À espera do Datafolha de domingo

Começamos o dia com uma boa notícia. As movimentações em torno de uma possível candidatura “única” de direita foram abortadas por Marina Silva, pré-candidata pela Rede. Em entrevista a Jovem Pan, Marina descartou, com um lacônico “de jeito nenhum”, qualquer aliança com o PSDB.

FHC, preocupado com o desempenho declinante do nome de seu partido, Geraldo Alckmin, passou alguns dias tentando flertar com a candidata.

Como uma aliança entre Bolsonaro e Marina é impensável, a direita chegará ao pleito dividida.

A esquerda, aparentemente, também seguirá caminhos separados.

Entretanto, apesar das intrigas, sobretudo entre eleitores de Lula e Ciro, a esquerda tem uma unidade programática evidente.

PT, PDT, PCdo B e PSOL tem adotado uma linha extremamente parecida, centrada nos seguintes eixos: defesa de tributação progressiva, revogação da reforma trabalhista, aprofundamento de políticas de distribuição de renda, ampliação da participação direta da população, através do uso mais constante de plebiscitos e referendos, maior investimento em educação pública.

O eleitor vê isso e a tendência, natural e inevitável, será concentrar seus votos naquele no qual enxergar mais possibilidade de vitória.

As diferenças no momento não são propriamente programáticas ou estratégicas, e sim táticas.

Lula, o candidato do PT, principal líder de massas no país, está preso, o que obriga o partido a fazer a luta política pela via da justiça. Mesmo com poucas chances de conseguir registrar sua candidatura, o PT parece ter entendido o jogo da justiça política: mais importante do que ganhar juridicamente, é obter uma vitória na opinião pública.

A liderança de Lula nas pesquisas tem dado segurança ao partido de que está no caminho certo. Mesmo sem ser muito claro quanto a isso, o plano do PT vai se delineando na cabeça da opinião pública: levar a candidatura até o limite, e aí, na última hora, caso não consiga registrar sua candidatura, fazer uma grande mobilização social para denunciar mais esse golpe contra o direito democrático dos brasileiros, e aí indicar um outro nome, provavelmente do próprio PT.

O grande problema da estratégia petista é a ausência de um porta-voz da legenda nos debates, sabatinas, entrevistas dos quais outros candidatos vem participando. Nem tudo é pesquisa de intenção de voto. Ao avaliar uma campanha, é preciso medir o grau de penetração dos diferentes projetos junto aos núcleos formadores de opinião. Este é ponto com o qual o PT precisava se preocupar um pouco mais.

O PSOL segue firme e tranquilo com seu candidato Guilherme Boulos: a legenda não tem ambição real de ganhar a presidência, e sim ampliar a sua bancada no congresso federal e nos estados, e deve alcançar esse objetivo.

O PCdoB tem sinalizado constantemente o seu desejo de se unir numa aliança em torno de Ciro Gomes, mas tem dificuldades de fazer esse movimento sem produzir atrito com setores do PT, que não escondem o “ciúmes” que um tal gesto lhes causaria.

Ciro Gomes e o PDT, por sua vez, seguem fazendo uma campanha intensa, centrada num discurso firmemente ancorado à esquerda, sempre com referências ao “golpe de Estado” e à necessidade de uma tributação fortemente progressiva. A participação de Ciro no Roda Viva, por exemplo, alcançou níveis muito altos de audiência: o vídeo completo no Facebook atingiu quase 1 milhão de visualizações, número só comparável aos 1,3 milhão de Sergio Moro, que já está no ar há muito mais tempo. O vídeo de Guilherme Boulos, que teve um desempenho muito bom no Roda Viva, atingiu 536 mil visualizações.

No Youtube do Roda Viva, a participação de Ciro obteve 947 mil visualizações, com uma semana de exposição, contra 674 mil de Boulos, com quatro semanas, e 162 mil visualizações de Marina Silva, com 1 mês.

Há uma tendência curiosa, de qualquer forma, por parte da imprensa tradicional e de seus satélites, de pressionar o PT com perguntas em relação à possibilidade de aliança com Ciro Gomes. Dado que o PT e Lula já se manifestaram repetidamente sobre a questão, as perguntas soam quase como uma provocação, como se a imprensa quisesse ouvir, novamente, um refrão agradável a seus ouvidos.

