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Sartre por Ernesto Che Guevara

Há 39 anos e um dia falecia o escritor francês Jean-Paul Sartre Charles Aymard, e o GeoNotícias trás um texto em sua homenagem, escrito por Ernesto Guevara. No início dos anos 1960, Sartre e sua companheira Simone de Beauvoir estiveram em Cuba, lá se admiraram com o processo revolucionário cubano e com dois de seus […]

21 comentários
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Há 39 anos e um dia falecia o escritor francês Jean-Paul Sartre Charles Aymard, e o GeoNotícias trás um texto em sua homenagem, escrito por Ernesto Guevara. No início dos anos 1960, Sartre e sua companheira Simone de Beauvoir estiveram em Cuba, lá se admiraram com o processo revolucionário cubano e com dois de seus líderes Fidel Castro e Ernesto Guevara, o Che. O último já era leitor e admirador de longa data da obra de Sartre, que também, claramente compartilhava (assim como Beauvoir) da rebledia característica de Che e dos revolucionários cubanos. Talvez um de seus grandes atos de rebeldia, tenha sido, em 1964, quando venceu o Prêmio Nobel de Literatura e o recusou por uma regra auto-imposta, que era a de se recusar a receber algum reconhecimento, distinção ou prêmio por um de seus trabalhos.

Os Intelectuais e o Poder
“O homem está condenado a ser livre”. Jean-Paul Sartre
Sartre “Monsieur Sartre, eu não entendo por que eles colocaram uma bomba em seu apartamento”, disse aquela manhã surpreendido o porteiro do hotel em Paris onde dormia o filósofo, um aparente cavalheiro calmo, intelectual, não merecia tanta atenção quanto para receber um ataque. Naquele mesmo ano, Jean-Paul Sartre escrevera seu memorável prólogo para o livro The Damned of Earth, de Franz Fanon, onde rezava: “A Europa criou escravos e monstros”.

No contexto da guerra colonial da França contra a Argélia, tal prólogo foi uma arma afiada contra todo o discurso europeu que por quatro séculos sustentou a “necessidade” da opressão ao Terceiro Mundo.

No lado oposto da literatura estaria o poema Se por Rudyard Kipling, na parte em que o autor britânico faz uma apologia ao “fardo do homem branco”, ou seja, um suposto papel inevitável de “civilizar”.

Ambas as peças estão localizadas no plano que o próprio Sartre chamou o compromisso moral da literatura, uma visão que permeia os estudos sobre a relação entre os intelectuais e o poder que parte das mesmas propriedades da filosofia existencialista sartreana sobre o homem condenado a ser livre.

A NEGAÇÃO DE SARTRE
Este intelectual que tentaram apagar, não sem motivos, das academias do primeiro mundo, é taxado de desatualizado ou errático, enfatiza suas várias militâncias e como ele mudou de ideia sobre a questão política. Na realidade, essa conspiração é contra a definição de SER dada por Sartre, uma entidade que se faz baseada em decisões que a tornam digna ou indigna.

Jean-Paul Sartre se desenvolve como intelectual de estudos fenomenológicas do início do século passado, uma escola que mergulhou em retomar o controverso sujeito-objeto a partir de uma perspectiva não
materialista-dialética . Em outras palavras, tentava reescrever o que já havia sido descrito pela filosofia alemã clássica um século antes, baseados em pressupostos que não levaram ao marxismo.

A partir dos estudos na Alemanha, no calor do desapego que significava Martin Heidegger, com respeito à definição clássica de estar e a formulação de sua “Dasein” (estar lá), Sartre afirma o conceito de consciência humana como um estado de destemor e não como uma coisa, como um ser, uma imanência.

Então, estamos neste mundo, inevitavelmente, e isso nos força a decidir. Não há estado de consciência manso, repousado, somos consciência do mundo. O estado de coragem em que o homem vive, a vida autêntica que definiu Heidegger, nos distancia do cósmico. Por exemplo, uma pedra “é”, uma vez que não muda, não decide, não tem compromisso moral. O homem, por outro lado, nunca é o mesmo, portanto, ele é um nada sem conteúdo, forçado a se lançar sobre o mundo e tomar decisões.

Esse homem é condenado, querendo ou não, a uma liberdade cuja utilização depende depende de si mesmo.

É por isso que Sartre é injuriado em algumas escolas, já que não propôs a hermenêutica e a linguagem como refúgios pastorais ou alternativas postuladas à atividade política, mas coloca o homem no meio do mundo e o faz depender de esse nada que está em constante construção, que é preenchido com conteúdo.

Da dialética sartreana, que parte da tradição clássica e marxista, surge o herói ou o traidor, dependendo de como esse nada, que é o homem, está sendo. Não há justificativas, o velho argumento de que “meus pais ou meus chefes ou a sociedade me fez assim” não é válido, já que o homem pode e deve decidir.

Em As Mãos Sujas, Sartre descreve a situação de um homem que é ordenado a matar outro, depois sai e quando ele anda, ele libera a frase “minutos depois que a ordem me deixou, eu estava sozinho”.

