Prioridade do governo Temer, privatização da Eletrobrás tem processo acelerado

Por Raquel Alves

Listado como uma das prioridades da agenda econômica de Michel Temer para 2018, o projeto de desestatização da Eletrobras segue a todo vapor tanto na estatal quanto no Congresso. Já está marcado para 30 de Abril o leilão das distribuidoras de energia da empresa, e o projeto de lei da privatização já tem quase pronta a comissão de análise do texto.

A proeza vem demandando esforço do governo. Dentro da Eletrobras, fontes consultadas pelo JOTA sugerem que quem era visto como “dificultador” do processo está sendo colocado de escanteio. Foi o caso de Alexandre Aniz, ex-diretor jurídico da empresa que foi desligado na última semana por defender uma posição legal vista como prejudicial à venda das distribuidoras – o primeiro passo para a privatização.

Segundo interlocutores do JOTA, Aniz era uma dos principais vozes contrárias à assunção das dívidas das distribuidoras pela Eletrobras antes da venda, mas acabou sendo vencido na briga de braço com o governo. E em vez de substituí-lo – e potencialmente esbarrar em mais algum advogado legalista “dificultando” o processo – a empresa redistribuiu as atribuições de Aniz em quatro diretorias diferentes, já que ele lidava com questões jurídicas (agora sob responsabilidade da Presidência), de TI (que foram para a equipe de Distribuição), RH (agora em Geração) e serviços e suprimentos (em Transmissão).

Consultada pelo JOTA, a Eletrobras não prestou nenhum esclarecimento a respeito da saída do diretor e também não comentou os relatos de rolo compressor pró-privatização.

Quanto ao processo legislativo, só depende agora dos líderes partidários para “desencantar” o projeto rumo à sanção. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu o passo inicial ao assinar o despacho de tramitação do projeto de lei da privatização – PL 9463/18 – logo depois da abertura do ano legislativo, no dia 6 de fevereiro. O despacho pela tramitação conclusiva também foi em si um “passo à frente” para ajudar na análise célere da matéria, muito embora haja expectativa de movimentação da oposição para forçar a votação do tema pelo plenário.

Para entender: a tramitação conclusiva determina que o projeto em análise seja votado somente pelas comissões de mérito e constitucionalidade, sem deliberação do plenário. Pelas regras, depois da análise final da admissibilidade do projeto em questão pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é aberto prazo de cinco sessões para apresentação de um recurso assinado por ao menos 51 deputados que exija a deliberação em plenário. Sem recurso, a CCJ vota uma redação final e envia a matéria ao Senado – ou seja, sem entrar na fila do plenário, sem passar pelo crivo dos 513 deputados.

Por ser um projeto tão polêmico, a apresentação de recurso pode ser classificada com inevitável, mas o despacho em si tem o condão de tornar público o compromisso de Maia com o Planalto para acelerar ao máximo a votação. Sobretudo porque Maia determinou também que, além de tramitar conclusivamente, o projeto da desestatização da Eletrobras vai tramitar em apenas UMA comissão especial.

Segundo a área técnica da Câmara, antes de eventualmente ser votado pelo plenário, o PL 9463/18 deveria ser analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP); Minas e Energia (CME); Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS); Finanças e Tributação (CFT); e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Aparentemente, isso foi ignorado em prol da rapidez de tramitação – uma tendência, aliás, que se verifica em vários aspectos da privatização da Eletrobras.

Em tese, o trâmite nas comissões permanentes não é simultâneo, mas obedece uma “fila” que seria iniciada na CTASP e terminaria na CCJ. Seriam meses até a chegada ao plenário – projetos que não constam das prioridades do governo ficam anos nos colegiados. Mas as próprias regras beneficiaram os planos governamentais de acelerar a tramitação: diz o regimento da Câmara que quando uma proposição tem que tramitar por quatro ou mais comissões permanentes, é possível determinar a criação de uma comissão especial que analise seu mérito (conteúdo) e constitucionalidade. E assim o fez Rodrigo Maia.

O colegiado tem prazo de 40 sessões para debater com o relator do projeto, José Carlos Aleluia (DEM-BA), as eventuais emendas apresentadas e votar o parecer com sugestões de mudanças na proposta original do Executivo. O prazo poderia ser ainda menor? Sim: há casos de comissões especiais com prazos mais exíguos – de 20 sessões por exemplo. Mas Rodrigo Maia afirmou em conversa com jornalistas que considera o prazo formalizado como “adequado” para que o PL 9643/18 seja analisado pela Câmara no primeiro semestre.