O PT, como sempre desastrado e ingênuo em sua relação com a grande imprensa, continua caindo em todas as armadilhas que se lhe oferecem, em geral preparada pelos jornalistas mais “próximos”: Monica Bergamo, da Folha e Bernardo Mello Franco, do Globo.

Ontem (ou anteontem), por exemplo, Frei Betto, ao sair de visita ao ex-presidente Lula, deu a seguinte declaração a Bernardo Mello Franco, seu companheiro de Globo (Betto é colunista no jornal):

— Ele deixou claro que não haverá acordo com o Ciro — conta o escritor.

Mais nada. O leitor não sabe o tom de voz de Lula, se ele se referia ao momento presente, ao primeiro turno, ao segundo turno.

A frase, dita assim, a seco, sem contextualização, permitiu aos setores mais isolacionistas do PT a carregarem nas tintas, usando as mesmas palavras do título do post de Bernardo no Globo: “Lula descarta apoiar Ciro, diz Frei Betto”.

Ainda ontem, o site Poder 360, o mesmo que publicou uma pesquisa amaldiçoada (com razão) pelos petistas por divulgar apenas um cenário sem Lula, entrevistou Ricardo Berzoini, importante quadro da burocracia petista.

A manchete é, mais uma vez, hostil a Ciro: “PT precisa conter migração de votos para Ciro Gomes, diz Berzoini”.

Todo petista é abordado insistentemente sobre esse ponto. Todo petista que sai de um encontro com Lula, a primeira pergunta que se lhe faz é sobre uma aliança com Ciro Gomes. Como o PT dá respostas negativas, até porque, ao que consta, já definiu a sua estratégia, a repetição tem um efeito antipático e desagregador.

É uma armadilha montada contra o PT, não contra Ciro Gomes, e o PT, como sempre, não está percebendo. É um tiro no pé.

Se o PT pára de falar em ampliar o seu eleitorado e passa a falar em “conter a migração de votos para Ciro Gomes”, ele dá mostras de insegurança. Eleitor não tem dono. Ele deve ser conquistado pelo projeto político. Ao usar tal linguagem para se referir ao eleitorado petista, Berzoini fala como um burocrata que pensa apenas no partido, não como um quadro político que pensa no bem comum e na grande luta, maior que todos nós, para restaurar a democracia perdida.

Ao mesmo tempo, Berzoini revelou a origem dos ataques “à esquerda” a Ciro Gomes: eles vem de (ou são chancelados por) setores da própria burocracia partidária. Como seria possível “conter” essa migração sem atacar Ciro? Isso, no entanto, confunde muito o eleitor, porque Ciro Gomes tem um discurso progressista muito firme. O PT é contra as propostas de Ciro? Não é. Como estes setores do PT não podem atacar o discurso, é preciso baixar o nível.

Os setores anticiristas da militância petista tem material escasso para atacar Ciro. Então eles são muito repetitivos. São sempre os mesmos pontos. Vamos comentá-los um a um:

1) Há um vídeo de Ciro, numa entrevista, criticando a relação de Lula com empresários. A extrema-direita, espertamente, tem divulgado muito esse vídeo, visando afastar o eleitorado lulista de Ciro. Olhe o compartilhamento abaixo, do referido vídeo, editado pelo grupo pró-Bolsonaro Movimento Popular Brasileiro, disseminado por uma internauta petista:

O comentário da pessoa que compartilha o vídeo é assim:

Canalha esse Ciro! Trai, calunia e difama até amigos se julgar que isso ajuda a atingir sua alucinação de ser presidente. Escroto, com todo o respeito pelo escroto.

Agora façamos a uma análise objetiva. As palavras de Ciro, embora infelizes, não trazem nenhuma acusação grave além das conhecidas críticas contra a relação próxima de Lula com empreiteiros. O vídeo é um trecho descontextualizado de uma entrevista de Ciro Gomes feita em novembro de 2015, no Espaço Público, da TV Brasil, cujo original está aqui.

