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Comentários à entrevista de Mangabeira Unger

O companheiro Luis Nassif escreveu uma análise da entrevista de Mangabeira Unger à Folha sobre a qual eu gostaria de tecer alguns comentários. Nassif critica os erros de Ciro por não ter aceito a proposta de Lula/PT de lhe dar uma vaga de vice numa chapa encabeçada pelo próprio Lula. Diz que isso foi um […]

23 comentários
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Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo.

O companheiro Luis Nassif escreveu uma análise da entrevista de Mangabeira Unger à Folha sobre a qual eu gostaria de tecer alguns comentários.

Nassif critica os erros de Ciro por não ter aceito a proposta de Lula/PT de lhe dar uma vaga de vice numa chapa encabeçada pelo próprio Lula. Diz que isso foi um gesto de “arrogância mortal”.

Na opinião de Nassif, uma chapa Lula /Ciro teria sido a “fórmula ideal”.

Humildemente, discordo.

Uma chapa Lula / Ciro não teria nenhuma lógica.

É impressionante como o alerta de Cid Gomes ainda é atual. Alguns preferem esquecer esse fato constrangedor, mas Lula estava, a essa altura, preso em Curitiba, condenado em segunda instância por corrupção. A maioria da população, segundo pesquisas, entendia que se tratava de uma prisão justa. Mais importante: as instâncias de poder, imprensa, STF, STJ, Ministério Público, todos estavam alinhadas em favor da prisão do ex-presidente.

Ciro seria vice de um presidiário (a palavra é dura, mas é a verdade nua e crua) condenado por corrupção, com apoio da maioria da população à sua condenação e prisão.

A maioria das forças de esquerda não-petistas (incluindo Ciro) sempre defenderam Lula, sempre atacaram a sentença de Sergio Moro, mas a sua prisão é um fato político incontestável. Era preciso, por isso mesmo, preservar o ex-presidente, evitar sua super-exposição, para não atiçar ainda mais a fúria judicial contra ele.

A lógica de apostar em Ciro e não no PT se dava justamente por causa dessas lamentáveis circunstâncias. Aliás, essa era a razão pela qual o próprio PT falava tanto em Ciro. Era uma ideia que contava com o apoio de vários governadores.

Como Lula estava preso, e como o PT não tinha uma outra liderança com capital próprio, faria todo sentido lançar um candidato de outro partido.

Havia outras razões também, tão ou mais importantes. Todas as pesquisas indicavam que o PT não era mais associado a um espírito de mudança, o que explica a sua rejeição. O PT governou o país por 13-14 anos, então para gerações inteiras de brasileiros, o PT é associado ao establishment, ao poder, e, sobretudo, às intermináveis e insuportáveis crises políticas que vem assolando o Brasil com muita intensidade desde 2005, e que, após alguns descansos, voltaram com muita força a partir de 2013.

O eleitorado queria mudança, notava-se forte rejeição ao PT e Lula estava preso (com apoio da maioria à sua prisão).

Esses três fatores apontavam para Ciro Gomes como a “fórmula ideal”, mas na cabeça de chapa, livre, leve e solto.

Se Ciro fosse vice de Lula, ele não poderia participar de nenhuma sabatina, entrevista, debate, dedicados exclusivamente a candidatos a presidente.  E quando conseguisse abrir um espaço na mídia, teria que responder apenas a questões relativas a Lula. Aliás, Ciro nem poderia falar em lugar algum, porque seria logo acusado de pretender “roubar” o lugar de Lula.

Incrível como já se esqueceu que a narrativa do PT, durante todo o tempo em que durou a chapa Lula / Haddad, era de que “não havia plano B”. Era Lula ou Lula. O PCO, nessa época com grande presença dentro dos espaços de debate do PT (com direito ao microfone nos dois lançamentos da candidatura Lula), tinha como mote “Lula ou nada”. Nem Haddad eles aceitaram.

Lula era o candidato a presidente e ponto final. Haddad mantinha um silêncio obsequioso. Não dava entrevistas nem se manifestava em redes sociais, para não parecer que era um “plano B”.

Alguém consegue imaginar Ciro representando esse papel?

Muitos nomes importantes do PT diziam que a fórmula usada seria a de Cámpora / Perón: Haddad no governo, Lula no poder. Eu mesmo presenciei o comício de um importante deputado aqui no Rio, em que ele enfatizou essa fórmula.