O COMPROMISSO DO ESCRITOR
Nem toda boa literatura está comprometida com boas causas, na verdade, de acordo com Sartre, os intelectuais são tentados pela irresponsabilidade. Mas como nada que é, o intelectual deve ser definido. “Falar é falar, ficar em silêncio é gritar”, diz Sartre em O que é literatura? Não há compromissos complacentes, ou você está do lado certo ou se trai.

Escrever é uma questão moral e a moralidade não pode ser estranha a um mundo imoral. Assim, mesmo boa ficção científica pode escapar o pronunciamento sobre aos destinos do homem, daí obras emblemáticas como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

É que Sartre, a partir de sua obra-prima “O Ser e o Nada” tenta dar plenitude à tese de “Ser e Tempo” de Heidegger, pois ele entendeu que a filosofia que o havia precedido permaneceu incompleta por uma questão de classe.

Heidegger passou de pensador lúcido a “rei filósofo” do Terceiro Reich e cometeu a loucura empenhada em comparar as hordas nazistas com “potências ontológicas” a propaganda alemã ainda ordenou a igualar as andanças do ser inautêntico com as andanças dos judeus. Após a guerra, longe do poder, Heidegger quis reivindicar a chamada “virada linguística”, colocando o estudo do ser no plano da linguagem e poesia.

Diante de tal traição ao conhecimento, Sartre decide estruturar sua dialética do ser e do nada. Uma declaração de princípios que coloca o homem em um novo plano ético global, ao estabelecer juízos de valor perenes sobre a ética do intelectual frente a imoralidade do mundo.
A Filosofia com Sartre volta a ser um projeto de liberdade, que questiona o que é estabelecido como intocável, quebrar os moldes classistas de uma investigação voltada para o escapismo e declara que a linguagem não nos fala, mas nós, lhe damos vida e sentido através de nossas escolhas.

Um escritor comprometido é aquele que sabe como e para que usar a linguagem e também executa esse tipo de linguagem, a transforma, não em uma mentira complacente ou em um silêncio cúmplice, mas no grito que irrita os guardas repressores, os colonialistas em seu trono, os acomodados com a injustiça do mundo.

Uma filosofia do ser autêntico pleno como a de Sartre leva à ação, ainda que o próprio autor não tenha escrito um texto sobre como esse homem livre age em grupos políticos concretos em busca de sua emancipação.

Talvez fosse a parte da existência humana que Sartre procurava pessoalmente, antes de colocá-lo no papel, com esse compromisso com a realidade concreta que o distinguia. Como consciência crítica de seu tempo, ele costumava ser visto em cima de um barril, no meio da rua, entregando jornais ou declamando.

Assim, em uma ocasião, foi surpreendido por um jovem policial que queria prendê-lo, e foi impedido pelo próprio Charles De Gaulle, que divulgou a frase memorável: “Não podemos prender o Voltaire deste século”.

O episódio mostra como um homem concreto, neste caso o político conservador, conhecia o valor do comprometimento do intelectual e, mais do que isso, do homem Sartre que apesar de sua velhice ainda era capaz de sair, arrastando os pés em uma manifestação, para doar seu ser autêntico.

NO CONTEXTO:
Jean-Paul Charles Aymard Sartre, conhecido como Jean-Paul Sartre, nasceu em Paris, França, em 21 de junho de 1905.
Embora tenha sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1964, ele o rejeitou por causa da regra auto-imposta, que consistia em se recusar a receber qualquer tipo de reconhecimento, distinção ou prêmio por qualquer de seus trabalhos. Ele também rejeitou a Legião de Honra.
Em 1938, ele publicou a primeira edição do La Nausea.
Em 1939 ele publicou El muro e começou a escrever os primeiros manuscritos de La edad de la razón e El ser y la nada.
Em 1943, ele publicou Las moscas e o El ser y la nada, ele colaborou com o Comitê Nacional de escritores como editor dos jornais de resistência ao nazismo Combat e Letters françaises.
Cria em 1945 a revista Les Temps Modernes na companhia de Simone de Beauvoir, Raymond Aron e Maurice Merleau Ponty.
Em 1968 participou ativamente da revolta estudantil em maio, contra a sociedade de consumo e em defesa dos valores da esquerda.
Em 15 de abril de 1980, Jean-Paul Sartre morreu no hospital de Broussais devido a edema pulmonar. Cinco dias depois, ele seria enterrado, a procissão de seu corpo foi seguida por uma enorme multidão para o cemitério de Montparnasse, onde seus restos residem até hoje

Texto de Douglas Finger para “O CAFEZINHO”

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Tulio Ribeiro

Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ,Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas -Venezuela

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Comentários

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Antonio Itamar de Souza Bastos

05/08/2021 - 15h53

O texto contém interpretação particular e foi bem redigido…
Não concordar é o que Sartre sempre defendeu :
O homem está condenado a ser livre…
A Liberdade trás a responsabilidade de a usar como quiser.
A respeito dos comentários, todos são pessoais e de pontos de vista diferentes.
Agradeçamos a Sartre!

