Inadmissível e inaceitável

Denise Assis

O caráter de pompa e circunstância acima do usual dado ao retorno das atividades do Poder Judiciário, imprimiu forte tom político à cerimônia. Para coroá-lo, vieram os discursos da ministra Carmem Lúcia e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Tal qual uma dupla caipira, elas trataram de afinar suas falas em primeira e segunda voz, incorporando expressões golpistas que têm norteado o Judiciário. Ambas falaram em ataques à Justiça e “afastar a sensação de impunidade”.

“O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”, determinou a ministra, repassando o recado que ouviu do segmento a que representa: o dos poderosos.

Em consequência, “o jornalão” em editorial de hoje fala em candidaturas “populistas”, que devem ser barradas pela força da lei. Atacam o que acreditam ser “as pontas” do que terão que enfrentar na próxima eleição. Uma dessas pontas, a candidatura, à esquerda, vitoriosa e impulsionada a partir do desmascaramento, para a população, do discurso frouxo, de combate à corrupção.

Hoje a desmoralização desse discurso surgiu às claras, na Folha, onde foram mostradas as manobras do “juiz de linha” da moralidade, para fazer jus a um auxílio que qualquer pobre ou classe média sonha ter: o da moradia. Está no jornal os 200 metros quadrados de teto que ele tem, juntamente com a mulher, e que dispensariam tal auxílio, se sua busca pela moralidade fosse genuína. É legal? È. Luiz Fux quis assim. Mas é imoral, num país em que a disparidade entre os “com” e “sem teto” cai num fosso infinito, tamanha a sua profundidade.

A segunda candidatura a incomodar, é a da extrema direita, efeito colateral indesejável, criada pelo exagero do discurso golpista. Cutucaram o formigueiro, agora não dão conta de deter a marcha das formigas fascistas, que pode atrapalhar o candidato da direita liberal, ainda por despontar. Eis o problema.

Portanto, ministra, e procuradora, respectivamente. Inaceitável, é o Judiciário servir de braço armado do golpe, sempre pronto a fuzilar os tropeços, no caminho dos que tomaram a cadeira de uma presidente reconhecidamente honesta. Inadmissível, senhoras, é a ministra servir de moleque de recados dos poderosos. Inaceitável, senhoras, é imprimir à lei, o caráter de campanha política, instrumento dos que não admitem que o povo escolha o seu futuro governante. Inadmissível é ignorar a lei como tecnicamente ela deve ser. Inaceitável é chamar o fascismo para dentro de uma instituição que deveria preservar direitos e a liberdade.

 

 

 

 

 

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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