Câmara iguala BNDES à rede de bancos do mercado

Por Denise Assis, colunista do Cafezinho

Fosse o Brasil um sistema de produção, e o BNDES seria a sua “casa de máquinas”. Lá, são processados todos os projetos de ponta da nossa economia. Os financiamentos do Banco funcionam como uma espécie de motor propulsor, propiciando crédito aos seus vários setores, com taxas de juros abaixo do mercado. E, desta forma, e somente desta forma, faz sentido um banco de desenvolvimento. A sua criação em 1952, não teve como objetivo equipará-lo às melhores casas do ramo. Para isto, há uma rede com capilaridade para cobrir o país de ponta a ponta, mas com regras próprias, e selvagens.

Pois nesta quarta-feira, 30 de agosto, a Câmara aprovou a medida provisória que faz desaparecer todo o caráter de mola propulsora da economia, cumprido pelo BNDES. A nova medida, que ainda precisa ser aprovada no Congresso, até o dia 7 de setembro, extingue com a Taxa de Longo Prazo (TJLP), no momento na casa de 7%, e institui a TLP, uma nova alíquota, elevando os juros ao mesmo patamar do mercado: 9,5%.

Embora aprovado no dia 24, (quinta-feira) o texto ficou dependendo da análise de emendas, que poderiam alterar o conteúdo da medida provisória. Como as sugestões de mudanças foram rejeitadas pelos deputados, em sua totalidade, o texto agora segue para a análise no Senado e, se aprovado pelo Congresso Nacional, a medida é sancionada por Michel, virando lei, passando a valer para os contratos firmados a partir de janeiro 2018.

O significado disto, é que tanto fará, daqui por diante, para o empresário, bater na porta de um banqueiro a pedir financiamento, ou se dirigir ao BNDES. Os juros menores, que viabilizam a ousadia das empresas e abrem caminho para o seu crescimento, vão desaparecer. Ou seja, se a economia no momento patina, agora ela vai direto para o atoleiro, causando o retrocesso nos investimentos e, por conseqüência, mais enxugamento dos quadros nas empresas e o aumento do índice de desemprego, já na casa dos 14%.

Ao comparar a TJLP e a TLP, e justificar a extinção da primeira, os liberais usam o argumento de que a TJLP é estabelecida a cada três meses pelo governo com base na meta de inflação para o ano. E atribuem a isto, uma “decisão política”. Difícil, no entanto, é entender como uma meta matemática, com base nos números da inflação, pode ganhar caráter político. A referência da TLP será a NTN-B, um dos títulos da dívida pública emitido pelo Tesouro, com aprovação no Congresso. Onde é mesmo que se faz política?

Toda a raiz do problema da TJLP, para esse governo, é que ela é mais baixa dos que as praticadas pelos demais bancos (e, sim, mais baixa do que as que o governo paga ao pegar empréstimos e vender títulos da dívida) ou não teria razão de ser. Igualar o valor das duas, não a faz ficar longe de interferências políticas, como querem fazer crer. A decisão apenas iguala os seus valores de mercado, incompatíveis com investimentos de longo prazo.

Outra falácia repetida como um mantra para os que defendem a TLP, é que os empréstimos do BNDES só servem às grandes empresas. No entanto, quem se der o trabalho de consultar as planilhas, vai ver que entre 2007 e 2016 foram 7.161.662 operações, sendo que 6.817.886 para MPMEs (95%). Isto é, números não têm partido, ao contrário do que querem fazer crer. E só deixam ver aquilo que valem e mostram. Política se faz no Congresso, onde pretendem definir o valor da próxima taxa. Quando se demonstra que 95% das operações do banco foram para as MPMEs, não há como desmentir esse dado.

Para deixar ainda mais claro o caráter dos empréstimos do banco, basta observar que em 2016, as operações para a Região Sudeste, foram de cerca de 45%. Este ano até julho, cerca de 37%.

Em valor de desembolso, este ano, 40% foram para MPMEs. Excluído do total das grandes, Estados e Municípios e Exportação pós-embarque (onde praticamente não há atuação de MPMEs), a proporção se inverte: 60% do valor foram para MPMEs e 40% para grandes empresas de fato. 

Por que foi criado o BNDES?

