Gilmar Mendes: Brasil virou uma ditadura judicial

Concordo com quase todas as palavras de Gilmar Mendes, inclusive suas críticas aos métodos de escolha de ministros do STF, mas preciso fazer algumas ressalvas.

A primeira, e mais importante delas, é que Gilmar Mendes finge esquecer que ele também colaborou para a ditadura judicial contra a qual protesta. A Ação Penal 470, que ele apoiou entusiasticamente foi um prelúdio da Lava Jato e do avanço do autoritarismo judicial. Está certo que, já nesse momento, a péssima indicação de ministros do STF já se fez valer, mas Gilmar e Celso de Mello, nessa época, faziam parte do time dos punitivistas radicais, inclusive esposando (ou não as criticando com a ênfase que se fazia necessária) teses inconstitucionais como o “domínio do fato”.

Gilmar Mendes, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez uma gestão altamente politizada e partidária, que também deu mais poder aos meganhas do judiciário. A todo momento, Gilmar abria e reabria investigações contra a campanha de Dilma, para gerar fatos políticos e desgastar o governo. Ao fazê-lo, ao enfraquecer o Executivo (só porque não gostava dele), Gilmar ajudou a fortalecer a ditadura judicial que já avançava.

Em seu voto, no último dia 4 de abril, Gilmar Mendes fez uma corajosa denúncia contra a publicidade opressiva dos meios de comunicação, mas esqueceu que esta mesma publicidade foi feita na Ação Penal 470. Gilmar Mendes chega a falar em “chantagem” da mídia.

E, na entrevista, Gilmar novamente é acometido de esquecimentos sobre o papel da mídia. Ora, os ministros indicados pelo PT tem sido alvo de uma pressão e uma chantagem infinitamente maior que Gilmar Mendes, o qual precisa repetir, a todo momento, a sua posição partidária, para que seja deixado em paz pelos grandes meios de comunicação.

Se houvesse uma imprensa um pouco mais democrática e plural no país, os mesmos ministros indicados pelo PT talvez se comportassem de maneira bem diferente, vide as fantasias de Luis Roberto Barroso e Luis Fux sobre um tal “sentimento social” que, em verdade, é simplesmente o sentimento dos proprietários da Globo.

A parte da entrevista em que Gilmar afirma que “a única coisa que o conforta” é saber que a culpa é do PT soam simplesmente partidárias. Eu concordo com a crítica, mas me repugna que um juiz se expresse de maneira.

Em primeiro lugar, é chocante o sadismo social, de sentir algum prazer em ver seu próprio país mergulhado no despotismo judicial só porque isso prova que um partido que não é o seu preferido cometeu, a seu ver, erros na escolha de ministros do STF. É como alguém sentir prazer em ver o brasileiro passando fome apenas porque isso mostra o fracasso das políticas neoliberais do PSDB.

Gilmar parece não se dar conta, além disso, que uma postura tão explicitamente partidária é completamente inapropriada a um juiz.

Quer dizer, a fala de Gilmar tem um sentido: ao falar mal do PT, mesmo que por um viés que se confronta totalmente com a narrativa da própria mídia hegemônica, ele ganha pontos junto a essa mesma mídia.

Por uma dessas lógicas bem características de situações políticas extremamente assimétricas, apenas o mais radical antipetista – e apenas por ser tão explicitamente antipetista – pode se dar ao luxo de abordar, na grande imprensa, que é essencialmente uma imprensa antipetista, posições contramajoritárias. Se um juiz indicado pelo PT fizesse a mesma coisa, seria crucificado pela grande imprensa. Gilmar, não. Como Gilmar tem pontos na mídia, pelo papel cumprido na Ação Penal 470, à frente do TSE, e, sobretudo, no impeachment, então ele é relativamente protegido.

Dito isto, eu concordo com Gilmar: vivemos um estado de despotismo judicial. O fato de ser um juiz conservador e antipetista que o diz é interessante, porque a narrativa da mídia, para justificar os arbítrios da Lava Jato, tem sido sempre a de estigmatizar a crítica como vindo de “setores petistas”. Pois bem, essa é uma crítica que não vem do PT. Assim como a crítica de Reinaldo Azevedo também não vem do PT.

O Brasil vive um despotismo judicial e isso traz consequências extremamente negativas para a democracia, para a economia, para a segurança jurídica de todos os brasileiros.