No caso, então, a fórmula seria Ciro no governo, Lula no poder?

Se o problema era a prisão de Lula e a impossibilidade dele conseguir o seu registro, porque cargas d´água a “fórmula ideal” seria Lula como cabeça de chapa?

Se o PT queria manter a cabeça de chapa com Lula, então a oferta a Ciro, sobretudo após ele já ter registrado a sua própria candidatura, foi uma tentativa de humilhação, ou uma farsa.

Como é possível pretender que algum outro candidato, que não um petista, se submetesse a esse tipo de humilhação? E para que?

Em que, nesta situação, uma candidatura Lula/ Ciro teria qualquer vantagem sobre uma candidatura Lula / Haddad?

Para um petista, a situação ao menos apresentava a perspectiva de liderar o partido em caso de uma eventual derrota.

Se a ideia fosse Lula / Ciro, toda a energia e novidade de Ciro seriam consumidas e destruídas. Ciro não apenas perderia as eleições, como não teria condições de levar adiante o que era (e continua sendo)  justamente o seu principal capital político: o de possuir uma plataforma progressista própria, independente, alternativa ao PT, partido que, apesar de tantas coisas boas que fez ao país e ao povo (Ciro sempre foi o primeiro a admitir isso), vive imensas dificuldades políticas, soterrado por processos judiciais, delatores, prisões, arrastando uma imagem pesadíssima, que não seria desfeita em poucos meses.

E não foi Ciro quem perdeu a presidência. Quem perdeu a presidência foi o campo progressista.

A fórmula ideal, desde sempre, seria um apoio de Lula a Ciro. Haddad poderia ser o vice. Ou alguém do PSB.  Conseguiríamos fechar uma grande aliança, formal, entre PT, PDT, PSB, PcdoB e centrão. Teríamos o maior tempo de televisão, usado para emplacar na opinião pública uma narrativa antigolpe e desenvolvimentista.

A campanha poderia ficar centrada em projetos, e não num plebiscito sobre o PT e Lula. Aí teríamos muito mais chances de obter apoio do eleitor centrista, cansado do PT, mas que também não se sentia à vontade com as posições extremistas de Bolsonaro.

Não apenas o campo progressista poderia vencer as eleições presidenciais, como a onda Bolsonaro talvez não viesse tão forte, e muitos quadros extremistas não teriam tantos votos na disputa para o legislativo e governos estaduais.

E mesmo que não vencêssemos, a vitória de Bolsonaro seria infinitamente mais frágil, porque teríamos saído mais unidos, com mais governadores, deputados e senadores, além de uma aliança muito grande na sociedade.

Ciro não “diminuiu” a importância de Lula ou do PT. Tanto ele como todo mundo apenas refletiam que havia – isso era notório – uma rejeição muito grande ao partido. O lançamento de um candidato condenado por corrupção era uma provocação perigosa, irresponsável, que atiçava todas as forças golpistas.

É fato que Lula tinha uma enorme força política. É candidato a presidente desde 1989, foi presidente duas vezes, seu partido tinha a maior bancada, um dos maiores tempos de TV e centenas de milhões de reais em recursos públicos eleitorais. Lula sempre teve força para levar quem ele desejasse para o segundo turno.

A grande discussão, antes do primeiro turno, sempre foi a articulação de uma candidatura para a vencer o segundo turno, não o primeiro, e, sobretudo, assentada sobre um conjunto de forças plurais, de esquerda, centro-esquerda, centro, liberais, centro-direita, que tornasse possível a governabilidade do próximo presidente.

Hoje estamos no pior dos mundos. Cabe a nós agora fazer um debate de alto nível, sem linchamentos mútuos, mas também sem jogar nada para debaixo do tapete. Os erros precisam ser discutidos à luz do dia, com transparência, e todos precisamos saber ouvir argumentos de todos os lados, sem bloquear ou apagar comentários críticos.

Não existem verdades absolutas. Ninguém está absolutamente certo. A verdade, na vida, é sempre dialética, ou seja, reside no próprio movimento eterno entre ideias contrárias.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Paulo

19/12/2018 - 22h45

Pondé é apenas um reprodutor de conhecimento. Para conhecer a gênese do pensamento conservador moderno, leiam Roger Scruton!