Aline

18/04/2019 - 15h01

Dois gênios , excelente texto cafezinho

Luiz

18/04/2019 - 13h54

Afinidade de almas, entre o espírito indignado e a alma pronta da cultura francesa!

Bolsonaro Arrependifo

17/04/2019 - 20h26

Che maior que Fidel

Sergio Araujo

17/04/2019 - 19h40

Dizem que nào gostava de tomar banho esse animal…devem ter aceso o charuto para desfarçar a carniça.

Naldo

17/04/2019 - 19h18

Ótimo texto ,ao nível do cafezinho.
Admiro os dois

CARPOA

17/04/2019 - 19h05

El CHE,um cara que vivo fosse no nosso Brasil,tería passado bala em muito traidor filha da puta.
Muitas togas,fardas , gravatinhas e camisetinhas da cbf ficaríam sujas de sangue e o Brasil mais limpo.

    Sergio Araujo

    17/04/2019 - 19h35

    Esses comentarios deveriam ser moderados…

    Alécio

    18/04/2019 - 05h54

    é a cara da extrema-esquerda

      Sergio Araujo

      18/04/2019 - 09h18

      Moderada.

      Sergio Araujo

      18/04/2019 - 09h33

      Qualquer Governo normalmente eleito que nào seja conforme ao pensamento unico è extrema-direita segundo esses sujeitos por tanto essa daì segundo a logica è uma posiçào moderada ou fraca.

Paulo

17/04/2019 - 18h49

“1959 – Psicopata
Mandou matar um menino de 15 anos acusado de grafitar muros com mensagens contra Fidel. Quando a mãe foi pedir clemência, ordenou a execução imediata. Para alguns historiadores, casos como esse mostram como foi a atuação de Che ao julgar presos políticos.” Fonte: Super Interessante

    CARPOA

    17/04/2019 - 18h58

    Vc se esforça pra ser doutarado em IDIOTÍA.
    Revista super interessante,EDITORA ABRIL,esse nome não te sugere nada?
    Continúe se esforçando ,vc chega lá!

Roque

17/04/2019 - 15h18

Só sei de uma coisa, se o Che estivesse vivo até hoje, cabras como o Jean Willis estariam no paredão sem dó…

    CARPOA

    17/04/2019 - 19h01

    Imbecis apoiadores de miliciasnos como vc ,também.
    O Willys até podería ser salvo ,com uma boa conversa ,o cara era durão ,mas inteligente.
    Agora por idiotas como vc ,faría questão de participar do pelotão.

      Sergio Araujo

      17/04/2019 - 19h42

      …com uma boa conversa !! Kkkkk

Cristian Marques

17/04/2019 - 15h12

Por favor, pessoal, peçam a um estudioso de filosofia para escrever sobre o assunto. Não querendo desmerecer o autor formado em economia e história, mas há tantos “deslizes” quanto à filosofia nesse texto que nem consegui terminar de lê-lo. Ora “estudos fenomenológicas do início do século passado, uma escola que mergulhou em retomar o controverso sujeito-objeto”, pelo amor de Athena! Logo a fenomenologia foi o movimento que visou a superação do problema sujeito-objeto e que, desde Husserl, esse movimento filosófico conseguiu. É muito equivocado dizer que retomaram o problema e, pior, como se ele estivesse já superado em algum debate anterior (algo como Hegel?).

Em seguida fala de Heidegger (minha especialidade), e traduz o “Dasein” por “estar lá”. É um atestado de nem ter se dado o trabalho de uma pesquisa rápida para ver que “estar lá” não só é uma tradução capenga como nenhum estudioso do Brasil a usa. Mostra bem o descaso que a reflexão metódica está a passar no Brasil. Para quem não entendeu ainda que minha crítica não é quanto a erros de tradução, mas quanto que tais erros mostram um total desconhecimento de quem redige o texto, que colocar a fenomenologia do modo como o autor a põe é falsificar esse movimento filosófico e, pior, por algo que ele inclusive combateu.

Chamem alguém formado em filosofia para redigir assuntos filosóficos. Certo que há gente competente para ocupar esse espaço.

    Cristiano

    18/04/2019 - 15h06

    Eu gostei do texto, além de que é um análise fidedigna do original.
    Vou preferir o economista tá ?
    Não cabe em profissionais de humanas esta rivalidade.
    Além de que o referido é mestre em historia ,mãe de humanas.

      Cristian Marques

      29/04/2019 - 15h11

      Claro, prefira o que quiseres, Cristiano, cada um é livre até pra isso. Se te parece fidedigno o texto, então não percebes o que eu critiquei. E história é uma área de humanas, caso não percebeste.

    Alice

    18/04/2019 - 23h48

    Pediu emprego mesmo kkk

      Cristian Marques

      29/04/2019 - 15h13

      kkkk! Não sabia que fazer uma crítica era pedir emprego, interessante essa tua “tese”, kkkk!


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