Por enquanto, o plano da comissão é votar o parecer até 15 de abril, para que o plenário possa apreciar na semana seguinte (considerando que haverá assinaturas para tal). Se isso não for possível por qualquer motivo, a meta é que o projeto seja votado ainda no primeiro semestre. E o primeiro semestre no Congresso tende a acabar em junho, porque com as festas juninas, as bancadas do Norte e Nordeste seguem para seus Estados para fazer pré-campanhas, o que impede a realização de quaisquer votações importantes entre os dias 13 e 29 daquele mês. E em seguida começa a Copa do Mundo, que, se não esvazia por completo, reduz o ritmo de votações no plenário. Depois vem as convenções partidárias para escolha dos candidatos, o que dá a largada para a campanha propriamente dita.

Portanto, em ano de recomposição da Câmara, o que se escuta nos corredores é que o ano acaba mesmo em junho. E só retoma os trabalhos em novembro, depois de redefinido quem ficou e que saiu com a eleição. Mas aí a prioridade é sempre o Orçamento do presidente eleito. Nada de pautas polêmicas.

Então como fica o projeto da Eletrobras neste cenário? Por ser prioridade do governo, a ideia é que depois do “primeiro semestre” o projeto siga para o Senado, onde a tradição é realizar semanas de esforço concentrado com a votação de matérias específicas. Nestas semanas, é comum que os 2/3 da Casa que estão em busca de um novo mandato – e não deixaram suplentes em seus lugares – desembarquem em Brasília para deliberar. A análise da desestatização da Eletrobras seria feita neste contexto. E teria de ser feita até novembro, para garantir uma janela de votação na Câmara antes do fim do ano legislativo caso os senadores façam alterações no projeto.

Todo o planejamento está feito. Falta apenas que todos façam sua parte. A começar pelos líderes partidários, que precisam completar as indicações para a comissão especial de análise do projeto. Até esta semana, PMDB, PTB, PSC, DEM, SD, PEN, PRB, PR, PPS E PSB haviam indicado seus nomes para o colegiado, mas essas indicações ainda não representam número suficiente de integrantes para que a instalação dos trabalhos (eleição da mesa diretora com presidente e dois vices-presidentes, e confirmação do relator Aleluia) seja realizada. Para tanto, é preciso que o número de indicados do colegiado de 35 deputados chegue em 18 indicados (para configurar maioria simples da comissão). Hoje são 14 deputados.

Em outra frente, o governo já trabalha para garantir resposta aos deputados da base destacados para defender a desestatização da Eletrobras. O Executivo criou até um grupo de assessores para definir a estratégica da comunicação a favor do PL 9463/18. A ideia é evitar a todo custo que a “guerra da propaganda” seja equivocada e posta em marcha com atraso, como ocorreu com a fracassada Reforma da Previdência.

E como garantir votos favoráveis a um projeto pouco popular em ano eleitoral? Nem o relator é a princípio muito simpático à privatização, de acordo com fontes da própria Eletrobras. Esse é outro problema que o governo tem tentado contornar inserindo algumas ofertas atraentes para congressistas no projeto, de acordo com interlocutores do setor. Um deles seria o “desenvolvimento de programa de revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco” por meio da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), segundo consta do PL 9463/18. Até aí tudo bem; o que vem gerando desconforto é a aparente grande flexibilidade na gestão dos fundos desta nova conta de desenvolvimento, que poderão, dizem atores do setor energético, criar problemas de transparência e aporte.

Até existem iniciativas para empatar o processo. Já conta com mais de 30 assinaturas um requerimento de CPI da Eletrobras, protocolado pelo senador Hélio José (MDB-DF) que supostamente investigaria a situação financeira da empresa e as ligações de envolvidos na desestatização com o setor privado. Por enquanto porém a proposta não está sendo considerada como real ameaça – e sequer foi protocolado até o momento.

Enquanto isso, a nota de crédito da Eletrobras foi rebaixada pela agência de risco Fitch no último dia 27 – passou de BB- para B+, com perspectivas estáveis.

Tiago Bitencourt Vergara:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.