Renato

19/12/2018 - 15h12

LULA LIVRE !!!!!!!!!

alvaro

19/12/2018 - 11h56

Nassif sabe das coisas. Mangabeira super honesto como sempre

Luiz Henrique

19/12/2018 - 11h41

Concordaria com seu comentário se fosse levado em consideração o efeito e consequência danosa das mídias sociais, principalmente o whatsapp. Sem elas, o futuro presidente continuaria sendo o que sempre foi: baixo clero. Ainda me arrisco a dizer que se Ciro fosse cabeça de chapa com Haddad, a votação da esquerda seria menor. Não podemos esquecer que no Brasil não existe uma esquerda popular a nível nacional, o que existe e muito mal, são lideranças regionais. O que existe é Lula e quem ele apoiar.

asdaas

19/12/2018 - 10h14

PT e sua incapacidade de assumir erros já afundou o partido, elegeu a extrema direita e agora vai afundar a esquerda, levando possivelmente à perseguição em vias de fato

    Alan Cepile

    19/12/2018 - 10h29

    Não acredito que o partido tenha se afundado, apenas enfraqueceu bastante na opinião pública no famoso antipetismo, e nem penso que vai afundar a esquerda, que terá uma atuação muito mais responsável agora, nada de ficar com essa petezada de pedir impeachment do bozo toda semana.
    A oposição, da forma que está sendo costurada neste início, tem tudo pra dar certo, o bozo vai mostrar todas as suas fraquezas e uma oposição inteligente deverá ter a habilidade de mostrar isso ao povo, trazendo-o para o seu lado.

Alex B

19/12/2018 - 08h19

Perfeita sua análise, Miguel. Frequentemente acusam Ciro de ser “coroné” mas nosso grande “coroné” é o Lula. No campo progressista qualquer um que ouse ser protagonista tem que ganhar sua benção, tem que ter seu aval e estar sob sua tutela. É constrangedora a tese de que Ciro errou ao não se curvar à proposta petista. Queriam que o Ciro colocasse a mascarazinha do Lula e se submetesse àquela estratégia marketeira ridícula de “somos milhões de Lula”? O Haddad é quem de fato se apequenou passando por esse ridículo.

Miramar

19/12/2018 - 00h40

Parece que alguns petistas sentem uma paixão secreta pelo Cirão…
//Esse Coronel, sacana, fugiu pra Paris quando eu, uma pobre petista abandonada, chorava sozinha…//
Isso é tesão reprimido!

Aliança Nacional Libertadora

18/12/2018 - 21h36

Li a análise cirista……bem cafezinho…..
http://valterpomar.blogspot.com/2018/12/mangabeira-unger-attacks-again.html?m=1

Alan Cepile

18/12/2018 - 19h20

O PT deu um show de antiética e imperícia estratégica nessa eleição, elegeu Ciro o inimigo a ser trucidado e deixou a direita bem a vontade, o resultado todos viram.
Lula vai apodrecer na cadeia muito por culpa das trapalhadas dos petistas que o deixaram nesta situação, há quem diga que foi traído por gente alta do partido.
Fazendo uma comparação, o que o Assange representa hoje? Um calo dos EUA que incomoda e chama a atenção do mundo? Ou um presidiário esquecido?? O Zelaya, de Honduras, incomodava quando fazia discurso em cima do muro da embaixada brasileira?? Comparem o que Assange e Zelaya fizeram com o que o Lula e o PT (pra variar) deixaram de fazer. Lula e PT perderam o bonde da história, e com tantos erros criaram o maior fenômeno da eleição, o antipetismo, que fez a população preferir um mini Hitler insignificante.
Esse carimbo o PT vai carregar pelo resto da história!

Claudio Lessa

18/12/2018 - 17h31

“companheiro Luis Nassif escreveu uma análise da entrevista de Mangabeira Unger à Folha sobre a qual eu gostaria de tecer alguns comentários.”
Onde está os “Comentários à entrevista de Mangabeira Unger”.
Sempre pensei como colocado por Mangabeira Unger, só divergindo em quando ele conclui que o Ciro não estava nem aí pro Lula e o Lulismo – Ciro queria herdar os votos do lulismo (herança e sucessão por morte, no caso, o grande erro: Lula está morto).
Faça um esforço colega, não fuja de comentar Mangabeira.

