Com que echarpe eu vou

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Denise Assis – jornalista –

Exma. ministra Rosa Weber,

Estranhei o fato de, em tempos em que as notícias atravessam o planeta com a rapidez de um raio, a senhora precisasse de quatro dias para se pronunciar sobre uma denúncia grave, a do derrame de notícias falsas, feita pela mídia tradicional, ( a Folha de São Paulo, na pessoa da brilhante repórter Patrícia Campos Mello).

Com o país lambido em chamas, natural seria que a senhora quisesse colocar logo água na fervura e, honrando a luta feminina, que conquistou espaços importantes como a presidência do TSE, por exemplo, quisesse chamar a si, e de forma ágil, a fiscalização das eleições. Ok. Vá lá. Digamos que a senhora passe por um momento de fragilidade e por isto lançou mão do respaldo de todas as instituições – acho que a senhora só esqueceu do Michel, mas quem se lembra dele, não é mesmo? – para compor a mesa em resposta à denúncia.

Evidente que a resposta era para a denúncia veiculada e replicada na imprensa, sobre as fake news, e não à ação impetrada pelo candidato Fernando Haddad, como o Jornal Nacional fez parecer e, na “coletiva” também não ficou muito claro. Talvez fosse interessante dirimir essas dúvidas.

Mas, no fundo eu entendo a sua necessidade de prazo. Afinal, é muito difícil escolher entre uma echarpe vistosa, – espalhafatosa mesmo – da Victor Hugo, e uma outra mais discreta e própria para a gravidade da ocasião. (E ficou patente o seu nervosismo, ao optar pela mais gritante). Outro ponto difícil de definir era se usava os óculos de armação clara, combinando com o tom de pele, ou se as escuras, que chamam a atenção para os olhos e não para as olheiras. Nisto a senhora acertou.

Contornado o ponto estético, ficaram muito cansativos aqueles intermináveis discursos ocos, cantando loas à “retidão e lisura” de um pleito que vocês têm obrigação de entregar assim: correto e limpinho. Até onde pude contar, foi uma hora e quarenta minutos de “exposição” das ações do TSE.

O melhor seria que este balanço fosse feito no dia 28 à noite, ou mesmo no dia 29, vá lá. Do seu ponto de vista foi bom, pois a senhora ganhou tempo para elaborar aquela resposta exemplar, à questão colocada em pauta pelo ainda não diplomado (convém que se diga) deputado federal Eduardo Bolsonaro, o fechamento do STF. A instituição máxima de um dos três poderes que compõem a República. E ao qual a senhora pertence, como sabemos.

Mas não naquele momento, não é mesmo? Ali, como a senhora fez bem questão de frisar, “o seu lugar de fala” – para usar uma expressão da moda – era como presidente do TSE. Então, com voz pausada e solene, a senhora declarou: “Embora não sendo presidente do STF, e sim do TSE, no Brasil as instituições estão funcionando normalmente. Juiz algum no Brasil se deixa abalar por qualquer manifestação que possa ser compreendida como inadequada”. Inadequada?…

Confesso que fiquei em estado de perplexidade diante da TV. Primeiro, porque não sendo da área jurídica, bateu aquela dúvida. Um deputado recém-eleito, ainda não diplomado, e que dê uma declaração desta (mesmo “de brincadeirinha”, como o rapaz depois explicou), com o processo eleitoral ainda em curso, pode ser diplomado no cargo? Não sofrerá nenhuma sanção, por parte do TSE? Desculpe a ignorância… E, tendo ele menosprezado o Supremo a ponto de dizer que pode fechá-lo como quem fecha a birosca da esquina, não provocou na senhora, membro do tribunal, uma ponta de indignação?

Invejei o seu autocontrole. E me lembrei que o último que “brincou” com os poderes e os rumos do país, “só para encher o saco” – a expressão vulgar não é minha, e sim, de um então senador da República, o senhor Aécio Neves – colocou este país de pernas para o ar.

Enfim, num balanço de perdas e danos, acho que perdi a minha tarde de domingo. Em vez de terminar aquela série de TV sobre os horrores do fascismo, que escolhi para ver (estou vendo para não esquecer). Dediquei o meu tempo a acompanhar o merchandising das urnas eletrônicas, o beija-mão, e a não explicação, para o respeitável público do que, afinal, está acontecendo nos bastidores da eleição.

Ao fim e ao cabo ficamos sabendo, como numa espécie de “plus”, que repousam na Polícia Federal 469 inquéritos sobre fake news, a serem apurados. Sem que ninguém especificasse quantos estão ou não ligados à eleição. Tal como em sua coletiva, a expressão “fake news” que motivou a convocação dos jornalistas ao TSE, aqui também o tema principal, que deveria ser o lead (abertura) do artigo, ficou no pé. Fiz de propósito. Para deixar patente o quanto exige paciência não entrar logo no assunto principal. Louvo a dos colegas, que foram até lá. Só não entendi o porquê dos aplausos no final. No meu tempo jornalistas só agradeciam e corriam para as suas redações para extrair das falas a sua essência. E, neste caso, eles saíram de mãos abanando.

AH! A propósito do “milagre” que a senhora espera para a solução das fake news, pena, foi em dia 15 de outubro, data da homenagem aos professores, o dia de Santa Edwirges, a que se dedica a causas impossíveis. Como ainda estamos dentro do mês, pode ser que ela lhe atenda. Peça com fé.

 

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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