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Ignacio Cano: Os erros da esquerda

Corrupção é mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade Por Ignacio Cano A última década testemunhou o surgimento, em muitos países, de personalidades e grupos políticos contrários às elites tradicionais, de discurso agressivo contra o status quo, muitas vezes denominados de populismos. Com algumas exceções parciais, como Grécia e Espanha, estes […]

14 comentários
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Corrupção é mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade

Por Ignacio Cano

A última década testemunhou o surgimento, em muitos países, de personalidades e grupos políticos contrários às elites tradicionais, de discurso agressivo contra o status quo, muitas vezes denominados de populismos. Com algumas exceções parciais, como Grécia e Espanha, estes populismos bebem na tradição da extrema direita. É cedo ainda para avaliar em detalhe este fenômeno, de causas complexas e diferenças de país a país, mas é possível refletir sobre os possíveis equívocos da esquerda que contribuíram para esse cenário.

O primeiro é o foco, nos últimos anos, em pautas políticas identitárias. Nada mais justo do que defender as minorias sexuais ou raciais de um tratamento discriminatório. Contudo, num cenário de desigualdade econômica crescente que, como mostra Piketty, está chegando em níveis que só existiam antes dos anos 40, boa parte da esquerda deixou de lado as políticas de redução da desigualdade econômica, como a política fiscal, para se centrar na defesa das minorias. Essa escolha não acalmou o mal-estar das classes baixas, cujos integrantes migraram para opções políticas cada vez mais conservadoras. A direita, por sua vez, aceitou o desafio identitário e desenvolveu projetos políticos identitários para as maiorias, a partir da percepção de uma suposta ameaça.

Assim, heterossexuais passaram a sentir ameaçados pelas “novas” orientações sexuais, e cidadãos de países ricos passaram a acreditar que os migrantes poderiam destruir sua identidade nacional. A falta de um projeto político transformador e igualitário para o conjunto da sociedade, num momento de crescente frustração com a globalização, abriu um espaço político que foi ocupado pelo retorno ao nacionalismo e ao nativismo. Apelos a colocar o país em primeiro lugar são hoje comuns e, inclusive, dão nome a projetos e a partidos políticos.

Um segundo problema é o tratamento da corrupção. Para boa parte da esquerda, a corrupção foi sempre um problema menor, uma distração da luta de classes. Na América Latina, onde a corrupção é endêmica, os governos progressistas que chegaram ao poder na década passada ignoraram a questão.

Acreditaram, erradamente, que seriam julgados pelos mesmos parâmetros de governos anteriores, mas, dado que a esquerda sempre pregou a renovação moral, os níveis de exigência acabaram sendo mais elevados. Além disso, quando o boom das commodities acabou, e a economia entrou em crise, a tolerância social com a corrupção caiu abruptamente, e muitos governos de esquerda foram alvo de acusações de corrupção. É verdade que, em vários países, a Justiça penal foi usada seletivamente contra políticos progressistas, o que se conhece como lawfare, mas não é menos certo que os níveis de corrupção continuaram elevados.

De qualquer forma, o principal erro da esquerda não foi moral, mas doutrinário. Embora a corrupção afete a todos os setores sociais, os lucros auferidos através dela são muito maiores para quem dispõe de um capital político e econômico significativo. Assim, a corrupção constitui mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade. Para enfrentá-la não bastam apelos à superioridade moral, é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização e transparência. Eis uma proposta política absolutamente progressista que a esquerda deixou, em muitos países, nas mãos da direita.

O exercício da autocrítica não garante o fim das derrotas, mas a ausência dela significa que elas, provavelmente, continuarão.

* Ignacio Cano é professor da Uerj.

Publicado no site da Fundação Astrogildo Pereira 

Originalmente publicado no Jornal O Globo

Aproveite e assista a esse debate com Ignacio cano no Voz Ativa:

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Comentários

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Garibaldi

28/05/2019 - 10h19

É necessário pensar em erros da esquerda, mas precisamos fazer isso de maneira racional. Não adianta exagerar nisso. Acontece que a esquerda foi governo, e precisa recalcular suas práticas. O que estamos passando é resultado de um golpe de estado, não dos erros da esquerda. Que, aliás, nem foi tão a esquerda assim, o governo foi muito liberal. Pensar em erros faz bem para nós, progressistas. E faz bem para o Brasil e para o mundo. Mas temos que ter pés no chão. O foco deve ser positivo e propositivo, parar de morder o próprio rabo, pensar pra frente.