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No Estadão

‘Ordem de prisão de Lula é ato de despotismo judicial’, diz Gilmar Mendes

O ministro voltou a dizer que a situação no Brasil e no próprio STF está muito confusa

Por Célia Froufe, enviada especial

06 Abril 2018 | 10h59

LISBOA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes avaliou há pouco, ao Broadcast, que a ordem de prisão do juiz Sérgio Moro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “absurda”, porque ainda não foram finalizados todos os procedimentos do Tribunal. Ele classificou a situação atual no País como “despotismo judicial”. “Estamos vivendo uma Prokuratura”, disse há pouco em entrevista ao Broadcast, realizada em Lisboa. O termo russo refere-se ao período que a então União Soviética (URSS) vivia sob a subordinação do “Soviete Supremo”, o poder legislativo soviético.

O ministro voltou a dizer que a situação no Brasil e no próprio STF está muito confusa. “Esta foi uma crise embrenhada, mal gerida pelo Supremo”, avaliou na capital portuguesa, onde participou de uma série de eventos da área jurídica. “A única coisa que me conforta nisso tudo é que toda essa crise que estamos vivendo é fruto de uma desinstitucionalização criada pelo PT”, declarou.

O ex-presidente Lula, conforme o ministro, está sendo vítima de sua própria obra, ao ter feito, entre outros coisas, más indicações para o Supremo. “Foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não eram conhecidas foram indicadas, não tinham formação, não tinham pedigree. Eram para preencher vagas como de simpatizantes do MST, de causas, de grupo afro, sem respeitar a institucionalização do País, por ser amigo de algum político”, enumerou.

Para o ministro, personagens como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol são “filhos de um cruzamento do PT com Luiz Francisco” Fernandes de Souza, procurador da República. “Eles armaram isso tudo. Criaram uma desinstitucionalização. O aparelho que hoje existe, o mecanismo ou coisa do tipo, é este: delegado procurador, juiz… São essas ações articuladas e o Estado de Direito ameaçado”, pontuou.

Perguntado sobre se mudar de voto no caso do habeas corpus do presidente Lula também não poderia ser avaliado como uma forma de fazer parte do “mecanismo”, ele disse que a sua alteração não teve importância. “Minha posição todos conhecem há muitos anos e tudo é fundamentado. Trouxe para o plenário a rediscussão sobre a necessidade de ter limites. Continuo a achar isso, não é possível simplesmente esperar o trânsito em julgado, porque isso não existe mais na prática”, argumentou.

Mendes, conhecido por suas declarações fortes, avaliou que o País passa hoje por um “voluntarismo sem precedentes”. “Acho um absurdo essa ordem de prisão dada assim, sem sequer se exaurirem os procedimentos do tribunal. Não está publicada a decisão. A única coisa que me conforta a alma é que o PT, o que é muito raro, está pagando.”

O ministro citou a frase do Victor Nunes Leal: “Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As consequências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem”. Para ele, neste caso, porém, o PT, apontado como o articulador dos “materiais explosivos”, acabou também sendo uma vítima. “Isso é raro. Em geral, o legislador que faz as trapalhadas não é atingido pela explosão. Mas agora foi.”

Ao falar sobre sua avaliação de que a ordem de prisão de Moro trata-se de um ato de despotismo judicial, ele disse que o País passa por uma onda de autoritarismo penal que varre o País. “Isso tem que ser denunciado e cobrado”, disse. Questionado se Moro poderia sofrer algum tipo de punição, no entanto, disse que não discutiria o assunto. “Só digo que é fruto de uma má ….. essa mixórdia que se fez”, disse, usando um termo bastante lusitano que significa o mesmo que bagunça.

Mendes reforçou que o Partido dos Trabalhadores deixou como “notório legado” uma Corte institucional mal formada, mal indicada, com ministros, de acordo com ele, sem perfil, sem compromisso histórico, sem conhecimento da máquina. “Daí gera essa bagunça que está aí. Fizemos um experimentalismo maluco e o resultado está aí”, afirmou, criticando mais uma vez a condução da pauta da ministra Cármen Lúcia no caso do julgamento do HC de Lula. Para Mendes, os ADCs deveriam ser analisados na mesma ocasião.

“Fico com vergonha de estar vivendo um momento de totalitarismo policial, judicial. Esse decreto da prisão do Lula representa isso. Meu consolo é que isso é fruto das maquinações do PT, da intenção de venezuelar o Brasil”, criticou.

Na avaliação do ministro, o risco de o Exército tomar conta do governo é bem menor hoje do que o de outras áreas da sociedade. “Na verdade, não é o exército. Quem tem ameaçado o governo são os promotores, os juízes, são nomeações como a da Cristiane Brasil, não é o exército. Trata-se de um governo fraco que vem enfrentando abusos. A Corte não está à altura do Brasil.”

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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