Só para que se possa entender o contexto em que foi criado o banco, agora condenado a se equiparar aos demais do mercado, perdendo a base da sua missão, não custa voltar um pouco na história.

Até a era Vargas a estrutura econômica do país ainda estava por fazer. A cada impasse, inaugurava-se um órgão ou uma comissão para dirimir dúvidas ou balizar direitos. Desta forma, ia-se desenhando a máquina do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo em que se aprofundavam os estudos em torno dos recursos naturais e o método de explorá-los, o que resultaria no desenvolvimento industrial e econômico do país, recém saído da fase agrícola.

A criação da CSN, por exemplo, levou à organização do setor do carvão, para alimentar aquela que foi a nossa primeira grande usina siderúrgica. Um processo que exigiu também a criação da Companhia Vale do Rio Doce, como parte de um esforço de se organizar um parque industrial no Brasil.

Faltava estruturar os fundamentos básicos da nossa economia, e dar condições ao Estado que se formava, de se expandir. Para isto, em 20 de junho de 1952, sob a Lei nº 1.628, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento, pensado para impulsionar os grandes negócios, de um país.

Desde 1952, o BNDES vem financiando os grandes empreendimentos industriais e de infraestrutura. A partir de 1982, quando ganhou o “S” de Social, o Banco destacou-se no apoio aos investimentos da agricultura, do comércio e do serviço, e das micro, pequenas e médias empresas, além dos investimentos sociais, direcionados para a educação e saúde, agricultura familiar, saneamento básico e ambiental, e para o transporte coletivo de massa. 

A instalação da crise de 2008

O caráter democrático das ações do Banco ficou ainda mais evidente quando a crise financeira internacional, iniciada em agosto de 2007, agravou-se sensivelmente a partir de meados de setembro de 2008, ocasionando até mesmo a quebra do quinto maior banco de investimento norteamericano, o Lehman Brothers.

O resultado foi uma forte retração dos mercados globais de crédito, que levou as autoridades governamentais de diversos países a realizar intervenções nos mercados financeiros, na tentativa de restaurar a confiança perdida. A crise afetou o desempenho da economia brasileira no último trimestre do ano, com rápida deterioração dos indicadores de produção e de investimentos.

A debacle mundial teve seus reflexos por aqui, justo em 2008, quando o desempenho do BNDES respondeu por 14,2% da formação bruta de capital fixo da Economia, percentual bem superior aos registrados nos anos anteriores. Os números de desempenho do BNDES, em 2008, revelam a manutenção de um quadro de normalidade nas suas operações ao longo do ano, em que pese o efeito da crise mundial.

O gráfico abaixo compara o total de consultas, enquadramentos, aprovações e desembolso do Banco no quarto trimestre daquele ano – período de agravamento do quadro da crise econômica – com os do quarto trimestre de 2007 – período de aceleração do investimento. À exceção dos enquadramentos, que apresentaram uma ligeira redução de 2%, os demais itens cresceram de maneira consistente: desembolso, 3,4%; aprovações, 14% e Consultas, 10%.

Gráfico
BNDES e a Crise Financeira Internacional (Em R$ bilhões) (Em %)

Fonte: BNDES

No Livro verde do BNDES, em que o banco toma a iniciativa de fazer uma prestação de contas à sociedade brasileira acerca de sua atuação ao longo do atual século, no período 2001-2016, há na página 41, um trecho com a seguinte informação: “É oportuno destacar que o PSI teve como característica ampliar os empréstimos para MPMEs, pelo menos quando comparamos as estatísticas do PSI com as estatísticas do BNDES em geral. De fato, a Tabela 1.9 mostra como o PSI teve mais da metade dos desembolsos concentrado em MPMEs”. 

De 2009 a 2016, o PSI desembolsou R$ 375 bilhões, sendo R$ 193,2 bilhões para Micro, Pequenas e Médias Empresas e R$ 181,8 bilhões para grandes empresas. 

O que os burocratas não levam em conta, é que o Brasil pratica uma das maiores taxas de juros do mundo, se não for a maior, e que o esforço deveria ser convergir todo o mercado para 7%, e não a do banco, que tem como missão fomentar a economia, para 9,5%. Não por acaso, a OMC condenou o país por praticar financiamentos subsidiados. Pagaremos pelo discurso do próprio governo.

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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