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Nível estarrecedor de desigualdade de renda é a principal ghost news do país

[Essa é parte 1 de uma série de 2 artigos sobre a desigualdade no Brasil. A segunda parte está aqui.]  Fake News é coisa do passado. Quer dizer, notícias falsas ainda são um problema, mas a campanha para combatê-las chegou atrasada. Tinha que ter sido feita antes do golpe de 2016, e monitorada pela sociedade […]

2 comentários
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[Essa é parte 1 de uma série de 2 artigos sobre a desigualdade no Brasil. A segunda parte está aqui.] 

Fake News é coisa do passado.

Quer dizer, notícias falsas ainda são um problema, mas a campanha para combatê-las chegou atrasada. Tinha que ter sido feita antes do golpe de 2016, e monitorada pela sociedade civil, não por corporações midiáticas e órgãos de repressão.

Na verdade, o  que eles querem fazer é implementar uma espécie de “controle de qualidade” das Fake News. Para divulgar uma notícia falsa, será preciso, doravante, seguir alguns critérios, que a nossa imprensa, experiente no tema, adotou há algum tempo. Os sites apócrifos que serão combatidos pecam por serem demasiado grosseiros. Para emplacar uma boa Fake News, é preciso sofisticação, boas fontes e, sobretudo, contar com aliados no Estado, em especial no sistema de justiça, como vimos no julgamento do mensalão e na operação Lava Jato.

O combate às Fake News, como pretende ser feito no país, sob liderança de Gilmar Mendes, e operado pela Polícia Federal, servirá para garantir o monopólio das Fake News em mãos da grande imprensa.

O Cafezinho foi fundado com objetivo primordial de combater as Fake News, por isso dizemos que, para nós, isso é coisa do passado. É importante, mas não é novidade.

A novidade é o combate às Ghost News, aquelas notícias fantasmagóricas, que a mídia até divulga às vezes, mas apenas para jogá-las de volta no fundo do lago.

Nossa agência de “Ghost Checking” estreou semana passada, quando apuramos que uma das ghost news mais aterrorizantes para a classe dominante brasileira são informações sobre as conquistas sociais, tanto materiais quanto ideológicas, obtidas nos países desenvolvidos.

A maioria da população brasileira não pode saber jamais que as nações ricas tornaram-se ricas porque implementaram programas socialistas de governo, como educação e saúde públicas e gratuitas de altíssima qualidade para todos os cidadãos, impostos progressivos, sistemas públicos de comunicação, além de uma distribuição de salários e aposentadorias infinitamente mais igualitária do que se vê no Brasil.

Hoje veremos a outra face da mesma moeda. Assim como a nossa imprensa corporativa esconde de seus cidadãos o que acontece de bom lá fora, ela também se esforça para ocultar os aspectos mais sombrios da realidade brasileira.

A função principal da imprensa brasileira não é informar, ou buscar a verdade, mas ludibriar a opinião pública, de maneira a manter a população num nível de ignorância tão elevado, que sirva como obstáculo intransponível para que a sociedade se organize em busca de mudança.

Lendo o Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, deparamo-nos com uma realidade estarrecedora: a retomada, a nível global, com muita força, de movimentos de concentração de renda.

Entretanto, o mundo ainda vai demorar muitas décadas para atingir o nível de desigualdade observado no Brasil.

Os números mostram um país sequestrado por uma elite terrivelmente egoísta, que prefere assistir seus concidadãos minguarem de fome a apoiarem políticas públicas que promovam a redistribuição de renda.

O que é mais grave, no entanto, é ver que o ódio social que está por trás do golpe de 2016, e que foi cuidadosamente cultivado pela grande mídia, foi motivado pela implementação de políticas públicas que combatiam, ainda que de maneira tímida, o problema da desigualdade.

Os números da desigualdade no Brasil são estarrecedores. Nem as épocas mais escandalosamente injustas da Europa, como na “Belle Epoque”, início do século XX, apresentou números tão cruéis.

Os últimos anos do século XIX e os primeiros anos do século XX vivem as consequências sociais da segunda revolução industrial, que empurrou, para as principais cidades europeias, milhões de camponeses miseráveis.

A falta de leis, somada a um desemprego brutal, permitiam que os donos de indústria explorassem os trabalhadores num regime próximo da escravidão (e, em alguns sentidos, até pior, porque sem responsabilidade por sua alimentação).