Apesar do impeachment ser aprovado em abril de 2016, alguns meses antes, em novembro de 2015 tudo parecia sob controle. Dilma havia conseguido conter os principais ataques terroristas de Eduardo Cunha. Lula ainda não fora acusado de nada. Não era o Dom Sebastião de hoje, o mártir inatacável, o preso político símbolo do grau máximo de degradação da nossa democracia. Ainda era relativamente “seguro”, para alguém no campo progressista, fazer críticas a Lula, sobretudo às suas relações (e de alguns de seus filhos) com grandes empresários. Muitos outros intelectuais respeitados, que permanecem ao lado de Lula, como Pedro Serrano, fazem até hoje duras críticas a proximidade excessiva entre Lula e donos de empreiteiras. A minha opinião é de que os comentários de Ciro são, reitero, infelizes, mas só isso. O tratamento que alguns petistas hostis a Ciro tem dado a esse vídeo é obviamente exagerado. A maioria sequer presta atenção ao vídeo em si, e sim às descrições e títulos sensacionalistas: “Ciro detona Lula”, etc. Numa discussão no Twitter, um petista disse para mim que Ciro, nesse vídeo, chamou Lula e os filhos de “ladrões”, o que é simplesmente inverdade. No afã de intrigar Ciro, petistas chegam ao paroxismo de prejudicar o próprio Lula, inventando agressões e acusações contra o ex-presidente que jamais existiram.

2) Outros vídeos (quer dizer, trechos de vídeo) que os mesmos setores tem divulgado são conversas entre Ciro Gomes e Aécio Neves, e entrevistas de Ciro, na qual Ciro diz que Aécio daria um “bom candidato”, e que o PSDB era um partido “decente”.

O Partido da Causa Operária (PCO) fez um apanhado de trechos desses vídeo de Ciro, dessa mesma época:

O primeiro vídeo, em que Ciro aparece ao lado de Aécio, dizendo que o tucano daria um bom candidato em 2010, é de de julho de 2009. Tenho visto petistas divulgado esse trecho como se fosse a prova de que Ciro teria apoiado Aécio em 2014… Ciro tem apoiado o PT, em eleições presidenciais, no primeiro e segundo turno, desde 1989. Em 2010 e 2014, Ciro não apenas apoiou Dilma como integrou a coordenação de sua campanha (especialmente em 2010).

É preciso contextualizar esse vídeo de 2009. Desde 2007, Lula vinha “namorando Aécio”, com vistas a amaciar a oposição, e facilitar sua relação com o Congresso. Até que ponto era apenas mais uma das jogadas de Lula, saberemos apenas no dia em que Lula escrever suas memórias, mas o fato é que Lula havia dado uma entrevista, em 2007, em que sinalizava apoio à candidatura de Aécio em 2010. A entrevista provocou grande repercussão e Lula conseguiu o que queria: amansou a oposição.

Leia trecho dessa matéria, de outubro de 2007, publicada logo depois da tal entrevista de Lula.

15/10/2007 – 19h20
Aécio minimiza eventual apoio de Lula e diz que seu caminho é no PSDB

da Folha Online

O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), minimizou um eventual apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao seu nome nas eleições presidenciais de 2010. Em entrevista para a Folha, Lula admitiu a possibilidade de apoiar a candidatura de Aécio se o tucano migrasse para o PMDB.

Sem negar uma possível candidatura em 2010, Aécio disse que houve um exagero na repercussão da declaração do presidente Lula. “Eu li a entrevista, acho que há um pouco de exagero nisso. Agradeço a referência que o presidente faz, mas acredito que nós estaremos em condições de construirmos juntos, com a participação do Democratas, e de outras forças políticas, um grande projeto de país.”

Aécio descartou mudar para o PMDB ou para qualquer outro partido para disputar o pleito de 2010. “E eu, por mais que me sinta honrado com os convites que me têm sido feitos, meu caminho é no PSDB e nisso tenho sido absolutamente claro.”

