Desmontando o golpe do documento bombástico

Um documento divulgado recentemente foi brandido como uma espécie de espada de Thor para derrotar a Lava Jato. Trata-se de um pedido de cooperação judicial, datado do dia 14 de setembro de 2017, com assinatura de um funcionário do ministério da Justiça, pedindo ao governo espanhol que agendasse um encontro entre procuradores brasileiros e o advogado Rodrigo Tacla Duran.

A maneira um tanto sensacionalista como esse documento foi publicado gerou uma histeria coletiva, e que acabou criando um mal estar enorme, ao se transformar, num processo meio irracional que ninguém entendeu direito, em acusações contra determinados deputados, que não teriam lhe dado o devido valor.

O Cafezinho afirma que o documento em questão não tem a relevância que se lhe atribuíram. Ele não prova que Sergio Moro “mentiu”.

A origem da confusão nessa história é a versão de que Sergio Moro teria negado um pedido da defesa de Lula, para ouvir Rodrigo Tacla Duran, alegando que não sabia o endereço do advogado.

Não é bem assim.

Moro jamais alegou desconhecer o endereço de Tacla Duran.

Tanto é que, em despacho assinado no dia 18 de setembro de 2017, ou seja, apenas quatro dias após a saída do pedido de cooperação internacional mencionado no início do post, Sergio Moro assina um outro despacho, pedindo a citação de Rodrigo Tacla Duran. Neste despacho, Moro dá o endereço de Tacla Duran: incompleto, mas dá, agregando que mais informações sobre o endereço poderão ser encontradas nos pedidos de extradição.

Então, se houvesse um documento realmente “bombástico”, provando que Sergio Moro conhecia o endereço de Rodrigo Tacla Duran, seria este.

Agora voltemos a falar do pedido de cooperação internacional, tratado com tanto barulho, e que foi motivo de tanta confusão na internet. Este documento não é uma carta rogatória, e sim um “pedido de auxílio direto”, conforme definido no Novo Código do Processo Civil.

O pedido de auxílio direto é bem diferente da carta rogatória, na medida em que se trata de uma medida muito menos invasiva. Neste caso, o Estado requerente (ou seja, o Brasil) faz um pedido ao Estado requerido (Espanha), para levar adiante uma demanda qualquer, judicial ou não.

E foi assim que Isalino Antonio Giacomet Junior, coordenador geral do departamento de recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional, vinculado ao Ministério da Justiça, pediu ao governo espanhol, que lhe ajudasse a convidar Rodrigo Tacla Duran, cidadão espanhol, para comparecer a uma audiência na data que o governo espanhol achasse mais conveniente. Não sei se o pedido foi acompanhado do endereço de Tacla Duran, mas o procedimento foi todo organizado pelo ministério da justiça da Espanha, que deve ter seus próprios bancos de dados, mais atualizados, sobre seus cidadãos.

Neste caso, não houve problema para encontrar Tacla Duran, que recebeu o pedido do governo espanhol para participar dessa audiência, que veio a se realizar, segundo ele, no dia 4 de dezembro de 2017. Mas os procuradores brasileiros não compareceram, e a gente hoje sabe a razão: provavelmente porque as negociações entre MPF e Tacla Duran não tinham evoluído da maneira que os procuradores queriam. Tacla não tinha aceito o tal acordo “por fora”, e ainda se dispusera a participar de uma CPI da JBS onde revelou tudo.

Se há alguma coisa picante aqui, portanto, é esse recuo suspeito dos procuradores brasileiros. Aliás, a própria ida, sigilosa, dos procuradores a Madrid é um tanto suspeita, sobretudo à luz de tudo que Tacla Duran revelou na CPI da JBS, para a qual foi convidado pelos deputados federais Wadih Damous e Paulo Pimenta.

Aquele documento, divulgado pelo mandato de Wadih Damous, referindo-se a uma citação negada por “endereço incompleto”, que tinha sido expedida no dia 18 de setembro de 2017, é a resposta à citação emitida por Sergio Moro, mencionada anteriormente. Apesar de Moro ter determinado que os responsáveis pelo envio do documento conferissem os endereços nos arquivos de extradição, eles não o fizeram, ou não encontraram nada mais que o endereço incompleto já fornecido pelo juiz em seu despacho: Calle Rio Umia, 22, Pontevedra, Espanha.

Me parece que o mais provável é que os burocratas responsáveis pelo envio do documento acharam que o endereço já estava completo. Os burocratas da Espanha, por sua vez, mau humorados, não se dignaram a se esforçar muito para ajudar seus companheiros do Brasil e tascaram um carimbo de “não-encontrado”, “endereço incompleto” no documento e o expediram de volta ao governo brasileiro. Esse documento, de qualquer forma, não se refere ao caso Lula.

As recusas de Sergio Moro à defesa de Lula, que tentou várias vezes convidar Rodrigo Tacla Duran como testemunha, sempre se basearam, fundamentalmente, em outras razões que não a falta de endereço. Confira essa última resposta de Moro, respondida no dia 23 de fevereiro de 2018, na qual Moro nega o pedido da defesa de Lula com seus argumentos autoritários de sempre: porque não acha adequado e ponto final.

O tal documento divulgado pelo site Duplo Expresso, portanto, não tinha nada de sensacional ou bombástico. Sobretudo, ele não provava que “Moro conhecia” o endereço. Se há algum documento que prova que Sergio Moro conhecia o enderenço, é aquele do dia 18 de setembro, em que ele transcreve o endereço no despacho e ainda sugere que se faça uma conferência nos arquivos de extradição.

Documentos bombásticos de Tacla Duran não faltam, por mérito dos deputados Wadih Damous e Paulo Pimenta. Eu faço questão de frisar isto, não por ser assessor ou receber auxílio de qualquer um deles, como alguns maliciosos insinuaram (e se eu fosse assessor, estaria muito honrado em sê-lo), mas porque o ataque que sofreram me envolveu também. Além disso, odeio injustiça. Os dois tiveram um trabalho monstruoso para convencer Tacla Duran a falar e a entregar uma série de documentos importantes ao Brasil, que desmoralizam a podridão da Lava Jato, e alguns irresponsáveis, de posse de um documento absolutamente irrelevante, desesperados por fama e sucesso, tentam enlamear suas imagens com acusações completamente estapafúrdias.

Confesso ainda que estou extremamente decepcionado com muita gente que acreditou nas calúnias proferidas por eles, ou não as repudiou com a veemência devida. O nível de credulidade da militância de esquerda revelou-se um ponto fraco da nossa resistência. Precisamos endurecer o couro, confiar mais em nossas lideranças e ser mais reticentes com aventureiros.

Acaba-se aqui, portanto, o golpe da bomba bombástica, que produziu um mal estar desnecessário na blogosfera, rachando a militância num momento extremamente delicado da vida brasileira.

Fica a lição amarga: a verdade chega por último!

Abaixo, mais de 300 páginas de documentos realmente bombásticos do caso Tacla Duran!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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