Francisco Souza

18/12/2018 - 14h58

Excelente análise, assim como a do Castanon no Portal Disparada. O petista roxo como o Ricardo não vai entender e não quer entender que muitas análise não são feitas sob o ponto de vista do umbigo do PT.

Devido as escolhas feitas, pelo menos temos a chance de tentar o Ciro em 2022. Se ele tivesse aceitado fazer o papel ridículo e humilhante de vice fake a carreira dele teria acabado no dia seguinte ao segundo turno.

Miguel continua de parábens por não se dobrar às análises que interessam apenas a burocracia petista.

    CAR-POA

    18/12/2018 - 18h03

    Ciro é um MORTO PÓLÍTICO,felizmente.Ele se suicidou,se a sua moral já não estava nem média com a massa,depois das eleições simplesmente acabou.
    Seu apoio (falso e canalha) e sua fuga pra Paris enquanto a Democracia neste país agonizava .serviram pra chutar o banquinho e acabar com a vida política de mais um CANALHA.
    MENOS UM ,JÁ É UM GANHO.
    ELE SÓ ENGANA OS PÚBERES,OS MAL INFORMADOS E OS FANÁTICOS .

      HILARIO MUYLAERT DA SILVA LIMA

      18/12/2018 - 22h57

      Ciro é uma pândega. Em resumo: acha-se mais do que realmente é…..
      Eu ainda pensei em votar nesse cara…..

Ricardo JC

18/12/2018 - 14h12

Miguel…sua análise é constrangedora. Olhar a realidade apenas aos olhos do cirismo é uma catástrofe para quem quer fazer análise política. Ciro nunca deixou de bater no PT e forte! Poderia usar o mesmo argumento seu…como, nestas condições, você pensa que o PT abriria mão de uma candidatura forte (foi até o segundo turno) em prol de uma chapa que passou a vida lhe dando bofetada, mesmo que no meio de alguns acenos? Não à toa, o espaço aqui está vazio.

    CezarR

    18/12/2018 - 14h30

    Ciro não fez nehuma, repito, nenhuma crítica que nós, progressistas, pedetistas, petistas, pesolistas, comunistas, não tenhamos feito em algum momento desses anos todos.Talvez vocês entendam que essas criticas não poderiam ter sido externadas, mas oras, Ciro não é do PT. Ciro não bateu nada, aliás, aliviou bastante. Análise deturpada é a do Nassif, e não me refiro a deturpação de fatos passados, mas das palavras do próprio Unger. O conteúdo do que disse o Unger é diametralmente oposta ao que publicou o Nassif.

      CAR-POA

      18/12/2018 - 18h12

      SÓ VOU LEMBRAR,UMA ,SÓ UMA QUE O CANALHA BATEU NOS PTS.
      A respeito da entrevista que Lula poderia dar na cadeia à Mônica Bergamo,
      “A ENTREVISTA A LULA,É UMA ABERRAÇÃO”.
      O CANALHA TEVE MUITAS,MUITAS,AGRESSÕES ESTÚPIDAS,INFANTIS,BURRAS AOS PTS.
      QUALQUER PERSPECTIVA DE DESTAQUE NAS ELEIÇÕES , PASSARÍA PELOS PTS.
      SÓ OS FANÁTICOS,OS MAL INFORMADOS AINDA DEFENDEM ESSE MORTO POLÍTICO,(felizmente)

        CezarR

        18/12/2018 - 18h50

        Não me lembro desse comentário do Ciro. Sei que ele defendeu que o Haddad fosse barrado enquanto não oficializado como cabeça de chapa, mas desse específico não me lembro. Bote a matéria , por favor.

        Alan Cepile

        19/12/2018 - 10h33

        Assim como é um absurdo entrevistar Fernandinho Beira Mar tratando-o quase como um infuencer.

        Bizarro!

          CezarR

          19/12/2018 - 11h58

          Volto a dizer, não me lembro dessa declaração de Ciro. Agora, conceitualmente, já vi entrevistas de várias pessoas no cárcere e em condição pior que a de Lula, pois com condenação já transitada em julgado.

          CAR-POA

          21/12/2018 - 18h08

          meu caro ,com tal de enaltecer (e obviamente isso significa agredir os pts) O CANALHA,vc está perdendo a ética MÍNIMA que deveria ter alguém que se imagina politizado.
          Deixe seu fanatismo de lado e não cometa mais imoralidades como a de comparar Lula com Fernandinho.


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