Questionado se o apoio de Lula seria uma espécie de “afago” em troca de apoio à prorrogação da cobrança da CPMF, Aécio disse não ver relação entre os temas. “Acho que a CPMF é um problema hoje pelo governo, em razão não apenas pela demora do projeto chegar ao Senado da República, mas também por uma certa desarticulação política no Senado em razão de toda essa crise. Não vejo um vínculo direto entre uma coisa e outra.” (…)

Em 2009, Ciro ainda era um deputado federal pelo PSB, da base aliada do governo Lula. O PSB tinha apoiado a reeleição de Lula desde o primeiro turno, em 2006, e defendia o governo com lealdade no Congresso. Ciro tinha sido eleito, pelo Ceará, em 2006, com 667.830 votos, a maior votação em termos relativos do país, e a segunda maior em termos absolutos. Ciro foi um dos principais batalhadores pela prorrogação da CPMF, pela viabilização do PAC e da Transposição do Rio São Francisco.

Ciro fazia o jogo parlamentar. Cabia-lhe seguir a orientação de Lula e “amaciar” a oposição. Assim como Lula, ele conseguiu. Com apoio de sua base, Lula conseguiu governar com tranquilidade até 2010, quando saiu com popularidade recorde, entregando o poder para sua sucessora, Dilma Rousseff, numa eleição cuja campanha Ciro Gomes foi um dos principais coordenadores.

3) A acusação de ter vindo da Arena, por sua vez, não é inverídica. Era o partido de seu pai. Mas Ciro migra para o PMDB em 1983, com 26 anos, e durante toda a sua vida militará sempre em partidos de esquerda.

4) Sobre a mudança de partidos: todas as movimentações de Ciro foram sempre à esquerda. Seguindo o caminho oposto de figuras como Aloysio Nunes, Cristóvão Buarque, etc, desde a juventude, ele foi indo cada vez mais à esquerda. Sai da Arena com 26 anos para entrar o PMDB. Sai do PMDB, quando este se imobiliza ideologicamente e entra no PSDB, esperança de social-democracia. Sai do PSDB quando este adere ao neoliberalismo e migra, em 1997, para o PPS, antigo “partidão’, muitos anos antes deste se tornar uma legenda satélite do PSDB. Tanto que o PPS apoiará Lula no segundo turno de 2002 e Ciro Gomes se tornará ministro da Integração Nacional, durante todo o primeiro mandato do presidente Lula. Durante a crise do mensalão, Ciro Gomes se manterá como um dos mais leais e combativos defensores do governo.

Quando o PPS começa a se afastar do governo Lula, Ciro Gomes migra para o PSB, partido da base aliada do governo. Por fim, quando o PSB se afasta do PT e decide lançar a candidatura de Eduardo Campos, com uma plataforma conservadora, Ciro Gomes sai do partido, estaciona alguns meses no PROS e vai para o PDT, com objetivo de manter a coerência de sua trajetória e apoiar não apenas a eleição de Dilma mas também o seu governo.

***

E agora o mundo político espera ansioso a divulgação dos números do Datafolha de domingo. Evito fazer “profecias”, apenas reitero que é preciso examinar as pesquisas sem demasiada paixão. Elas entram no cálculo das estratégias políticas, naturalmente, mas não podemos exagerar sua importância. É preciso olhar além delas: para a consolidação de conceitos e projetos das respectivas candidaturas, a penetração em diferentes setores, a presença nos núcleos formadores de opinião, a costura de alianças, tanto explícitas (já definidas) quanto implícitas (sugeridas ou sinalizadas).

Esse quadro, mais a pesquisa Datafolha, de longe a mais respeitada pelos partidos (apesar de já ter pisado na bola algumas vezes), permitirá ao jogo político-eleitoral se desenhar com mais clareza. O último Datafolha, de abril, ainda trazia o nome de Joaquim Barbosa, e ainda havia uma grande esperança de que Lula poderia ser solto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e se candidatar. Hoje essa esperança é muito restrita a setores mais ingênuos da militância, e o eleitorado já começou a entender que precisa escolher um substituto, seja no PT, onde o nome de Haddad é mais forte, seja fora do PT, onde o eleitor lulista encontrará um leque amplo de opções: Boulos, Manuela, Ciro, Marina…

Segundo este último Datafolha, com entrevistas realizadas entre os dias 11 e 13 de abril, uma semana depois da prisão do ex-presidente, o quadro de intenções de voto era o seguinte (com Lula e sem Lula):

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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