A instabilidade política provocada por uma desigualdade tão dramática vinha provocando, desde o final do século XVIII, uma série de revoluções nos países mais ricos, da América do Norte à Europa.

A Europa, em especial, precisaria experimentar duas grandes guerras, nas quais milhões de vidas foram sacrificadas, para desenvolver uma cultura política minimamente voltada para a redução das desigualdades sociais.

Piketty alerta, em seu livro, que a luta pela desigualdade, após importantes avanços nas três décadas que se seguiram ao fim da II Guerra, voltou a apresentar retrocessos.

Nos EUA, a concentração de renda nos últimos anos atingiu recordes históricos. Na Europa, apesar do aumento da concentração da renda, o nível de distribuição ainda se mantém bem mais justo do que nos anos que antecederam as grande guerras.

O Brasil, no entanto, figura nas estatísticas como o espantalho maior. Aqui temos uma situação de autêntico fim de mundo. Vivemos uma distopia real, com níveis de concentração de renda que ultrapassam qualquer bom senso, e que paralisam, objetivamente, tanto a política como a economia.

O problema do Brasil, está bem claro, não é a corrupção.

O problema do Brasil é a desigualdade de renda.

E a desigualdade de renda é mantida, a ferro e fogo, por vontade política da mesma elite que dela se beneficia.

Daí voltamos a denúncia de Ghost News!

Não adianta a imprensa noticiar, uma vez na vida, outra na morte, estatísticas sobre a desigualdade de renda. Para que uma informação dessa importância viva, para que ela faça sentido, seria necessário que a imprensa tivesse interesse real em fazê-la penetrar no coração e na mente das pessoas.

Se a imprensa brasileira dedicasse ao tema da desigualdade de renda uns 20% do tempo e energia que dedica às farsas judiciais, por exemplo, poderíamos estar numa etapa muito mais avançada em termos de debate político.

Nas eleições presidenciais, o tema da desigualdade tornam-se, mais que nunca, uma terrível ghost news. Todos sabem que é o tema mais importante do país, mas ninguém o vê em parte alguma.

Confira o gráfico abaixo. O Brasil tem situação pior que o Oriente Médio, considerada a região com os piores índices de desigualdade no mundo, segundo estudo recente do “World Wealth and Income Database (WID.world)”.

A situação do Brasil em termos de desigualdade de renda é, de longe, a pior do mundo. É evidente que este cenário é uma catástrofe para a atividade econômica no país, porque temos uma quantidade imensa da população que simplesmente não tem qualquer poder aquisitivo e, portanto, não pode participar da economia. Do ponto-de-vista da cultura, da política, ou de uma simples questão humanitária, essa é uma realidade absolutamente terrível, que, em muitos outros países, já teria deflagrado movimentos de ordem revolucionária.

Talvez seja por isso que as nossas elites tenham tanta aversão a qualquer insignificante avanço das massas desfavorecidas, tanto em termos de poder aquisitivo quanto em oportunidades de cultura e educação. Elas tem medo de que isso possa gerar maior consciência política.

Segundo o Wid.world, a agência dirigida por Thomas Piketty (entre outros), os 10% mais ricos do Brasil amealham mais de 55% da renda nacional, o que posiciona o Brasil num seletíssimo grupo de nações com altíssima desigualdade. É uma desigualdade muito superior àquela verificada nos EUA (onde esses top 10% detêm 47% da renda nacional), que é uma nação alicerçada, por várias razões históricas, sobre níveis alarmantes de concentração de renda.

Há outra diferença entre Brasil e EUA. O processo de concentração de renda nos EUA é relativamente recente. Ou melhor, os EUA já viveram situações muito melhores em termos de desigualdade. Na década de 70, por exemplo, os 10% mais ricos dos EUA detinham 33,8%, nível que se manteve mais ou menos estável até meados dos anos 80.

Tanto Europa e EUA viveram as chamadas “três décadas gloriosas”, os anos 50, 60 e 70, quando o nível de desigualdade nessas regiões caiu muito, os salários se valorizam de maneira espetacular e a sociedade assiste a inúmeras vitórias no campo dos direitos civis, políticos e sociais. No mesmo período, a população brasileira vivia sob a tacão da ditadura, com apoio da mesma imprensa que hoje sustenta o golpe de 2016.

