Ex-ministro da Fazenda de Dilma defende reforma da previdência (mas não a de Bolsonaro)

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Na Época

‘A reforma não pode e não deve ser mais adiada’, diz Nelson Barbosa

Ex-ministro de Dilma Rousseff, o economista afirma discordar da posição do PT sobre a reforma da Previdência

Martha Beck

23/05/2019 – 07:00 / Atualizado em 23/05/2019 – 13:07

1. O que o senhor acha da proposta de reforma da Previdência do ministro Paulo Guedes?

Acho que o que é bom não é novo e o que é novo não é bom.

2. Como assim?

Gradualmente, as pessoas estão se convencendo de que temos de mudar para um sistema de idade mínima. Também há um grande consenso de que é preciso alinhar os regimes de aposentadoria dos servidores públicos e do setor privado. Essas linhas eram tabu há 20 anos, e isso está na proposta. As pessoas hoje discutem a regra de transição, mais do que se a reforma deve ou não ser feita. Então, o que é bom não é novo. O que é novo, que é criar um sistema de capitalização sem nenhuma contribuição patronal, copiando a experiência desastrada do Chile, não é bom. Deu errado em vários países do mundo, cria incertezas e impede ou atrasa a aprovação sobre o que as pessoas concordam. O ideal é trabalhar no que todo mundo concorda.

3. O problema da capitalização é não ter contribuição patronal?

Para mim, capitalização é complemento, e não substituto para a Previdência Social. Capitalização é um regime individual, e não um regime social, em que uma geração sustenta a outra. Capitalização é um regime complementar, como acontece hoje no Brasil. Existem vários planos de capitalização no Brasil. Pode ser fechado, com participação do empregador, como acontece com novos servidores, empregados de grandes empresas, estatais. Ou pode ser individual, em que o trabalhador contribui sozinho. Capitalização, como complemento, é um regime que funciona. Mas o que foi proposto é acabar com a repartição e ter só a capitalização, sem a contribuição do empregador, o que dá problema, além de gerar um custo de transição elevado.

4. A proposta é mais dura com os mais ricos?

Depende da parte da reforma. Se você pegar o valor total, a maior parte da economia vem dos programas que atendem os mais pobres. Mas, se você calcular por contribuinte, a maior economia vem do setor público. A reforma tem, sim, medidas que penalizam os privilegiados, mas que também penalizam os mais pobres, como o aumento do tempo de contribuição para 20 anos e as mudanças na aposentadoria rural e dos professores na forma como foram propostas.

5. Como o senhor vê a mudança proposta para o pagamento do abono?

Sou favorável, e iria até além. Transformaria o abono numa despesa discricionária, como o Bolsa Família. Seria acessível somente para quem ganha um salário mínimo, e todo ano o Congresso decidiria se pagaria abono ou não.

6. E as mudanças na aposentadoria rural e no BPC, que socorre pessoas com necessidades especiais?

Na questão dos mais pobres, acho que não é preciso aumentar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos. É possível manter os 15 anos, porque nem sempre as pessoas mais pobres conseguem comprovar contribuição no mercado formal. Com os 20 anos, cria-se uma multidão de “inaposentáveis”, pessoas que, mesmo com 65 anos, não conseguirão tempo de contribuição e vão ter de recorrer ao BPC. Melhor manter em 15 anos e diferenciar as pessoas pelo valor do benefício. Quem contribuiu mais ganha mais, quem contribuiu menos ganha menos.

7. Quanto dessa reforma o governo consegue aprovar?

A reforma tem chance porque o Congresso tomou a liderança do processo. É preciso que a gente avance nisso para que outras pautas andem. Mas, se depender da articulação política do governo, não passa. O mínimo que deve passar é a idade mínima, o aumento da contribuição para servidores, a reforma do abono e o alinhamento de regras entre servidores e setor privado. O que já é uma grande reforma, mesmo que não signifique um valor financeiro muito grande no curto prazo.

8. Quanto tempo essa reforma deve durar até outra se fazer necessária?

As reformas da Previdência no Brasil têm sido incrementais. Estamos discutindo isso desde meados dos anos 90. Em 25 anos, alguns consensos começaram a se formar: de que é preciso transitar para uma idade mínima; ajustar a aposentadoria ao tempo de contribuição; alinhar servidores e setor privado; e cobrar uma alíquota maior dos servidores, principalmente os que estão no serviço há mais tempo, que têm paridade e integralidade. Esses pontos, se o governo quiser trabalhar, ele aprova. Se insistir em coisas mais radicais, que deram errado em outros países, o governo ameaça a aprovação, inclusive, daquilo em que as pessoas concordam. Minha filosofia é sempre começar por aquilo com que as pessoas concordam em vez de começar pelo que todo mundo discorda.

9. Se for aprovada desta forma, qual será sua validade?

Um dos princípios da reforma da Previdência, que é adotado em outros países, é o ajuste da idade mínima de acordo com a sobrevida da população. Essa reforma já traz isso. Idade mínima de 65 anos terá de ir para 67 anos em 40 anos. Mas a questão fiscal brasileira vai muito além da reforma da Previdência. O desafio é estabilizar o gasto. O gasto vai crescer, a população idosa está aumentando. A questão é que ele não pode crescer de modo explosivo. No futuro, serão necessárias novas fontes de financiamento para a Previdência. Precisa de medida do lado da receita e do lado das despesas do governo. Uma reforma administrativa e tributária. E a reforma da Previdência, por mais difícil que pareça, ainda é mais fácil que a tributária.

10. Há semelhanças entre a reforma atual e aquela proposta pelo senhor quando foi ministro?

A adoção da idade mínima, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e o ajuste do valor do benefício por tempo de contribuição.

11. Como o senhor vê a posição do PT em relação à reforma?

O PT é contra a reforma. Eu não concordo com isso, em ser contra a proposta como um todo. Acho que temos de ser a favor da reforma que achamos certa. E propor medidas para aproximar a proposta do governo do que achamos certo. Creio que o PT e partidos da oposição vão apresentar emendas. Do contrário, não vão participar da discussão. Partidos têm de trabalhar em emendas e correções da proposta. A reforma não pode e não deve ser mais adiada.

12. Como a situação fiscal estaria hoje se uma reforma tivesse sido aprovada no passado?

Em 1998, quando Fernando Henrique perdeu por 1 voto, as pessoas falavam que fariam a reforma da Previdência para as novas gerações. Naquela época, os reformistas achavam que isso era pouco. Se isso tivesse sido aprovado, provavelmente não precisaríamos de reforma hoje.

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