e Síria (2011-2017) para mudar administrações contrárias ao consenso de Washington.

Deste modo, é conclusivo que as forças que organizaram uma guerra não convencional contra a Venezuela, construíram uma estratégia que se realimenta gerando ganhos econômicos e financeiro ao empresariado, com especulação financeira e de preços. Paralelamente, fomenta a oposição venezuelana com a possibilidade de voltar ao poder, que administrou o país gerando pobreza em mais da metade da população. Os Estados Unidos, assim como na Guatemala em 1945, mais uma vez tentam intervir em um país da América Latina, mesmo que resulte no incentivo a violência que ocorre no país de Simon Bolívar. Desde 1 de abril são 91 mortos e milhares de feridos. Todavia, o que representa vidas para o capital, ou para a nação hegemônica, quando o objetivo é apropriar-se da maior reserva de petróleo do planeta?

 

FONTES:

  • Curcio Curcio, Pasqualina. La mano visible del mercado. Caracas: Editora Nosotros, 2017.
  • Díaz, Luis Carlos (org). Golpe al vacio. Caracas: Coleción Veritas (Cooperativa Editorial), 2012.
  • Hylton Forrest. A revolução colombiana. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
  • Prado, Maria Lígia e Pellegrino, Gabriela. História da América Latina, São Paulo: Editora Contexto, 2014.
  • Silva, Flávio Túlio R. A política de estado sobre recursos do petróleo, o caso venezuelano. São Paulo: Editora Pillares, 2016.

 

FONTES:

http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/04/20/venezuela-maduro-presenta-videos-de-las-guarimbas-violentas/

www.bev.org.ve

www.dolartoday.com

 

Flávio Túlio Ribeiro é graduado em Ciências Econômicas pela UFBA, Pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ, Mestre em História Social pela Universidade Severino Sombra-RJ e Doutorando em Ciencias para El Desarrollo Estratégico pela UBV – Caracas -Venezuela.

[1] www.dolartoday.com e www.bev.org.ve (tipo de câmbio).

[2] www.bev.org.ve (reservas)

Tulio Ribeiro: Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ,Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas -Venezuela
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