Entretanto, quando examinamos mais de perto, quando olhamos para a concentração de renda entre os 1% mais ricos do Brasil, ou ainda dos 0,1%, ou dos 0,01%, ou ainda dos 0,001%, constata-se que, mesmo as nações ou regiões com índices terríveis de desigualdade, como é o caso do Oriente Médio e da África do Sul, não chegam aos pés do caso brasileiro.

Os 1% mais ricos do Brasil detêm quase 30% da renda nacional. Nos EUA, o top 1% amealha 20%, antes dos impostos; depois dos impostos, os 1% americanos mais ricos detêm apenas 15% da renda nacional.

Os 0,1% mais ricos do Brasil controlam 14,4% da renda nacional. Nos EUA, os mesmos 0,1%, depois dos impostos detêm 7% da renda do país.

Os 0,01% mais ricos do Brasil controlam 7,5% da renda nacional. Nos EUA, os mesmos 0,01%, após serem tributados, ficam com 3% de toda a renda produzida no país.

Na pontinha da pirâmide social brasileira, os 0,001% mais ricos, percentual que corresponde a 1.430 pessoas, cuja renda anual é de 54 milhões de euros, há um controle de 4% da renda nacional. O mesmo segmento, nos EUA, após os impostos, fica com apenas 1,4%.

 

O problema da concentração de renda no país é agravado (e explicado) pelo fato de que somos um dos países que cobram as menores alíquotas máximas de imposto de renda, além de sermos um caso único no tocante à isenção tributária concedida a ganhos de capital.

Esse é outra importante ghost news nacional: esconder que o nosso sistema tributário é um dos mais atrasados e injustos do mundo.

Enquanto em países como Japão, a alíquota máxima cobrada no imposto de renda é de 56% (e aumentou nos últimos anos), no Brasil ela segue estagnada em 27%, uma das menores do mundo.

Repetindo: você pode até encontrar alguma dessas informações na grande mídia, mas não para repercuti-la e sim para escondê-la. A mídia esconde as notícias mais importantes, simplesmente não aprofundando o debate, não chamando pessoas de diferentes ideologias e pensamentos para discutir o seu significado, não fazendo vídeos ou infográficos, dentre tantas outras técnicas próprias dos produtores de ghost news.

 

 

 

 

 

Abaixo, alguns links usados na reportagem:

Link matéria sobre avanço da desigualdade, a nível global, em 2018: http://wir2018.wid.world/files/download/wir2018-full-report-english.pdf

Link matéria sobre Brasil: http://wid.world/dev/document/extreme-persistent-inequality-new-evidence-brazil-combining-national-accounts-surveys-fiscal-data-2001-2015-wid-world-working-paper-201712/

Link matéria sobre EUA: http://wid.world/document/t-piketty-e-saez-g-zucman-data-appendix-to-distributional-national-accounts-methods-and-estimates-for-the-united-states-2016/

Matéria El País Oxfam: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.html

Link estudo Oxfam, apresentação: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/nota_informativa_Oxfam_Datafolha_Nos_desigualdades.pdf

Link estudo Oxfam, desigualdade, estrutura tributária: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Fact_Sheet_2_Portugues_V_digital_2.pdf

Link: impostos no mundo https://home.kpmg.com/xx/en/home/services/tax/tax-tools-and-resources/tax-rates-online/individual-income-tax-rates-table.html

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Orlando Lelles

21/01/2018 - 06h27

Só não acabar o Brasil

Reginaldo Gomes

20/01/2018 - 22h33

Bom essa turma do 1% padece de duas chaga:
PRIMEIRA – São criminosos , porque usura e agiotagem sempre foi crime, até esses dias atrás essa lei estava em vigor no Brasil , e não é porque uma lei foi revogada que um crime que sempre foi entendido como crime no mundo inteiro, deixa de ser crime.
SEGUNDA – São doentes mentais graves, porque qualquer cidadão que acumule grande quantidade coisas que não precisa , sofre de uma síndrome, são acumuladores compulsivos. Por exemplo , se você tem um vizinho em seu prédio que tem 40 cachorro morando com ele no apartamento, deve-se chamar a emergência médica , porque esse vizinho está colocando em risco a saúde dele, a dos cachorro e a dos vizinhos. A turma criminosa do 1% acumula dinheiro, uma riqueza impossível de se desfrutar nessa vida.


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