Paulo Werneck

28/05/2019 - 07h23

O PT errou demais Deveria ter mandado a Policia Federal baixar o pau nos movimentos identitários, rasgado a Constituição cujos centos artigos não foram feitos por ele (só tinha oito deputados) e nomeado o professor (?) Ignacio Cano, que nunca ouviu falar do Portal da Tranaparência e quetais, para junto com o experiente Ciro Gomes (pois conhece todas as formas de fazer politica já que esteve em muitos partidos) para reformar o pais. Da minha parte, desisto do Cafezinho.

Alexandre Neres

26/05/2019 - 23h16

“Na América Latina, onde a corrupção é endêmica, os governos progressistas que chegaram ao poder na década passada ignoraram a questão.”

Tal assertiva é surreal, no que se refere ao Brasil. Nenhum governo chegou perto de fazer o que o PT fez, isto é, fortaleceu as instituições responsáveis por debelá-la, como Polícia Federal, Ministério Público, praticamente começou a AGU do zero sob a batuta de Jorge Hage.

Diferentemente do que o “professor” diz, se tem alguma coisa que o PT fez no poder foi fortalecer os mecanismos de fiscalização e transparência, tanto é que o desgoverno atual quis a volta do sigilo, ampliando-o, mas foi derrotado na Câmara. Até o ministro justiceiro e os procuradores de Curitiba reconheceram isso, mesmo com toda a parcialidade que os caracteriza.

Pelamordedeus, que texto é este?

    marco

    27/05/2019 - 21h08

    Fortaleceu de fato as coorporações dos “sem votos”, a nomenklatura tupiniquim , imagine deixando-as escolherem sua própria chefia.
    Burrice igual , nunca vi.

carlos

26/05/2019 - 11h11

O Brasil se tornou em um pais de sabotadores, começando pelo judiciário e terminando no executivo, e um legislativo letárgico e desidioso, pra vocês terem uma ideia a constituição brasileira se compõe atualmente de 250 artigos e 80 emendas, afora os parágrafos, incisos e alíneas, resultado qual é o artigo que trata do crime de lesa pátria e sabotagem nenhum, resultado de tudo isso é as milícias, os grupos terroristas, a fronteira que chamam de fronteira seca os caras casam e batizam, enquanto a constituição chinesa tem 138 ativos mais 17 artigos depois da revisão total 155 e eles executam todos lá não tem parágrafos nem inciso nem alínea, e diferente aqui a cada diá é o executivo utilizando decreto medida provisória e outros espedientes escusos, lá a lei de sabotagem é cumprida.

carlos

26/05/2019 - 09h03

O erro crasso da esquerda entre aspas porque não temos esquerda, mas algumas siglas são extremistas, na hora de se unir eles se dispersam, vejam o exemplo do Ciro quando viajou para França, por falar em Ciro ele nunca foi de esquerda é um oportunista, que saiu do antigo PDS, para o PMDB, PSDB, foi estudar em Harvard e ai se transformou, como se o cara dormisse na direita e acordasse na esquerda, a verdade verdadeira é primeiro prá ser presidente tem que conhecimento, ser honesto, e ter um projeto de País, qual foi o projeto que os presidentes apresentaram, nenhum, apenas a globo que aliena o povo com a ridícula pergunta que país você quer para o futuro, apareceu o país da escravidão no futuro, no qual o estado se dividiu em país do estado judicial e o país do rentismo, esse é grave erro que esses setores aproveitando o nicho da globo que é a maior enganadora do povo inculto.

LYNDON LAROUCHE

25/05/2019 - 23h15

A esquerda errou demais, Leiam isto: Textos de Agentes do FBI em 4 de Maio de 2016, a pergunta é: Como um golpe apoiado pelo FBI, CIA, DOJ, Inteligência do Reino Unido, Austrália, Itália, deu errado e Trump não foi derrubado. E aqui no Brasil, o Conge pintou e bordou e virou até Ministro?

2016-05-04 00:40:51 Quarta OUTBOX E puta merda Ted Cruz acabou de sair da corrida. Vai ser uma corrida do Clinton X Trump. Inacreditável.
2016-05-0400: 41: 24, qua INBOX O que?!?! ??
2016-05-04 00:41:37, qua OUTBOX Você ouviu isso certo meu amigo.
2016-05-04 00:41:37 Quarta-feira INBOX 1 viu o Trunfo ganho, imaginei que seria um pouco
2016-05-04 00:41:57, Qua INBOX Agora a pressão começa realmente a terminar MYE …
2016-05-04 00:42:32, qua OUTBOX Com certeza faz. Precisamos falar sobre a ligação de acompanhamento amanhã. Nós ainda não temos.

Paulo

25/05/2019 - 21h43

“Um segundo problema é o tratamento da corrupção. Para boa parte da esquerda, a corrupção foi sempre um problema menor, uma distração da luta de classes. Na América Latina, onde a corrupção é endêmica, os governos progressistas que chegaram ao poder na década passada ignoraram a questão”.

A corrupção, para a esquerda, é um detalhe de moralismo pequeno-burguês.

Na América Latina, os governos Kirchner, Lula/Dilma e Chavistas não só desdenharam da questão, como a utilizaram criteriosamente como instrumento de perpetuação no poder…

Alan C

25/05/2019 - 15h01

Ótimo texto e nos leva a fazermos diversas reflexões.

Concordo com o que ele chama de políticas para as maiorias, um exemplo é o bozo, que disse que iria governar pra ela e que a minoria teria que aceitar, é disso que ele está falando e a análise está correta, embora este sistema da extrema direita seja desprezível moralmente.

Quanto à corrupção nos governos de “esquerda”, ele acerta mais uma vez, o PT, além de ter construído uma máquina de corrupção, com o claro intuito de se perpetuar no poder, passou 14 anos agradando a direita com os maiores lucros da história do mundo capitalista, perdão de dívidas, recusa fiscal, Refis e completa ausência de reformas política, fiscal e do judiciário, sempre agradando os caciques dessas três esferas.

    Paulo

    25/05/2019 - 21h40

    Mas a reforma fiscal é pleito da direita, também…

Zé Maconha

25/05/2019 - 14h34

Aonde a direita desenvolveu projetos identitários para maiorias?
A direita aposta no ódio , no preconceito e na ignorância e continua governando pra 1% da população.
A extrema-direita crescer é culpa do ser humano e sua podridão.
Esse discurso de criticar a defesa de minorias é rídiculo , as mulheres são maioria em boa parte dos países , os negros maioria no Brasil.
Os banqueiros e empresário que a direita defende é que são minoria.
Os evangélicos no Brasil ainda são minoria.
Esse discurso vem de pessoas como o Miguel e o Ciro , que no fundo são de direita.
E chamar o Podemos e o SYRIZA de populistas?
Eles representam a esquerda do século 21 , o próprio termo populismo é rídiculo e preconceituoso.
Quem tem que fazer auto-crìtica são os racistas , homofóbicos , xenófobos e machistas.
E os “esquerdistas” covardes que se ajoelham diante deles são ainda piores.
O que essa gente quer? Que a esquerda se curve aos preconceitos? Nós já defendemos os 99% contra os 1% que a direita defende.
Essa balela já enxeu o saco , se o povo é burro e ingrato que vote na direita , jamais mudarei o que eu penso pra bajular gente ignorante e cheia de ódio.
A esquerda foi de “vamos meter uma bala na cabeça dos fascistas” para ” vamos mudar nosso discurso pra bajular os fascistas”.

    lucio

    25/05/2019 - 16h15

    podemos e syriza sao TRAIDORES. a grecia foi esmagada pelas politicas liberistas do sub-imperio euro-alemao, syriza foi eleita para SAIR DO EURO e… nao saiu. aceitou o imperio.

    Mario Augusto

    25/05/2019 - 19h31

    A contradição fundamental do capitalismo ainda é capital x trabalho. Negar isso com políticas de grupos identitários é jogar água no moinho da direita, da manutenção do status quo.

Nostradamus ( bacia & banquinho )

25/05/2019 - 14h28

Balela !!!
Poderíamos refutar cada frase com citações textuais dos livros de Jessé de Souza e do professor estadunidense Jason Stanley.
O nome adequado é fascismo. O texto é permeado por truques acadêmicos.
Não me darei ao trabalho de empreender o trabalho de refutação deste texto por demais panfletário, quase lacerdista, que trabalha como o Miguel do Rosário em favor da causa antipetista.


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